Com acordo de delação premiada, senador cita de Dilma Rousseff a Aécio Neves em declarações à Polícia Federal e acusa Mercadante de tentar comprar seu silêncio. Confira oito trechos importantes do depoimento.
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O Supremo Tribunal Federal (STF) homologou, nesta terça-feira (15/03), o acordo de delação premiada do senador Delcídio do Amaral, oficializando, assim, os depoimentos prestados pelo político petista à força-tarefa da Operação Lava Jato.
As declarações, que causaram um terremoto político em Brasília quando adiantadas pela revista IstoÉ no início do mês, citam importantes nomes da política petista e também da oposição. Entre eles, a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e o senador Aécio Neves.
Além do conteúdo dos depoimentos, prestados entre os dias 11 e 14 de fevereiro, o documento revela que o senador terá que devolver 1,5 milhão de reais aos cofres públicos por seu envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras.
Confira abaixo alguns trechos da delação:
Dilma e a Lava Jato
Em seus depoimentos, Delcídio afirmou que Dilma Rousseff tentou "alterar o rumo da Operação Lava Jato" a fim de salvar da prisão alguns empreiteiros investigados pela Polícia Federal. As três tentativas, porém, foram fracassadas, diz a delação.
"É indiscutível e inegável a movimentação sistemática do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da própria presidenta Dilma Rousseff no sentido de tentar promover a soltura de réus presos no curso da referida operação", afirma o documento.
Segundo Delcídio, a presidente nomeou o ministro Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o intuito de evitar a punição dos executivos Marcelo Odebrecht, da empreiteira Odebrecht, e Otávio Marques de Azevedo, da Andrade Gutierrez.
"Dilma solicitou que Delcídio conversasse com o desembargador Marcelo Navarro, a fim de que ele confirmasse o compromisso de soltura de Marcelo e Otávio", diz o documento.
Antes disso, Dilma tentou um acordo com o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF, e com o presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Nelson Schaefer – ambos sem sucesso, segundo a delação.
Dilma e Pasadena
A presidente também foi citada por Delcídio a respeito da compra superfaturada da refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006, que levantou muitas contradições nos anos seguintes.
À época como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Dilma "tinha pleno conhecimento de todo o processo de aquisição da Refinaria de Pasadena e de tudo que esse encerrava", diz a delação.
O senador afirmou ainda que conhece Dilma há mais de 10 anos, e que "sabe que a atual presidente da República é detalhista e centralizadora". "Delcídio esclarece que a aquisição de Pasadena foi feita com o conhecimento de todos. Sem exceção", concluiu.
Lula e Bumlai
Segundo a delação, Delcídio contou que Lula mandou comprar o silêncio do ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, investigado e condenado pela Lava Jato.
O ex-presidente "pediu expressamente" ao senador que ajudasse o pecuarista José Carlos Bumlai, que por sua vez estaria implicado nas delações de Cerveró e de Fernando Baiano. "No caso, Delcídio intermediaria o pagamento de valores à família de Cerveró com recursos fornecidos por Bumlai", diz o documento.
Em conversa com Lula, Delcídio falou que, com Bumlai, "seria difícil falar, mas que conversaria com o filho, Maurício Bumlai, com quem mantinha uma boa relação".
Os envolvidos na Operação Lava Jato
A operação que investiga um megaesquema de corrupção na Petrobras já acusou mais de 200 pessoas, sendo que metade delas foi condenada. Relembre as principais ações penais da Lava Jato e seus envolvidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/N. Antoine
Youssef absolvido
Denúncia: Evasão de 124 mil dólares não declarados, lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas e tráfico de 700 kg de cocaína.<br/> Resultado: Dois condenados (René Luiz Pereira e Carlos Habib Chater, dono do posto que deu nome à operação), um absolvido em 1ª instância (o doleiro Alberto Youssef, na foto) e um absolvido em 2ª instância (André Catão).<br/> Data: 21 de outubro de 2014.
Foto: cc-by/Valter Campanato/ABr
Primeira condenação de Youssef e Costa
Denúncia: Lavagem de dinheiro e formação de grupo criminoso organizado. Houve desvio de dinheiro público na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por meio de contratos superfaturados.</br> Resultado: Oito condenados (entre eles, Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, na foto) e dois absolvidos.</br> Data: 22 de abril de 2015.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil
Youssef e o dinheiro do mensalão
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Os recursos, que ultrapassam 1 milhão de reais, pertenciam ao ex-deputado federal José Janene, morto em 2010, e eram provenientes do esquema do mensalão.</br> Resultado: Quatro condenados: Alberto Youssef, Carlos Habib Chater, Ediel Viana da Silva (funcionário do Posto da Torre) e Carlos Alberto Pereira da Costa (laranja de Youssef).</br> Data: 6 de maio de 2015.
Foto: Reuters
Cerveró é condenado
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Nestor Cerveró (foto), ex-diretor da área Internacional da Petrobras, comprou um apartamento de luxo no Rio de Janeiro – hoje avaliado em 7,5 milhões de reais – com dinheiro de propina da Petrobras.</br> Resultado: Um condenado.</br> Data: 26 de maio de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
A primeira sentença a empreiteiros
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da construtora Camargo Corrêa com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas pela empresa ultrapassam os 50 milhões de reais.</br> Resultado: Seis condenados (entre eles, Youssef, Costa e três ex-dirigentes da Camargo Corrêa) e três absolvidos.</br> Data: 20 de julho de 2015.
Foto: AFP/Getty Images/Y. Chiba
Próximo alvo: executivos da OAS
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da empreiteira OAS com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas somam quase 30 milhões de reais.</br> Resultado: Sete condenados (Youssef, Costa, na foto, e mais cinco executivos ligados à OAS, entre eles, o presidente, José Aldemário Pinheiro Filho).</br> Data: 5 de agosto de 2015.
Foto: picture-alliance/AP/E. Peres
Novo operador: Fernando Baiano
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo pagamento e recebimento de propina em contratos com a Petrobras. As vantagens indevidas superam 50 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (Nestor Cerveró, em sua segunda condenação, o lobista Fernando Baiano e um ex-consultor da Toyo Setal, Júlio Camargo) e um absolvido (Youssef).</br> Data: 17 de agosto de 2015.
Foto: Reuters/S. Moraes
Um petista e mais dois ex-Petrobras
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. As propinas negociadas chegaram a 40 milhões de reais.</br> Resultado: Dez condenados (entre eles, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, na foto, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco e Alberto Youssef) e um absolvido (Paulo Roberto Costa).</br> Data: 21 de setembro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Villalba Racines
Primeiro político condenado
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 1 milhão de reais, por meio de contratos de publicidade firmados com a Caixa e o Ministério da Saúde.</br> Resultado: Três condenados: o ex-deputado federal André Vargas (foto), o irmão dele, Leon Vargas, e o publicitário Ricardo Hoffmann.</br> Data: 22 de setembro de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
O segundo político
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 11 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (entre eles, o ex-deputado federal Pedro Corrêa, que chegou a receber propina enquanto era julgado na Ação Penal 470, o mensalão, processo em que também foi condenado) e dois absolvidos.</br> Data: 29 de outubro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
Mais empreiteiras na mira
Denúncia: Lobistas, doleiros, ex-diretores da Petrobras e executivos ligados à construtora Andrade Gutierrez (entre eles, o presidente da empresa, Otávio Marques de Azevedo, na foto) foram denunciados por formação de quadrilha, corrupção, organização criminosa e lavagem de capitais, após envolvimento no esquema da Petrobras.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: Reuters/F. de Holanda TPX Images of the day
Agora, a Odebrecht
Denúncia: Preso desde junho de 2015, Marcelo Odebrecht – então presidente da empreiteira Odebrecht – é acusado de envolvimento com o esquema de corrupção. A empresa pagava propina, que era repassada a funcionários da Petrobras.</br> Resultado: Foi condenado a 19 anos de prisão por crimes como corrupção e organização criminosa.</br> Data: 8 de março de 2016.
Foto: Reuters/E. Castro-Mendivil/Files
Mais uma vez condenado
Denúncia: O ex-ministro José Dirceu passou a ser réu da Lava Jato enquanto cumpria pena pelo mensalão. Ele e outras 14 pessoas foram denunciadas por vários atos de corrupção dentro da Petrobras.</br> Resultado: Dirceu foi condenado a 23 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Outras dez pessoas também foram condenadas.</br> Data: 18 de maio de 2016.
Foto: picture-alliance/dpa/H. Alves
Outra denúncia contra Odebrecht
Denúncia: Marcelo Odebrecht é reu outra vez, junto a outros executivos do grupo, em processo que investiga irregularidades em oito contratos firmados pela empresa com a Petrobras. Segundo o MPF, as propinas chegaram a 137 milhões de reais.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: picture alliance/ZUMAPRESS.com
Collor acusado de corrupção
Denúncia: O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) é acusado de cometer crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, tendo recebido pelo menos 3 milhões de reais em propinas de contratos da Petrobras. Em julho, a Polícia Federal fez buscas em suas propriedades e confiscou três carros de luxo.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: ROBERTO SCHMIDT/AFP/Getty Images
Repasses ao PT
Denúncia: O pecuarista José Carlos Bumlai é acusado de corrupção, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, por fraudes na compra de um navio-sonda pela Petrobras. Em depoimento, confessou ter feito um empréstimo de 12 milhões de reais no Banco Schahin para repassar ao PT. Entre os outros dez réus, estão Cerveró, Vaccari e executivos do Grupo Schahin.</br>Resultado: Denúncia aceita pela Justiça.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
A denúncia contra Cunha
Denúncia: O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é acusado de receber milhões de reais em propina no esquema de corrupção na Petrobas, que teriam sido depositados em contas em seu nome na Suíça. Ele responde pelos crimes de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réu aguarda julgamento.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Mulher de Cunha também é ré
Denúncia: A jornalista Cláudia Cordeiro Cruz, mulher de Eduardo Cunha, é acusada de esconder, em conta secreta no exterior, valores provenientes do esquema criminoso instalado na diretoria internacional da Petrobras. Ela responde pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.<br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; ré aguarda julgamento.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Lula e Delcídio
Denúncia: O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-senador Delcídio do Amaral e outras cinco pessoas são acusados de terem tentado atrapalhar as investigações da Lava Jato ao negociar para impedir que o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró assinasse acordo de delação premiada.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam julgamento.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Ex-ministro e senadora denunciados
Denúncia: A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo (foto), são acusados de pedir e receber propina no valor de 1 milhão de reais oriundos da Petrobras. O montante teria sido usado na campanha de Gleisi ao Senado em 2010.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Lula e o tríplex
Denúncia: O ex-presidente Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter supostamente recebido 3,7 milhões de reais em vantagens indevidas da construtora OAS. Parte do montante está relacionada a um tríplex no Guarujá. Também são alvos da ação a mulher do petista, Marisa Letícia, e mais seis pessoas.<br> Resultado: Denúncia apresentada pelo MPF, aguarda decisão.
Foto: picture-alliance/AP Photo/N. Antoine
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A primeira remessa foi de 50 mil reais, entregue a Delcídio pelo filho de Bumlai, e depois repassada em mãos a Edson Ribeiro, advogado de Cerveró. "O total recebido pela família de Nestor foi de 250 mil reais", revela a delação.
Sobre José Carlos Bumlai, Delcídio afirmou que o pecuarista "goza de total intimidade com Lula, representado, de certa maneira, o papel de consigliere da família". Ele disse ainda ter "conhecimento de que Bumlai sempre prestou grandes serviços ao ex-presidente".
O empresário foi preso pela Lava Jato sob suspeita de envolvimento com desvios na compra de uma sonda pela Petrobras. Na delação, Delcídio afirmou que o valor desviado não foi usado apenas para quitar uma dívida de Bumlai com o Banco Schahin, como acreditavam os investigadores, mas também para pagar dívidas da campanha de Lula em 2006.
Lula e Marcos Valério
Delcídio também confessou que mediou uma promessa de Paulo Okamoto, atual presidente do Instituto Lula, de repassar 220 milhões de reais ao empresário Marcos Valério em troca de silêncio nas investigações do mensalão, há dez anos.
Segundo o senador, em 14 de fevereiro de 2016, houve uma reunião em Brasília com Valério e seu ex-advogado, Rogério Tolentino, para tratar do valor. Nos dois dias seguintes, a fim de discutir o assunto, Delcídio teria se encontrado com Okamoto e o então presidente Lula.
Nessa reunião, o senador disse "expressamente" ao líder de governo, segundo a delação: "Acabei de sair do gabinete daquele que o senhor enviou a Belo Horizonte [Okamoto]. Corra, presidente, senão as coisas ficarão piores do que já estão."
Delcídio disse que Valério recebeu o pagamento, mas não os 220 milhões de reais integrais que foram prometidos. "De todo modo, a história mostrou a contrapartida: Marcos Valério silenciou", afirma o acordo de delação. O empresário foi condenado em 2012, considerado o operador do esquema do mensalão.
Mercadante
Delcídio contou ainda que o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, tentou barrar sua delação em troca de alguns favores. Como prova, o senador entregou à Procuradoria Geral da República (PGR) gravações de conversas entre seu assessor, Eduardo Marzagão, e o ministro, mantidas em duas reuniões em dezembro, depois da prisão de Delcídio.
Segundo a delação, Mercadante disse a Marzagão para o senador ter "calma e avaliar muito bem a conduta a tomar, diante da complexidade do momento político". "A mensagem de Aloizio Mercadante, a bem da verdade, era no sentido do depoente (Delcídio) não procurar o Ministério Público Federal."
Após ser informado por Marzagão que a família de Delcídio passava por problemas financeiros, principalmente por conta das despesas com advogados, o ministro ofereceu uma ajuda financeira "por meio de uma empresa ligada ao PT".
Segundo o documento, Mercadante também prometeu que intercederia junto aos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo Lewandowski, e do Senado, Renan Calheiros, no sentido de favorecer a soltura de Delcídio.
Temer
O nome do vice-presidente Michel Temer foi vinculado a um esquema de aquisição ilícita de etanol, que teria ocorrido há mais de 15 anos na BR Distribuidora. O operador do esquema, segundo Delcídio, era João Augusto Henriques, diretor da empresa entre 1998 e 2000.
Preso na Operação Lava Jato por suspeitas de operar propina para o PMDB, Henriques foi "apadrinhado" por Temer no esquema do etanol, segundo o senador.
"João Augusto Henriques fazia operações, enquanto diretor na BR Distribuidora, para obter recursos a partir da variação do preço de compra do etanol junto às usinas. A forma de obtenção de recursos ilícitos nas operações de compra de etanol consistia na manipulação das margens de preço do produto, entre 1999 e 2000", diz o documento de delação.
Aécio e Furnas
Parlamentares da oposição também foram citados nos depoimentos de Delcídio. Ele disse que teve o conhecimento de que o senador Aécio Neves, do PSDB, recebeu propina de um "grande esquema de corrupção" que ocorria na estatal Furnas, subsidiária da Eletrobras.
"Tal esquema já foi mencionado, 'en passant', anteriormente por Alberto Youssef, tendo se referido à participação de Aécio Neves no esquema. Delcídio do Amaral confirma que esta referência ao senador mineiro tem fundamento", afirma o documento.
"O esquema de Furnas atendia vários interesses espúrios do PP, do PSDB e, depois de 2002, do próprio PT", diz. Segundo Delcídio, o operador era o ex-diretor de engenharia da estatal, Dimas Toledo, que "sempre teve informações relevantes de vários governos estaduais e federais".
O acordo relata ainda uma conversa entre Delcídio e Lula, durante uma viagem a Campinas, em que o presidente indaga ao senador quem é Dimas Toledo. Questionado sobre o porquê da pergunta, Lula responde: "É porque o [José] Janene veio me pedir pela permanência dele, depois o Aécio, e até o PT, que era contra, já virou a favor da permanência dele. Deve estar roubando muito!".
Aécio e a CPMI dos Correios
Há mais de dez anos, Delcídio foi presidente da CPMI dos Correios, que com o tempo passou a investigar o escândalo do mensalão. Segundo ele, o cargo o "colocou em uma posição delicada, sendo instado a atender inúmeros interesses e arcar com diversas consequências".
O senador contou que, à época, os dados fornecidos pelo extinto Banco Rural aos investigadores foram "maquiados", no intuito de apagar informações "comprometedoras" que envolviam políticos. Entre eles, estava o atual senador Aécio Neves.
"Os dados atingiriam em cheio as pessoas de Aécio Neves e Clésio Andrade, governador e vice-governador de Minas Gerais", diz o documento.
Em depoimento, Delcídio contou também que ouviu do ex-deputado José Janene, morto em 2010, que Aécio era beneficiário de uma fundação em Liechtenstein. O senador, porém, não soube dizer qual é a relação desse benefício com a alteração dos dados do Banco Rural.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.