O que as testemunhas disseram no julgamento de Dilma
Érika Kokay28 de agosto de 2016
Termina a fase dedicada a ouvir as testemunhas, na etapa final do processo de impeachment. Relembre o que falaram, nos três primeiros dias de julgamento, os depoentes arrolados pela acusação e defesa.
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O terceiro dia do julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff, neste sábado (27/08), pôs fim à primeira etapa da fase final do processo de impeachment, destinada a ouvir testemunhas. Desde a última quinta-feira, foram interrogados no Senado Federal sete depoentes.
Inicialmente, haviam sido convocadas duas testemunhas de acusação e seis testemunhas de defesa. No decorrer do processo, um depoente de acusação foi convertido à condição de informante, assim como duas testemunhas de Dilma. Dessa forma, seus depoimentos não têm mais valor de prova.
Além disso, na sexta-feira, a defesa dispensou a testemunha Esther Dweck, ex-secretária de Orçamento do Ministério do Planejamento, recentemente contratada para trabalhar no gabinete da senadora petista Gleisi Hoffmann, a fim de "evitar eventuais constrangimentos".
Dilma é acusada de crime de responsabilidade, por ter editado três decretos de créditos suplementares sem autorização do Congresso e pelas assim chamadas pedaladas fiscais, que são atrasos nos pagamentos da União para o Banco do Brasil em subsídios concedidos a produtores rurais através do Plano Safra.
Confira um resumo do que falaram os sete depoentes nos três primeiros dias de julgamento:
Júlio Marcelo de Oliveira, informante de acusação
O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), foi o primeiro a depor durante o julgamento, ainda na quinta-feira. Ele é o autor do parecer que rejeitou as contas do governo Dilma em 2014.
Em seu depoimento, o informante afirma que a então presidente da República cometeu um crime de responsabilidade ao praticar as pedaladas fiscais, que classificou como "um grande plano de fraude fiscal". Oliveira alegou que Dilma não poderia ter editado decretos sem autorização do Congresso.
O passo a passo do impeachment
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Para ele, ainda em 2013 o governo Dilma deu início a um processo de maquiagem nas contas públicas. "Foi um grande plano de fraude fiscal, que contou com a omissão do registro das dívidas, com a fraude aos decretos de contingenciamento e com a utilização dos bancos públicos federais como fonte de financiamento ilegal, proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal", afirmou.
"Impossível imaginar que a presidente da República não tivesse conhecimento de que este problema grave estava acontecendo na sua administração", disse Oliveira, ao ser questionado sobre a culpa de Dilma nas práticas que estão sendo julgadas. "O dolo grita nos autos."
Antonio Carlos Costa D'Ávila Carvalho Junior, testemunha de acusação
O auditor federal do TCU Antonio Carlos Costa D'Ávila também depôs na última quinta-feira. Para a testemunha arrolada pela acusação, o governo Dilma sabia que estava realizando operações de crédito ilegais com bancos públicos e continuou com as mesmas práticas no ano de 2015.
Segundo D'Ávila, as pedaladas fiscais causaram um "dano muito grande" ao país não só de maneira direta, como também indireta. "Indireta porque toda perda de credibilidade que decorre da prática dessas operações irregulares trouxe aumento da taxa de juros, do custo para que as instituições contraíssem empréstimos no exterior", alegou o auditor em depoimento.
Ele acrescentou que, com os danos ao erário, houve perda de arrecadação e desemprego "em função desses atos omissivos". "Do meu ponto de vista, foram, sim, de responsabilidade da chefe do Executivo."
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, informante de defesa
O segundo dia de julgamento deu início aos depoimentos dos arrolados pela defesa de Dilma Rousseff. Para o economista Luiz Gonzaga Belluzo, professor da Unicamp e o primeiro a depor, não houve pedaladas fiscais no governo petista em 2015, mas um "excesso de responsabilidade fiscal".
O informante declarou que a edição de decretos de crédito suplementar, presente na denúncia contra Dilma, ocorreu em meio a um ajuste fiscal que resultou em queda do Produto Interno Bruto (PIB) e da arrecadação. "Eu chamei isso de 'despedalada', porque, na verdade, ela acentuou o caráter pró-cíclico do gasto", ressaltou. "Não houve crime de responsabilidade, foi erro de política econômica."
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
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Segundo Belluzo, não há nenhum elemento que incrimine a presidente afastada. Ele alertou, ainda, que o impeachment desgasta muito a imagem do Brasil no exterior. "Eu tenho prova disso, de falar com acadêmicos internacionais. As pessoas ficam aturdidas com o que está acontecendo."
Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, testemunha de defesa
O consultor jurídico e professor de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Geraldo Prado opinou que Dilma não pode ser responsabilizada pela prática, uma vez que "os decretos resultam de um processo complexo, do qual participam várias pessoas e órgãos".
"Como ser negligente, se um ato é praticado com o parecer de 30 assessorias?", questionou em seu depoimento.
Prado acrescentou que "a condenação de alguém por crime de responsabilidade, sem que haja crime de responsabilidade, é injusta". "Qualquer tribunal pode cometer injustiças. Quem vai julgar as injustiças, a posteriori, naturalmente não é a história, é o povo", alertou o jurista.
Questionado pela senadora Fátima Bezerra (PT-RN) sobre a possibilidade de o processo de impeachment ser conduzido por "motivos meramente políticos", a testemunha destacou: "Não basta não gostar do governo: é necessário ficar comprovada a prática de um crime de responsabilidade."
Luiz Cláudio Costa, testemunha de defesa
O ex-secretário-executivo do Ministério da Educação Luiz Cláudio Costa, o último a depor na sexta-feira, defendeu que a abertura de crédito suplementar para atender universidades federais e outras instituições de ensino, em 2015, não teve impacto fiscal.
Ele explicou que esses decretos "simplesmente permitem ao gestor fazer uma alocação melhor da verba para os programas que acha mais importantes", e não alteraram o teto de gastos da pasta.
"No caso específico, o que foi dado foi simplesmente a possibilidade de gestão do orçamento, o que é bom para o país e para as universidades", defendeu o ex-secretário.
Segundo Costa, o próprio TCU pediu para que fossem editados os decretos de suplementação – e foi isso que foi feito no ano passado com a edição do decreto de crédito suplementar. Desde 2009, a Lei de Diretrizes Orçamentárias reflete essa prática, afirmou.
O ex-secretário acrescentou que, com esse entendimento entre o Ministério da Educação e o TCU, os decretos de suplementação orçamentária que resultam de excessos de arrecadação jamais haviam sido contestados antes do pedido de impeachment da presidente afastada Dilma.
Nelson Barbosa, testemunha de defesa
Primeira testemunha a falar na sessão deste sábado, o ex-ministro Nelson Barbosa, que comandou as pastas do Planejamento e da Fazenda no governo Dilma, defendeu que os decretos de créditos suplementares não aumentaram os gastos do governo e "seguiram estritamente o que está na lei".
"A elaboração dos decretos segue um procedimento já regulamentado da mesma forma há mais de dez anos. Há um sistema da Secretaria de Orçamento Federal para apresentação de pedidos de créditos suplementares. Todo esse sistema é regulamentado pela lei orçamentária, que foi aprovada pelo Congresso Nacional", destacou no plenário.
De acordo com Barbosa, o governo parou de editar os decretos quando foi questionado pelo TCU em 2015. "Se há mudanças, não se pode retroagir com a aplicação da lei", alertou a testemunha.
Dessa forma, "não há base para crime de responsabilidade" da presidente afastada, nem na edição dos decretos, nem nas chamadas pedaladas fiscais. "O impeachment é, por definição, uma decisão política a partir da verificação de um crime. Não o contrário. Não se parte de uma decisão política para depois caracterizar um crime", acrescentou o ex-ministro.
Ricardo Lodi, informante de defesa
O advogado Ricardo Lodi, professor de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), foi o último depoente da etapa de oitivas do julgamento. Para ele, não houve crime de responsabilidade, materialidade ou dolo da presidente afastada.
Segundo o advogado, Dilma é vítima de uma mudança na interpretação da lei: as pedaladas fiscais não eram consideradas irregulares até antes de uma mudança de entendimento do Tribunal de Contas da União, em 2015.
"É a tentativa de imputação de um crime quando, no momento que os fatos ocorreram, aquela conduta era considerada lícita por todos, pelo TCU, pelos técnicos do governo, pela doutrina", destacou Lodi. "O que se faz nesse processo de impeachment é criar um crime após o outro."
Seguindo a linha de outros depoentes convocados pela defesa, Lodi afirmou que não pode haver impeachment por "juízo político". "Parece-me que muitas vezes há preocupação com uma avaliação política do governo, e não com uma investigação dos crimes de responsabilidade", concluiu.
Próximos dias
O próximo passo é o depoimento de Dilma no Senado, marcado para as 9h00 desta segunda-feira (horário de Brasília). Para apresentar pessoalmente sua defesa, a presidente afastada disporá de 30 minutos, prorrogáveis por tempo indeterminado. Em seguida, os senadores poderão questioná-la.
Somente na terça-feira devem se pronunciar os 81 senadores. Cada um terá dez minutos para falar, antes de todos proferirem seu voto. A votação será por painel eletrônico, aberta e nominal.
São necessários 54 votos de senadores para que seja decretado o impeachment. Havendo essa maioria, Michel Temer deixa de ser presidente interino e é empossado como presidente da República. Caso contrário, Dilma é absolvida da acusação de crime de responsabilidade e reassume o cargo.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.