Cientistas políticos afirmam que vice tem mais capital político do que Dilma para governar, o que não significa que não vai enfrentar dificuldades, incluindo desconfiança da população e clima de incerteza.
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Dilma se diz indignada e nega crime de responsabilidade
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Levantamentos mostram que é bastante provável que a presidente Dilma Rousseff sofra uma derrota no Senado, que deve referendar o seu afastamento já aprovado pela Câmara. Assim, seria pavimentado o caminho para que o vice-presidente Michel Temer assumisse a Presidência interinamente.
O vice já vem se preparando para essa eventualidade e já discute com forças políticas a composição de seu possível governo. Mas o que esperar de uma administração Temer?
Segundo o cientista político suíço Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen, Temer chega com mais recursos para estancar a crise política. "Ele tem a vantagem de começar do zero. Apesar de tudo, ele é um novo nome, que pode tentar lutar por um voto de confiança, algo que Dilma já havia definitivamente perdido. Temer é mais hábil politicamente e tem mais capacidade de diálogo com o Congresso", afirma.
O cientista, no entanto, adverte que, apesar de algumas vantagens, o vice pode ter que criar alguns fatos positivos rapidamente se quiser governar e não sofrer a mesma paralisia enfrentada por Dilma. "Temer vai ter pouco tempo para mostrar a que veio. Ele tem que criar imediatamente alguns fatos políticos e econômicos para acalmar a situação."
Ainda assim, Rauschenbach afirma que, mesmo que Temer consiga uma trégua, a desesperança dos brasileiros com o sistema vai continuar. "Quem viu os deputados votando na Câmara no domingo viu que não há muita esperança de uma melhora significativa na política brasileira. Os velhos problemas estruturais vão continuar."
Rauschenbach também lembra que um governo Temer começaria com problemas na Justiça. "Mesmo com a saída de Dilma, a Justiça eleitoral ainda vai ter que analisar as ações que pedem a cassação da chapa, na qual Temer é parceiro. Isso gera incerteza sobre o futuro do governo."
O professor Ricardo Ismael, da PUC-Rio, prevê que Temer terá a simpatia do mercado, mas deve sofrer com a desconfiança da população e a resistência das sobras da base governista de Dilma – o que pode dificultar a sua capacidade de governar.
"A perspectiva da ascensão de Temer cria expectativas, já que o mercado espera que ele tenha mais capacidade de formular uma política econômica – diferentemente de Dilma. Ele encontra um ambiente de 'pior do que está não fica'", afirma.
Rejeição e novas eleições
Mas se o nome Temer conta com simpatia do mercado, o mesmo não pode ser dito da população. "O problema é que Temer é uma figura desconhecida para uma boa parte da população, que não tem a mínima ideia de quem é o vice. E muitos setores que o conhecem rejeitam seu nome. Isso gera desconfiança sobre sua capacidade de governar", afirma o professor Ismael.
Uma pesquisa do instituto Datafolha realizada neste domingo mostrou que o vice é rejeitado até mesmo por adversários de Dilma. Entre as 250 mil pessoas que participaram do protesto contra a petista na Avenida Paulista, 54% defenderam o impeachment de Temer. O levantamento também apontou que 68% acreditam que a gestão dele será regular ou ruim/péssima.
De acordo com Ismael, essa rejeição pode fortalecer propostas de novas eleições, o que deve minar o eventual governo do vice. "Ele também deve sofrer muita resistência do PT e de setores ligados ao partido. Eles não têm mais nada a perder, então vão tentar desgastar um governo Temer a todo custo até 2018", afirma.
Dilma se diz indignada e nega crime de responsabilidade
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O cientista político Renato Perissinotto, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concorda que os movimentos sociais e o PT vão tentar criar dificuldades para Temer. "O mercado espera que ele faça uma série de reformas. Se elas forem levadas a cabo, é fácil imaginar o país sendo tomado por greves e protestos."
Sensação de ilegitimidade
Perissinotto é pessimista até sobre os primeiros meses de um governo Temer. "O processo de impeachment, tal como aconteceu, deixou uma sensação de ilegitimidade em parte significativa das forças políticas. Elas não vão querer saber de trégua", afirma.
Segundo ele, Temer ainda deve enfrentar dificuldades com seu próprio partido. "O PMDB não é uma sigla homogênea, e tem vários setores que disputam o poder. Temer não é uma unanimidade. Ele vai ter que conciliar a sede por cargos de colegas com a de outras siglas – e o PMDB está acostumado com o papel de exigir cargos, e não o de distribuir", completa.
Os cientistas políticos também afirmam que Temer vai ter que lidar com outros fatores, como a Operação Lava Jato, que ajudou a minar a popularidade de Dilma. "Até agora não surgiu nenhuma acusação direta que tenha desgastado sua imagem, mas é preciso aguardar", afirma Ismael, que considera improvável um novo governo conseguir interferir na operação.
Já Perissinotto teme que figuras de um eventual governo Temer tentem sabotar a Lava Jato. "Parece-me pouco provável que um Eduardo Cunha [presidente da Câmara que é réu na Lava Jato e aliado de Temer] não tente uma sabotagem", afirma.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.