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O que deu errado na América Latina?

6 de novembro de 2018

A região que parecia ter superado a maioria de seus problemas com ascensão econômica, redução da miséria e consolidação da democracia agora é novamente fonte de notícias negativas. Onde as coisas saíram dos trilhos?

Cristina Kirchner e Dilma, com quadro com a imagem de Lula, durante cúpula da Unasul em 2012
Cristina Kirchner e Dilma, com quadro com a imagem de Lula, durante cúpula da Unasul em 2012Foto: AP

A eleição de Jair Bolsonaro como próximo presidente do Brasil parece ser a mais recente má notícia vinda da América Latina. Ela vem de um continente que, na verdade, nos últimos anos só causou decepções.

Soa duro. Mas é verdade para a maior parte da América Latina: de toda a América Central, pessoas fogem das máfias violentas e das crises econômicas, rumo ao México e aos Estados Unidos.

Já na Venezuela, a população passa fome e sofre com a hiperinflação. O governo se tornou uma narcoditadura que se mantém no poder com auxílio do serviço secreto cubano. Dados das Nações Unidas mostram que 2,3 milhões de venezuelanos já deixaram o país – mundialmente, apenas a Síria tem mais refugiados.

A situação da segurança piora ano após ano na região. Das 50 cidades mais violentas do mundo, 42 ficam na América Latina. Em muitos países, políticos, empresários e funcionários públicos estão envolvidos em grandes escândalos de corrupção. É difícil achar um ex-presidente na região que não esteja implicado em esquemas de propina.

Economicamente, a região vai ficando cada vez mais para trás: desde 2010, o desempenho encolheu anualmente. Mesmo com uma leve recuperação no ano passado, a América Latina registra apenas metade do crescimento mundial.

Isso também se deve a países como a Argentina, que, após anos de caos no governo, assumiu o papel de esperança do continente, ainda que por pouco tempo. Por causa do alto endividamento, o governo adotou duras medidas de austeridade para pagar um empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A região permanece o continente com as maiores discrepâncias salariais do mundo: os ricos são imensuravelmente ricos, mas dois terços dos latino-americanos vivem na pobreza ou temem ficar pobres, como observou a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

O quadro sombrio assusta, já que, há dez anos, parecia que a América Latina tinha superado grande parte de seus problemas. A região tinha crescimento mais forte que o mundial. O Brasil pertencia ao grupo Brics, formado ainda por Rússia, Índia, China e África do Sul, os países emergentes com crescimento econômico mais veloz. Pela primeira vez, conseguiu-se reduzir os contrastes entre pobres e ricos. Nessa década de sucesso, 40% dos latino-americanos saíram da pobreza.

Nunca antes latino-americanos mais pobres haviam sido tão beneficiados por um boom econômico. Pela primeira vez, houve mais gente pertencendo à classe média do que às camadas mais pobres. Após o segundo mandato, o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva era tido como candidato ao Prêmio Nobel da Paz, pela sua política social bem-sucedida.

Empresas como as brasileiras Petrobras, Embraer e a cimenteira mexicana Cemex ascenderam a líderes globais de mercado e tinham suas ações negociadas em Wall Street. O Brasil e a Argentina se transformaram em fornecedores mundiais de alimentos. A revista econômica americana Forbes chegou a listar uma dúzia de latino-americanos nos primeiros lugares entre as pessoas mais ricas do mundo.

Além disso, o impulso econômico aconteceu de forma majoritariamente democrática: em grande medida, os presidentes chegaram ao poder após eleições amplamente limpas. Até um populista de esquerda como Hugo Chávez, na Venezuela, era tido como exemplo na região e, com sua política, aquecia os corações dos esquerdistas europeus.

O que deu errado desde então? De maneira simplificada, é possível dizer que os latino-americanos consumiram o próprio boom sem se precaver para tempos difíceis. A ascensão da América Latina foi financiada, especialmente, pelos altos preços de matérias-primas e energia: os preços do petróleo, da soja, do cobre e do minério de ferro subiram consideravelmente. As receitas das exportações tiveram o efeito de um empréstimo de bilhões para a região.

O consumo, de preferência via crédito, se tornou sinônimo de progresso. Mas não se investiu em infraestrutura estatal, educação, sistemas de saúde, segurança.

Em adição a isso, bilhões afundaram em escândalos de corrupção – e, imperceptivelmente, a região ficou para trás. Os conglomerados antigamente exemplares hoje têm desempenho claudicante no setor da digitalização e da inteligência artificial, atrás da concorrência mundial.

Na classificação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), os alunos da América Latina são os últimos colocados do mundo. Pouquíssimas universidades fazem parte da elite acadêmica mundial. As estradas e ferrovias, portos e redes de telecomunicações estão entre os piores e mais caros do mundo.

A partir de 2010, com o fim do boom das commodities (matérias-primas), os latino-americanos tomaram consciência de que pagam quase tantos impostos quanto os europeus, mas que quase não recebem nada em troca. Porém, suas expectativas em relação ao Estado aumentaram com a ascensão social. As pessoas não toleram mais corrupção.

Atualmente, estão amargamente decepcionados. Em 2010, mais ou menos metade dos habitantes da região diziam ter pouco ou nenhum respeito pelas instituições. Agora, são 75%, diz o instituto de pesquisas Latinobarómetro.

A falta de confiança no Estado leva a governos fracos. Provavelmente, já existem mais evangélicos do que católicos na região. Assim como as máfias das drogas, eles preenchem o vácuo estatal com suas organizações. Candidatos que prometem "renovar tudo", assim como aconteceu com Bolsonaro no Brasil, agora têm boas chances. Resta apenas esperar que eles aproveitem as chances que receberam dos eleitores. Caso contrário, a continuidade da queda será inevitável.

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas. 

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