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ConflitosKosovo

O que está por trás das tensões entre o Kosovo e a Sérvia?

Bahri Cani | Nemanja Rujević
28 de dezembro de 2022

As recentes tensões entre os sérvios étnicos e as autoridades kosovares atingiram um nível crítico, com a Sérvia ameaçando enviar tropas à fronteira. A comunidade internacional busca uma solução.

Obuses sérvios na fronteira com o Kosovo em uma foto do Ministério da Defesa da Sérvia divulgada em 26 de dezembro de 2022
Obuses sérvios na fronteira com o Kosovo em uma foto do Ministério da Defesa da Sérvia divulgada em 26 de dezembro de 2022Foto: Serbian Defense Ministry Press /AP/picture alliance

As tensões entre Sérvia e Kosovo estão nas manchetes mais uma vez. Como epicentro do conflito entre a minoria sérvia e a maioria albanesa, está o norte da República do Kosovo.

Qual é o desdobramento mais recente?

Na segunda-feira, 26 de dezembro de 2022, o exército sérvio estacionou brevemente obuses em um local a apenas dois quilômetros da fronteira com o Kosovo. Após uma sessão de fotos posadas e exibição de reportagens dramáticas por emissoras pró-governo em Belgrado, capital sérvia, as armas foram enviadas de volta para os quartéis.

A situação na fronteira piorou novamente depois que testemunhas oculares e a Força do Kosovo (KFOR, na sigla em inglês) relataram tiros perto de uma barricada que os sérvios kosovares haviam erguido nas últimas semanas. Não ficou claro quem atirou e nem se foram "apenas" tiros de advertência ou de fato uma troca de tiros.

O primeiro-ministro do Kosovo, Albin Kurti, pediu à força de proteção da OTAN KFOR para remover os bloqueios das estradas sérvias. "Se a KFOR não for capaz de remover as barricadas, ou não o fizer por motivos que desconheço, então teremos que fazê-lo", ameaçou Kurti em entrevista ao site bósnio istraga.ba em 27 de dezembro de 2022.

Por que se fala em "norte do Kosovo"?

Trata-se da área ao norte do rio Ibar, no Kosovo. As quatro comunas são quase exclusivamente habitadas por sérvios que não aceitam a condição de Estado do Kosovo. Eles mantêm laços estreitos com a Sérvia, mas têm dez assentos garantidos no parlamento kosovar e dois ministros no governo. Já o governo do Kosovo, em Pristina, nunca teve o controle total do norte do país desde o fim da guerra do Kosovo em 1999.

Bandeiras sérvias na cidade de Mitrovica, no norte do KosovoFoto: Ognen Teofilovski/REUTERS

Tal situação faz do norte, onde vivem cerca de 60 mil pessoas, uma terra quase sem lei, um Eldorado para criminosos e contrabandistas. Lá, os principais políticos sérvios são, sem exceção, aliados leais do presidente sérvio, Aleksandar Vucic.

Os sérvios de Kosovo nutrem uma desconfiança profundamente enraizada no governo de Pristina. Isso é reforçado sobretudo pelo fato de unidades especiais da polícia kosovar serem enviadas com frequência para o norte, muitas vezes sob o pretexto de combater o crime.

Qual é a razão das atuais barricadas?

Bloqueios de estradas e barricadas têm sido táticas muito usadas no conflito entre o Kosovo e a Sérvia. Organizados em grupos de chat, os bloqueios são capazes de paralisar completamente o norte do país em minutos, obstruindo estradas e passagens de fronteira.

O pano de fundo dos protestos é a prisão de ex-policiais do Kosovo de nacionalidade sérvia. O Ministério Público kosovar acusa um deles de ter realizado um ataque a bomba nas instalações da comissão eleitoral no norte da cidade de Mitrovica, dominada pelos sérvios. Além da libertação dos policiais, os manifestantes sérvios exigem que unidades especiais da polícia kosovar se retirem do norte do país.

Dois caminhões bloqueiam a estrada em frente à escola técnica no norte de MitrovicaFoto: Bojan Slavkovic/AP/picture alliance

Os sérvios queriam impedir as eleições locais no norte de Kosovo, que se tornaram necessárias depois que todos os funcionários sérvios deixaram as instituições kosovares no início de novembro de 2022. Eles se retiraram do Parlamento e do governo. Os quatro prefeitos do norte do país também renunciaram. Várias centenas de policiais sérvios deixaram a força policial kosovar, assim como juízes sérvios que não trabalham mais no norte do Kosovo.

O boicote às instituições kosovares foi uma reação ao plano de Albin Kurti de proibir as placas de carro emitidas pelas autoridades sérvias no Kosovo e trocá-las por versões kosovares. Para Kurti, esta é uma questão fundamental de "reciprocidade", porque a Sérvia não aceita placas de Kosovo. Já para o presidente Vucic e os sérvios do Kosovo, trata-se de preparativos para uma "limpeza étnica".

Entretanto, o governo de Pristina adiou ambos os projetos - as eleições autárquicas e a introdução de novas placas - ,  provavelmente sob pressão da União Europeia (UE) e sobretudo dos Estados Unidos. Agora o Ocidente também exige um alívio das tensões por parte da Sérvia. No momento, porém, isso ainda parece uma realidade distante.

A Sérvia pode enviar tropas para a fronteira?

Isso é considerado improvável. Nos últimos anos, Vucic colocou as tropas sérvias várias vezes em "alta prontidão" e as mandou para perto da fronteira com o Kosovo. Em meados de dezembro de 2022, o governo de Belgrado solicitou oficialmente à KFOR que estacionasse policiais e soldados sérvios em território kosovar.

Soldados americanos da KFOR (força de manutenção da paz de Kosovo) guardam um posto de controle na fronteira com a SérviaFoto: Marjan Vucetic/AP Photo/picture alliance

Tal possibilidade está contemplada na Resolução 1244 da ONU de 1999, que se aplica após a capitulação da Sérvia com o fim da guerra do Kosovo e o bombardeio da OTAN. De acordo com a resolução, a Sérvia pode enviar "várias centenas" de forças de segurança de volta ao Kosovo - se houver concordância da missão militar internacional KFOR.

O próprio Vucic não esconde que sua proposta será provavelmente rejeitada. Analistas em Belgrado, portanto, interpretam a demanda do presidente sérvio como pura propaganda. De acordo com seus críticos, Vucic quer ser visto como uma espécie de defensor do povo sérvio. Mas mesmo que Belgrado considerasse seriamente a opção militar, ela seria provavelmente inútil, já que também resultaria em um confronto direto com a polícia internacional e as unidades militares estacionadas em Kosovo.

Há alguma solução à vista para o conflito?

Infelizmente não, mesmo que o Ocidente exerça mais pressão, já que ambas as partes do conflito são irredutíveis em suas posições. Em Belgrado, a separação é vista como uma violação do direito internacional e seu reconhecimento "jamais" será negociado. Em Pristina, por sua vez, o argumento é de que as conversações com os "ex-ocupantes sérvios" só fazem sentido se levarem a tal reconhecimento.

Até o momento, 117 países reconhecem o Kosovo como um Estado independente, incluindo 22 dos 27 membros da UE. Kosovo, contudo, não pode se tornar membro da ONU sem a aprovação da Sérvia, já que dois dos parceiros da Sérvia - Rússia e China - têm poder de veto no Conselho de Segurança.

Ponte sobre o rio Ibar na cidade dividida de MitrovicaFoto: Idro Seferi/DW

Uma iniciativa franco-alemã deve agora colocar as coisas em movimento, embora detalhes do plano ainda não tenham sido disponibilizados para o grande público. Mas segundo fontes com acesso a informações privilegiadas, o "Tratado Básico" entre a República Federal da Alemanha e a República Democrática da Alemanha (RDA, antiga Alemanha Oriental) deve servir de modelo. Sendo assim, a Sérvia não teria que reconhecer explicitamente o Kosovo, mas teria que aceitar a integridade territorial e a soberania da antiga província do sul e não mais bloquear ativamente sua participação em todas as organizações internacionais.

Como incentivo, estaria a perspectiva de um dia pertencer à UE. No entanto, uma expansão do bloco nos Balcãs Ocidentais é, no momento, algo completamente incerto. Ainda que a Sérvia seja candidata oficial desde 2012, as negociações são lentas. O Kosovo, por sua vez, solicitou a candidatura neste mês.

Como a guerra na Ucrânia tem afetado os rivais?

Desde o ataque russo à Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, teme-se que Moscou possa usar seus laços estreitos com a Sérvia para abrir uma "frente lateral" nos Bálcãs. O primeiro-ministro kosovar, Albin Kurti, também teme esta jogada. Segundo ele, assim como na Rússia, as pessoas em Belgrado sonham em restabelecer um "mundo sérvio" na região. O presidente sérvio Vucic responde com a observação de que Kurti está se comportando como um "pequeno Zelenski".

As cartas de Vucic são claramente piores. Para irritação da UE, a Sérvia não aderiu às sanções contra a Rússia. Segundo pesquisas, mais de 80% dos sérvios rejeitam tais sanções contra um "Estado irmão". A Sérvia depende não apenas do gás russo, mas também do apoio de Moscou na questão do Kosovo.

Por outro lado, a economia sérvia está totalmente voltada para o Ocidente. Só as empresas alemãs garantem cerca de 75 mil empregos na Sérvia. Políticos ocidentais, incluindo o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, parecem determinados a conter a influência russa nos Bálcãs. Já existem rumores - e Kurti também o diz abertamente - que um "acordo de normalização abrangente" entre a Sérvia e Kosovo é esperado na primeira metade de 2023. Mas no estado atual das coisas, tal previsão soa extremamente otimista.

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