Neste domingo os argentinos elegem seu novo presidente. Ambos os candidatos discordam em política externa e economia, mas têm pontos de vista semelhantes sobre estatizações e saúde. Brasil é aliado importante para ambos.
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A Argentina volta às urnas neste domingo (22/11) para eleger seu novo presidente em um segundo turno inédito. Os eleitores vão optar entre o candidato governista, Daniel Scioli, e o oposicionista, Maurício Macri. As últimas pesquisas apontam vantagem de até dez pontos percentuais de Macri, o que pode significar o fim da continuidade do kirchenerismo na presidência argentina.
Macri e Scioli são amigos de longa data, mas as diferenças entre os dois se acentuaram na campanha eleitoral. Scioli, de 58 anos, é identificado com o governo e acusa Macri de ser um "candidato do mercado". Já Macri, de 56 anos, nega ser liberal ou conservador, e afirma que os governistas estão apenas preocupados em manter seus privilégios no governo.
Saiba o que pretendem os candidatos, caso ganhem as eleições:
Economia
Scioli: Embora não tenha se pronunciado sobre um modelo econômico concreto, vem afirmando que pretende "dar continuidade às políticas sociais de redistribuição do governo. O candidato também fala em linhas gerais sobre programas para reduzir o trabalho não registrado, a fim de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. Defende a continuidade das estatizações realizadas em governos anteriores, como a da refinaria YPF e da Aerolíneas Argentinas. Também defende a manutenção dos subsídios à luz. gás e transporte, dizendo que pretende baixar a inflação "gradualmente", para não esfriar a economia, até chegar a um dígito em quatro anos. Afirma ainda que vai conceder liberdade para a compra de moeda estrangeira, mas que isso será feito "gradualmente".
Macri: Afirma que vai combater o emprego irregular, criar um programa de Primeiro Emprego para os jovens, e que é possível criar 1,5 milhão de novos postos de trabalho na Argentina. Macri, antes um opositor, agora também defende a manutenção das estatizações, mas pretende melhorar a eficiência das empresas. Sobre os subsídios, prevê que eles sejam extintos. Quanto à inflação, afirma ser possível baixar o índice para 10% em dois anos – mais rapidamente do que prevê Scioli. Sobre a compra de moeda estrangeira, o oposicionista disse seguidas vezes que ia acabar rapidamente com as restrições, mas recentemente passou a relativizar as declarações anteriores.
Corrupção
Macri: Propôs uma "lei de arrependimento" para combater a corrupção, dizendo que quer "fortalecer a autonomia e independência dos organismos de controle e fiscalização". Promete que vai "tirar a militância" dos postos da administração pública.
Scioli: Prometeu em linhas gerais "transparência em todos os atos do governo" e que "os órgãos de controle e gestão pública atuem conforme o que preveem suas normas".
Saúde
Macri: Ampliar o acesso aos serviços de saúde. Aumentar e melhorar o financiamento.
Scioli: Pretende descentralizar o sistema de saúde e consolidar os índices de saúde pública.
Justiça
Macri: Quer procurar reequilibrar a independência do Conselho da Magistratura, responsável por escolher e substituir os juízes no país.
Scioli:Elogia a reforma do Conselho da Magistratura da Argentina, que em 2013 foi reformado e passou a ser dominado por governistas. Disse que vai fortalecer seu funcionamento para "aproximar a Justiça das pessoas" e defende que o Judiciário atue em interrelação com os outros poderes.
Mídia
Macri: Classifica a Lei da Mídia de um "esforço incrivelmente estúpido" e "um instrumento de guerra usado com intento de controlar a mídia". Afirma que vai acabar com o 6,7,8 (programa governista da TV pública) e que o canal estatal tem que promover uma agenda cultural.
Scioli: Defende a Lei da Mídia kirchnerista, alegando que é constitucional.
Educação
Macri: Quer aprovar um projeto para criação de um instituto encarregado de avaliar periodicamente o desempenho dos professores e dos alunos.
Scioli: Vai universalizar a educação das crianças desde os três anos e estender a jornada de todas as escolas do ensino fundamental no país. Também promete que vai aumentar em 70% o orçamento para pesquisa e tecnologia.
Política exterior
Macri: Considera que a melhora das relações com a Europa e os Estados Unidos é algo prioritário. Defende que a Argentina deve rever acordos com a China e a Rússia e abandonar o "eixo bolivariano".
Scioli: Continua a apostar na integração latino-americana e no fortalecimento de órgãos como a Unasul.
Malvinas
Scioli: Continua a apostar na "soberania argentina" sobre as ilhas britânicas, e vai manter a Secretaria de Assuntos Relativos às Ilhas Malvinas.
Macri: Descongelar as relações com o Reino Unido, afetadas pela disputa em torno das Malvinas. Medidas prevista incluem extinção da Secretaria de Assuntos Relativos às Ilhas Malvinas.
Mercosul
Ambos os candidatos afirmam ser "pró-Mercosul" e defendem que a Argentina mantenha relações estreitas com o bloco. Macri, no entanto, afirma que, se eleito, pedirá para que o bloco apele contra a prisão do opositor venezuelano Leopoldo López, um assunto que não tem sido explorado pelos atuais governos do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
Brasil
Macri e Scioli afirmaram em suas campanhas que o Brasil continuará a ser o "principal aliado" da Argentina, e costumam dizer que seu país "é mais forte" quando está unido com a nação vizinha.
O fim da era Cristina Kirchner
Após 12 anos de kirchnerismo, a Argentina elege um novo presidente. Relembre a trajetória de Cristina Fernández de Kirchner, que deixa tanto problemas econômicos quanto avanços sociais como herança de seu governo.
Foto: Getty Images/AFP/F. Monteforte
Cristina Fernández, "relato" e dramaturgia
Em oito anos de governo, Cristina se destacou por seu estilo e a tendência ao drama – foi acusada, inclusive, de criar um "relato" próprio da realidade da Argentina. Neste ano, ela deixa a Casa Rosada, e a era Kirchner chega ao fim. Com uma maioria kirchnerista no Congresso, porém, Cristina promete seguir influenciando a vida política do país.
Foto: Getty Images/A.Pagni
A sucessora de Néstor Kirchner
Cristina começou sua carreira política em 1989, como deputada pela província de Santa Cruz. Conheceu Néstor Kirchner durante a militância peronista, em 1974, e os dois se casaram no ano seguinte. Ele foi presidente da Argentina de 2003 a 2007, ano em que a mulher ganhou as eleições para sucedê-lo. A morte de Néstor, em 27 de outubro de 2010, foi um duro golpe para Cristina e seus dois filhos.
Foto: D. Garcia/AFP/Getty Images
Laços estreitos com o Mercosul
Na foto, Cristina e o presidente da Bolívia, Evo Morales, vestem trajes típicos bolivianos durante uma cerimônia na Casa Rosada, sede da presidência em Buenos Aires. Ela sempre defendeu laços estreitos com os países vizinhos. Em 2013, anunciou que aceleraria "a reconstituição do Mercosul" e, no mesmo ano, disse que a espionagem dos EUA sobre o Brasil afetava a "dignidade" de toda a América do Sul.
Foto: Reuters/M. Brindicci
A reeleição
Em 2011, Cristina foi reeleita presidente da Argentina com 54,11% dos votos. Na foto, ela posa entre os dois filhos, Máximo e Florencia, em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires, após tomar posse. Atualmente candidato a deputado, Máximo está sendo investigado sob suspeita de manter contas secretas nos Estados Unidos e Irã. Ele nega as acusações.
Foto: picture-alliance/dpa/C. de Luca
Um vice em apuros
Amado Boudou, então ministro da Economia, foi nomeado vice-presidente no segundo mandato de Cristina. A escolha foi mais tarde criticada, principalmente pelas polêmicas acusações que emergiram contra ele. O escândalo político conhecido como Ciccone, por exemplo, ligou Boudou à compra de uma falida empresa monopolista a fim de operar com o Estado na impressão de notas e documentos fiscais.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Goya
A luta contra o "Clarín"
O debate sobre a concentração da mídia segue aberto na Argentina. Cristina Kirchner travou uma longa batalha contra o grupo argentino "Clarín", acusando-o de monopólio midiático. Ao mesmo tempo, foi criticada por estimular a criação de um grupo de "veículos viciados no governo", segundo apontou, em entrevista à DW, a jornalista Laura di Marco, autora de uma biografia não autorizada da presidente.
Foto: picture alliance/dpa Fotografia
Direitos humanos
Cristina deu continuidade às políticas de direitos humanos de Néstor: aprovou leis acerca do casamento gay e da transexualidade e apoiou a busca por crianças desaparecidas durante a ditadura militar argentina (1976-1983). Na foto, ela conversa com Estela de Carlotto, presidente da organização Abuelas de Plaza de Mayo. Seu neto, Guido, recuperou a verdadeira identidade ao ser encontrado em 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
Discurso em rede nacional
A presidente está acostumada a falar em rede nacional – algo aplaudido por seus seguidores e criticado pela oposição. Ao se dirigir ao público, Cristina mantém um estilo sempre muito pessoal e, para muitos, carismático. "O kirchnerismo trouxe independência à Argentina", disse ela em um de seus discursos, em julho de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/L. La Valle
Falta de transparência
Em junho de 2015, Cristina enviou ao Congresso um projeto de lei para que alguns programas sociais sejam ajustados de tempos em tempos. Entre eles está o Benefício Universal por Filho (AUH, na sigla em espanhol), equivalente ao Bolsa Família. Esses avanços na área social, porém, acabam sendo ofuscados pela falta de transparência com os índices de pobreza, a alta inflação e o déficit fiscal.
Foto: Reuters/E. Marcarian
Argentina versus "fundos abutres"
A batalha contra os chamados "fundos abutres" segue no país. Em setembro de 2015, a ONU aprovou uma resolução, recomendada pela Argentina, que propõe a criação de um marco legal para a reestruturação da dívida soberana. O ministro da Economia, Axel Kicillof (dir.), comemorou a decisão como "um passo fundamental".
Foto: Leo La Valle/AFP/Getty Images
Cristina, papa e "Estado Islâmico"
Em setembro de 2014, o papa Francisco recebeu Cristina, sua compatriota, no Vaticano. Após um encontro privado com o pontífice, a presidente revelou ter sofrido ameaças do grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) por conta de sua posição diplomática diante dos conflitos no Oriente Médio – ela é favorável à existência de dois Estados: o da Palestina e o de Israel.
Foto: picture-alliance/dpa
Incentivo à cultura
Em nível nacional, o governo Cristina Kirchner deu um impulso importante à realização de eventos culturais e artísticos, mas com um estilo claramente personalista. Na foto, a presidente argentina participa da inauguração do Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires, em maio de 2015. Na ocasião, ela classificou o local como o "mais importante centro cultural da América Latina".
Foto: Reuters/Argentine Presidency
Duas cirurgias
Em seu segundo mandato como presidente da Argentina, Cristina foi submetida a dois procedimentos cirúrgicos sérios: um para remover um tumor na tireoide, em janeiro de 2012, e outro para drenar um hematoma cerebral, em outubro de 2013. Ela teve boa recuperação em ambos os casos, mas precisou ficar afastada do trabalho por um curto período de tempo.
Foto: picture-alliance/dpa
Negócios com a Rússia
Cristina se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, em abril de 2015, e do encontro pode ter saído muito mais que os acordos energéticos e econômicos firmados. Em ano eleitoral na Argentina, o gesto chegou a ser interpretado como um esforço da presidente para afastar o país de seu tradicional alinhamento com os Estados Unidos e a União Europeia e estimular uma aproximação com os Brics.
Foto: Reuters/A. Nemenov
Caso Nisman choca o país
A morte do promotor Alberto Nisman abalou a sociedade argentina e continua sem esclarecimento perante a Justiça. Ele foi encontrado morto em casa em 18 de janeiro de 2015, dias antes de divulgar um relatório polêmico contra a presidente. Nisman acusaria Cristina de ajudar a acobertar o pior ataque terrorista da história do país: o atentado a bomba à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Pisarenko
Sucessor da era Kirchner?
Daniel Scioli, da coligação Frente para a Vitória, é o candidato à presidência argentina capaz de dar continuidade ao programa político do kirchnerismo. Segundo especialistas, o governo deixa como herança para o próximo presidente graves problemas econômicos e estruturais, mas também avanços sociais e um aumento no nível de consumo da população.
Foto: Reuters/A.Marcarian
Adeus à figura que polariza
Com seu estilo autoritário e maternal, Cristina Kirchner polarizou a sociedade argentina. Esteve cercada de acusações de corrupção, e a insegurança jurídica cresceu durante seu governo. Por outro lado, deu impulso à cultura e aos direitos civis. Ao dizer adeus, Cristina deixa um legado complexo à próxima administração, e é improvável que se afaste totalmente da agenda política do país.