O que espera gigante chinesa Evergrande após liquidação
Nik Martin
29 de janeiro de 2024
Tribunal de Hong Kong expediu ordem para dissolução da maior construtora chinesa. Medida poderá ter consequências profundas para maior economia do mundo, para além da bolha de um setor imobiliário endividado.
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A gigante imobiliária chinesa Evergrande anunciou nesta segunda-feira (29/01) que continuará a operar, apesar de um tribunal de Hong Kong ter declarado sua falência, no âmbito de uma ação jurídica movida por alguns de seus credores estrangeiros. Em 2021, uma investida de Pequim contra duas décadas de especulação aprofundou a crise imobiliária chinesa, resultando para a Evergrande numa dívida de 300 bilhões de dólares, a maior do mundo, no setor.
Inicialmente marcada para dezembro de 2023, a atual audiência fora adiada com base no argumento dos advogados da firma, que possui 240 milhões de dólares em ativos, de que nenhum dos credores estava exigindo sua dissolução. A juíza encarregada do processo, Linda Chan, sublinhou a "óbvia falta de progresso da companhia em apresentar uma "proposta viável de reestruturação", classificando como "apropriada" a ordem de liquidação.
O advogado Fergus Saurin, que representa um grupo ad hoc de credores, disse não estar surpreso com o veredito: "A companhia não se coordenou conosco. Houve uma história de engajamento de última hora que não deu em nada. Ela própria é a culpada por sua liquidação." Entre os autores da ação está a Top Shine, registrada em Samoa, investidora de uma das subsidiárias da Evergrande.
O que acontece agora com a Evergrande?
A presente ordem dá partida a um longo processo que deverá culminar com a liquidação dos ativos da Evergrande no exterior e a substituição de sua diretoria. No entanto não está claro até que ponto o veredito afetará as vastas operações da firma na China continental. O diretor executivo da empresa nessa região, Shawn Siu, criticou a decisão como "lamentável" e prometeu que as operações da imobiliária continuarão.
O caso é considerado um teste para a capacidade de uma ordem de liquidação expedida em Hong Kong ser reconhecida na China continental. No tocante à recuperação de dívidas no continente, os credores estrangeiros preferem o sistema de common law (direito baseado em precedentes) da região administrativa especial, mantido mesmo depois de a ex-colônia britânica ter sido devolvida a Pequim, em 1997.
Em 2022, o governo chinês concordou em reconhecer ordens de insolvência nas cidades de Shenzhen, Xangai e Xiamen. Na prática, contudo, tem sido difícil impor tais ordens, devido à opacidade do sistema legal do país. Até agora os tribunais continentais só reconheceram uma dessas ordens, e têm o poder de aplicar o próprio discernimento para decidir se a medida procede.
Os liquidantes podem propor um novo plano de reestruturação de débito para os credores estrangeiros, caso determinem que a companhia tem ativos suficientes. Eles também investigariam seus negócios e podem denunciar aos promotores de Hong Kong qualquer suspeita de má gestão.
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Qual o impacto para a economia chinesa?
A eventual liquidação dos ativos da Evergrande no continente pode representar um sério revés para a segunda maior economia do mundo, que no momento ainda luta para se recuperar da política draconiana que paralisou grande parte do país durante a pandemia de covid-19.
O setor imobiliário tem sido um fator de crescimento decisivo para a China, permitindo aos líderes ostentarem até taxas de crescimento na casa das dezenas. Em comparação, em 2023 a economia só cresceu 5,3%, em parte devido à queda das exportações e da demanda interna, alto desemprego entre jovens e agravamento da crise imobiliária.
Nos últimos anos, diversas incorporadoras de imóveis chinesas foram forçadas a abrir falência, enquanto os investimentos das firmas de construção caíram 10% por dois anos sucessivos. Em 2023, as vendas de novas casas das 100 maiores imobiliárias encolheram mais de um terço, para 451,3 bilhões de iuanes (64 bilhões de dólares).
Os governos locais, cujos orçamentos dependem da venda de terrenos para imóveis, também estão seriamente endividados e forçados a cortar gastos. Grande parte dos 300 bilhões de dólares devidos pela Evergrande concernia depósitos pagos por cidadãos chineses comuns para compra de apartamentos recém-construídos.
Em dezembro, a consultora britânica Oxford Economics estimou que levará de quatro a seis anos para completar todas as unidades residenciais, inacabadas. Não está definido se os compradores locais serão priorizados perante uma eventual liquidação para credores estrangeiros.
Muitos economistas já predizem que o crescimento econômico da China desacelerará em 2024, e o aprofundamento de uma crise imobiliária poderá enfraquecer ainda mais a demanda, abalando o sistema financeiro nacional.
Por que o setor imobiliário chinês está em apuros?
A China é um país de proprietários de imóveis: cerca de 80% das famílias têm casa própria, e mais de 20% das residentes em áreas urbanas possuem mais de uma propriedade.
Nas últimas duas décadas, os consumidores chineses aplicaram suas economias no investimento imobiliário, catapultando os lucros das construtoras. A especulação inflou os preços de imóveis a níveis insustentáveis. Em 2021, uma unidade residencial média custava quase dez vezes o salário médio. Segundo diversos observadores, Pequim permitiu que a enorme bola imobiliária se alastrasse demasiado antes de interferir.
Em agosto de 2020, em meio à pandemia de covid-19, o presidente Xi Jinping anunciou novos limites para o volume de dívidas que empresas como a Evergrande podiam acumular. Segundo as "três linhas vermelhas", as imobiliárias tinham que garantir que sua dívida não excedesse 70% de seus ativos; que o total das dívidas estivesse 100% abaixo de seu valor de mercado; e que as reservas financeiras permanecessem em 100% do endividamento de curto prazo.
As novas restrições revelaram a escala em que a Evergrande vinha operando o que se classificou como um esquema de pirâmide fraudulento: há anos ela financiava projetos de construção em andamento com os depósitos visando iniciativas imobiliárias futuras.
Em 1997, Hong Kong era restituída à China
Duas décadas depois de Hong Kong retornar ao domínio chinês, predomina entre muitos moradores a insatisfação com a ingerência de Pequim e o desejo por mais democracia.
Foto: Reuters/D. Martinez
1997 - Devolução à China
Após 156 anos de domínio britânico, Hong Kong era devolvida à China exatamente à zero hora de 1º de julho de 1997. Soldados do Exército de Libertação Popular içaram a bandeira chinesa, em sinal de supremacia sobre a antiga colônia britânica. O contrato para a devolução já havia sido assinado em 1984.
Foto: Reuters/D. Martinez
1998 - Ameaça de crise econômica
A crise financeira asiática de 1997-98 levou economias emergentes a impor controles comerciais ou à compra de ativos para tranquilizar investidores. Hong Kong surpreendeu o mercado em agosto de 1998 com uma intervenção de 15 bilhões de dólares para se defender de ataques especulativos. Os apoiadores da iniciativa dizem que isso salvou a cidade.
Foto: Reuters/L. Chan
1999 - Reagrupamento de famílias
As esperanças de um rápido reagrupamento das famílias separadas pela fronteira foram logo destruídas. Embora a Suprema Corte de Hong Kong tivesse concedido amplos direitos de residência, o governo chinês derrubou a decisão a pedido do governo de Hong Kong. Na foto, mais de cem visitantes da China continental protestaram para obter permissão de residência imediata em Hong Kong.
Foto: Reuters/B. Yip
2000 - Sucesso com a bolha
Em fevereiro de 2000, investidores entraram numa fila diante do banco HSBC para comprar ações da empresa Tom.com. Ao se lançar na bolsa de valores, a empresa – que existia apenas na internet – do bilionário Li Ka-shing conseguiu angariar quase 100 milhões de dólares pouco antes de estourar a bolha "dot-com".
Foto: Reuters/B. Yip
2001 - Conflito com grupo espiritual
Seguidores do movimento espiritual Falun Gong protestam regularmente em Hong Kong desde que o grupo foi banido pela China em 1999, sob a acusação de divulgar superstições e manipular as pessoas psicologicamente. Em 2002, 16 seguidores foram condenados por causa de protestos diante da representação da China em Hong Kong. A Suprema Corte do território reverteu metade das sentenças.
Foto: Reuters/K. Cheung
2002 - Famílias desesperadas
A questão das autorizações de residência acirrou-se em 2002, quando Hong Kong começou a deportar 4 mil chineses continentais que haviam perdido batalhas legais para residir no território. Houve protestos dos solicitantes e de seus apoiadores. Na foto, parentes de migrantes chineses depois de terem sido expulsos de um parque no centro de Hong Kong.
Foto: Reuters/K. Cheung
2003 - Nas mãos de um vírus
A Sars, uma doença viral semelhante à gripe, atingiu Hong Kong de tal forma que, em março de 2003, a Organização Mundial da Saúde a declarou uma pandemia. Até a cidade ser considerada livre da doença, em junho, 299 pessoas morreram, entre elas Tse Yuen-man. A médica de 35 anos esteve entre os primeiros voluntários a cuidar de pacientes com Sars. Em seu funeral, ela recebeu as mais altas honras.
Foto: Reuters/B. Yip
2004 - Frustração com Pequim
Centenas de milhares de pessoas participaram de protestos no sétimo aniversário da devolução à China. Pequim descartou o sufrágio universal em Hong Kong em 2007 ou 2008 e continuou freando as reformas políticas. Além disso, a China decretou que o governo de Pequim precisa aprovar qualquer alteração no direito de voto em Hong Kong, o que praticamente elimina qualquer aspiração democrática.
Foto: Reuters/B. Yip
2005 - Violência em protestos
Reuniões da Organização Mundial do Comércio regularmente são alvos de protestos dos adversários da globalização. Em Hong Kong, no final de 2005, não foi diferente. A polícia usou canhões de água e gás lacrimogêneo contra os manifestantes.
Foto: Reuters/L. Jae-Won
2006 - Conflito com o Japão
A China e o Japão disputavam um grupo de ilhas desabitadas. Acreditava-se que perto delas houvesse reservas de petróleo e de gás. Em outubro, um barco com ativistas de um comitê para defender as ilhas Diaoyi e que tem base em Hong Kong se aproximou 20km da ilha principal até ser interceptado por um barco de patrulha japonês.
Foto: Reuters/P. Yeung
2007 - Preservar a história
Um píer da era colonial tornou-se pivô de nova polêmica. O governo queria removê-lo para recuperar terras e construir estradas. Ativistas furiosos que consideravam o píer um local histórico lutaram pela sua preservação. O embate atingiu seu ponto alto em agosto, quando a polícia removeu um acampamento de ativistas e pessoas em greve de fome que já durava três meses. Em 2008, o píer foi demolido.
Foto: Reuters/P. Yeung
2008 - Morar em gaiolas
Terrenos cada vez mais caros tornaram os aluguéis impagáveis para muitas pessoas em Hong Kong. Milhares de moradores passaram a viver em gaiolas, onde dispunham de cerca de 1,4 m2. Em geral, um cômodo tem oito dessas caixas de arame. Em 2017, estima-se que 200 mil pessoas vivam assim ou disponham de apenas uma cama em apartamentos divididos.
Foto: Reuters/V. Fraile
2009 - Contra o esquecimento
Moradores de Hong Kong vestidos de preto e branco fizeram uma vigília no 20º aniversário da violenta repressão aos manifestantes pró-democracia na Praça da Paz Celestial em Pequim em 1989. O Victoria Park, no centro de Hong Kong, transformou-se num mar de velas.
Foto: Reuters/A. Tam
2010 - Projetos indesejados
Crescia em Hong Kong a insatisfação devido à falta de democracia e o fato de o governo não ter de prestar contas. As raiva coletiva é descarregada em forma de protestos contra os planos do governo de construir um trajeto para trens de alta velocidade ligando Hong Kong ao continente. O projeto ferroviário, não implementado até hoje, previa a destruição de um vilarejo.
Foto: Reuters/B. Yip
2011 - Protestos com papel
Um controverso projeto de lei que eliminou o mecanismo de eleições suplementares para o Conselho Legislativo gerou vários dias de protestos em frente ao prédio do conselho. Centenas de manifestantes jogaram aviões de papel com mensagens políticas contra o prédio.
Foto: Reuters/B. Yip
2012 - Desafios da administração
Leung Chun-ying (à esquerda) presta juramento como chefe de governo da região administrativa especial, diante do então presidente chinês, Hu Jintao. Ele prometeu mais democracia e moradias mais acessíveis. Apesar de medidas de contenção, os preços continuaram subindo, e as reformas políticas ainda estão emperradas. Leung Chun-ying não concorreu a um novo mandato.
Foto: REUTERS/File Photo/B. Yip
2013 - Hong Kong no foco da imprensa
Quando começaram a ser publicadas notícias sobre Edward Snowden e segredos dos EUA, o especialista em TI estava em Hong Kong. Apesar de os Estados Unidos terem pedido sua extradição, Hong Kong deixou Snowden voar para Moscou, onde ele recebeu asilo político. Enquanto alguns veem em Snowden um denunciante corajoso, outros o consideram um traidor da pátria.
Foto: Reuters/B. Yip
2014 - Protestos de guarda-chuva
Durante dois meses, Hong Kong teve grandes manifestações pró-democracia. A exigência era a escolha completamente democrática do chefe de governo. A marca registrada dos protestos foram os guarda-chuvas usados pelos manifestantes para se proteger do spray de pimenta da polícia. As manifestações são vistas como o maior desafio à autoridade da China desde o movimento por mais democracia, em 1989.
Foto: Reuters/T. Siu
2015 - Liberdade de expressão no estádio
A partida de futebol entre China e Hong Kong pelas eliminatórias da Copa de 2018 foi palco de protestos. Torcedores de Hong Kong empunharam cartazes com os dizeres "Hong Kong não é China" enquanto era tocado o hino nacional chinês. Há muita tensão entre os dois lados desde os "protestos dos guarda-chuvas". O jogo acabou em 0 a 0.
Foto: Reuters/B. Yip
2016 - Até correr sangue
Novos protestos foram realizados em Hong Kong. Mais uma vez, a polícia usou spray de pimenta e cassetetes. A razão: as autoridades tentaram remover vendedores de rua ilegais num bairro operário. Foram as mais violentas batalhas de rua desde os protestos de 2014.
Foto: Reuters/B. Yip
2017 - O tempo passa
No parque memorial rei George 5º, um dos poucos parques onde ainda há uma ligação com o passado colonial, as raízes de uma figueira cobrem uma placa, 20 anos após a devolução de Hong Kong à China pelos britânicos.