O que está por trás dos acidentes aéreos na África?
Andrew Wasike
20 de agosto de 2025
Após sequência de desastres fatais em países como Gana, Quênia e Maláui, especialistas alertam para problemas como supervisão deficiente, negligência e caos climático.
Soldados de Gana recebem o corpo de uma das vítimas de acidente aéreo ocorrido em agostoFoto: Gao Jianfei/Xinhua/IMAGO
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Uma série de acidentes aéreos fatais na África nos últimos meses levantaram questões sobre treinamento de pilotos, fiscalização, padrões de manutenção, preparação para condições climáticas adversas e outras questões importantes relacionadas à segurança da indústria da aviação do continente.
Em 6 de agosto, um helicóptero militar Harbin Z-9EH, usado pela força aérea de Gana, colidiu contra uma encosta coberta de vegetação na região de Ashanti. Os oito passageiros a bordo morreram, incluindo os ministros da Defesa, Edward Omane Boamah, do Meio Ambiente e Ciência, Ibrahim Murtala Muhammed, e outras autoridades.
Apenas um dia depois, uma ambulância aérea Cessna caiu em uma área residencial no Quênia, perto da capital, Nairóbi, logo após a decolagem, ceifando seis vidas — quatro a bordo e duas em solo.
Em janeiro, um Beechcraft 1900D fretado, transportando trabalhadores da indústria petrolífera do estado de Unity, no Sudão do Sul, para a capital, Juba, caiu poucos minutos após a decolagem, matando todos os 21 a bordo.
Em junho de 2024, o Maláui perdeu o vice-presidente Saulos Chilima e a ex-primeira-dama Patricia Shanil Muluzi em outro acidente, quando um avião Dornier 228 da Força de Defesa do país caiu na Reserva Florestal de Chikangawa a caminho da cidade de Mzuzu, causando nove mortes.
Relatos crescentes de incidentes graves de turbulência, que deixaram vários passageiros feridos durante voos civis, também fizeram acender o alerta sobre a segurança da aviação africana.
O vice-presidente do Maláui, Saulos Chilima, e a ex-primeira-dama Patricia Shanil Muluzi morreram em um acidente de avião em junho de 2024Foto: Zambia Air Force via REUTERS
Erro humano e tempo imprevisível
Especialistas do setor afirmam que as máquinas em si não são o problema, enfatizando que erro humano, negligência sistêmica, uma cultura de segurança insuficiente e padrões climáticos cada vez mais imprevisíveis pesam mais para esse histórico preocupante.
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"Aviões são máquinas fiéis. São construídos para servir. São tão bem construídos que [são] carregados com muitos componentes redundantes, de tal forma que, antes que algo dê errado, o avião avisa os pilotos e engenheiros a cada instante", disse o consultor de aviação nigeriano Godwin Ike à DW.
Em sua opinião, as aeronaves normalmente só "caem do céu porque os operadores humanos podem ser muito infiéis e, na maioria das vezes, terrivelmente desonestos".
Segundo Ike, existe um certo elemento de orgulho humano que ainda pode atrapalhar aeronaves perfeitamente operacionais. Ike insiste que ações simples como recusar a decolagem quando sistemas automatizados detectam uma falha podem fazer toda a diferença entre a vida e a morte, acrescentando que cumprir os cronogramas de manutenção também é importante.
Gana anunciou três dias de luto pelos cinco funcionários do governo e três militares que morreram no acidente de helicóptero militarFoto: Seth/Xinhua/IMAGO
Cuidado com o clima
Para Felicity Ahafianyo, chefe do Escritório Central de Análise e Previsão de Gana, o maior perigo está menos na preparação e na reação em terra, mas sim nos céus. Ela alerta que as mudanças climáticas afetaram os padrões climáticos nas camadas mais altas da atmosfera em todo o mundo, tornando certos perigos menos previsíveis.
"Quando se trata da indústria da aviação, o clima é um fator fundamental. A primeira parte tem a ver com as atividades convectivas — isto é, a formação de nuvens de tempestade. Outro aspecto está relacionado à visibilidade. Outro, à cisalha [mudanças bruscas] do vento. E há ainda regiões que estão recebendo mais chuvas do que o habitual", explicou.
"Além das atividades convectivas que afetam as operações das aeronaves, há a turbulência de tempo claro ou turbulência de ar limpo, que também afeta as operações das aeronaves."
A equipe de Ahafianyo fornece aos helicópteros diversas informações cruciais para a operação segura e adequada das aeronaves. Isso inclui "o perfil vertical da atmosfera desde o nível de voo 600 até 12.000 pés de altura no céu, a localização das fronteiras tropicais para o dia" e "se pode haver alguma cisalha que possa atrapalhar suas operações".
Mas nem todo piloto ouve as instruções, diz ela: "Eu já fui meteorologista de aviação e percebi que alguns pilotos não se importam com o tempo".
Quando confrontados com problemas climáticos persistentes, argumentou Ike, os pilotos deverm ir para "o aeroporto mais próximo e anunciar que desejam fazer um pouso de emergência".
Os pilotos, contudo, muitas vezes decidem seguir esse protocolo padrão tarde demais — especialmente ao transportar ministros do governo e outros líderes influentes, cujo tempo pode parecer precioso demais para um pouso de emergência e a interrupção da viagem.
As alterações climáticas também têm impacto no tráfego aéreoFoto: Michael Probst/AP Photo/picture alliance
Negligência com padrões internacionais
Os dois analistas ouvidos pela DW destacaram que os acidentes recentes também expuseram falhas políticas e regulatórias mais profundas.
A fraca supervisão governamental, uma cultura de segurança inconsistente e as crescentes pressões econômicas decorrentes do aumento dos preços dos combustíveis, bem como o alto custo de obtenção de peças de reposição, contribuem para riscos cada vez maiores.
Ike também afirmou que, embora a questão do erro humano na cabine de comando deva ser abordada, o problema da negligência humana em solo pode ser ainda maior.
Até que a indústria da aviação africana alcance os mais altos padrões de tráfego aéreo, disse ele, os pilotos devem ser orientados a tratar cada alerta mecânico e cada aviso meteorológico como uma instrução, não como uma sugestão.
Enquanto isso, órgãos internacionais de aviação também têm instado repetidamente os governos africanos a reforçar a aplicação de seus padrões de segurança e a se adaptarem melhor à crescente volatilidade climática.
Tragédias aéreas que chocaram o mundo
O avião é um dos meios de transporte mais seguros do mundo, mas desastres aéreos, quando acontecem, costumam envolver um grande número de vítimas. Relembre acidentes dos últimos 70 anos que entraram para a história.
Foto: picture-alliance/C. Daughty
Tragédia mata time base da seleção italiana
Há 70 anos, em 4 de maio de 1949, o avião que levava o time do Torino, então tetracampeão italiano, após um amistoso contra o Benfica, em Lisboa, se chocou contra a Basílica de Superga, em Turim. O acidente matou as 31 pessoas a bordo, incluindo 18 jogadores e cinco integrantes da comissão técnica. O Torino era considerado a melhor equipe de futebol do mundo e formava a base da seleção italiana.
Foto: picture-alliance/dpa
Milagre após 73 dias perdidos nos Andes
Em 13 de outubro de 1972, 45 pessoas – jogadores de um clube de rugby e familiares –partiram de Montevidéu em um avião da Força Aérea Uruguaia rumo ao Chile. A aeronave caiu nos Andes, causando na hora a morte de 12 pessoas e de outras 17 nos dias seguintes. No entanto, 16 homens sobreviveram a 73 dias na neve e foram resgatados após dois deles terem deixado o acampamento para pedir socorro.
Foto: AFP/Getty Images
O maior número de vítimas da aviação
Em 27 de março de 1977, um Boeing 747 da KLM vindo de Amsterdã colidiu com um Jumbo da PanAm que partiu de Los Angeles na pista do aeroporto de Los Rodeos, em Tenerife, nas Ilhas Canárias. A explosão matou 583 pessoas, o maior número de vítimas fatais da história da aviação. Os aviões tinham sido desviados para Los Rodeos devido a um ataque a bomba no aeroporto de Las Palmas, em Gran Canária.
Foto: Getty Images/AFP
Bomba derruba aeronave no Oceano Atlântico
A explosão de uma bomba no compartimento de cargas de um Boeing 747 causou a queda do vôo 182 da Air India no Oceano Atlântico, em 23 de junho de 1985, quando ele sobrevoava a costa da Irlanda, na rota entre Montreal e Nova Déli. As 329 pessoas a bordo morreram. O ataque foi vinculado a extremistas sikhs.
Foto: Getty Images/AFP/A. Durand
O maior número de vítimas em um único avião
O acidente com o maior número de vítimas a bordo de um único avião aconteceu com o voo 123 da Japan Airlines, que fazia a rota entre Tóquio e Osaka. O Boeing 747-SR46 colidiu com o Monte Takamagahara, a 100 quilômetros de Tóquio, em 12 de agosto de 1985. Entre os 520 mortos estava o famoso cantor Kyū Sakamoto. Quatro mulheres sobreviveram, sendo duas delas crianças.
Foto: picture alliance/dpa/Toshiki Ohira
Avião atinge espectadores de show aéreo
Três aviões da esquadrilha acrobática italiana Flechas Tricolores (Frecce Tricolori) se chocaram em pleno voo durante um show de acrobacias aéreas na base militar americana em Ramstein, no sudoeste da Alemanha, em 28 de agosto de 1988. Um dos jatos caiu sobre a multidão de espectadores, matando 70 pessoas e deixando mais de mil feridas.
Foto: picture-alliance/dpa/Füger
Choque causa morte de crianças e adolescentes
Uma colisão entre um Tupolew 154 da companhia russa Bashkirian Airlines, que vinha de Moscou, e um jato da empresa alemã DHL, que viajava do Bahrein a Bruxelas, matou 71 pessoas na noite de 1º de julho de 2002 sobre a cidade de Überlingen, na Alemanha, às margens do Lago de Constança. Entre as vítimas, estavam 49 crianças e adolescentes que viajavam de férias para a Espanha.
Foto: AP
Colisão mata 154 no Brasil
Um choque no ar com um jato Legacy provocou a queda de um Boeing da Gol em 29 de setembro de 2006, a 692 quilômetros de Cuiabá (MT), matando as 154 pessoas a bordo. O voo 1907 havia saído de Manaus, faria escala em Brasília e seguiria para o Rio. O Legacy, que viajava para os Estados Unidos quando bateu, conseguiu pousar na Serra do Cachimbo, no Pará. As sete pessoas a bordo saíram ilesas.
Foto: Força Aérea Brasileira/Divulgação
Acidentes mortais da Latam
Em 17 de julho de 2007, um Airbus A320 da Latam (antiga TAM) que vinha de Porto Alegre não conseguiu parar na pista de Congonhas, atravessou uma avenida e colidiu com um prédio da TAM Express, causando 199 mortes (187 a bordo e 12 em solo). Onze anos antes, um Foker 100 que seguia para o Rio havia caído 24 segundos depois de decolar de Congonhas, matando as 96 pessoas a bordo e três em solo.
Foto: AP
Brasileiros na tragédia da Air France
Em 31 de maio de 2009, um Airbus 330-203 da Air France que fazia a rota Rio de Janeiro-Paris caiu no Atlântico, matando as 228 pessoas a bordo, sendo 59 brasileiros. Partes da fuselagem e corpos foram encontrados quase dois anos depois. A investigação concluiu que a causa foi uma combinação de erros dos pilotos com problemas ocorridos por congelamento nos sensores de velocidade.
Foto: picture-alliance/dpa
Míssil russo derruba Boeing na Ucrânia
Um míssil russo abateu o voo MH17 da Malaysia Airlines, causando a queda do Boeing 777 que sobrevoava a Ucrânia, em 17 de julho de 2014. As 298 pessoas a bordo morreram, a maioria holandesas – o voo havia partido de Amsterdã com destino a Kuala Lumpur. Os investigadores concluíram que o míssil Bouk-Telar foi disparado de uma brigada antiaérea em Kursk, na Rússia, perto da fronteira com a Ucrânia.
Foto: imago/Itar-Tass
Acidente causado por piloto da Germanwings
Uma tragédia em 24 de março de 2015 chocou a Alemanha. Um Airbus A320 da Germanwings que fazia a rota Barcelona-Düsseldorf caiu nos Alpes Franceses, matando os 144 passageiros e seis tripulantes. O desastre foi causado intencionalmente pelo copiloto, Andreas Lubitz, que omitiu da companhia tendências suicidas. Andreas trancou o piloto fora da cabine e chocou a aeronave contra as montanhas.
O presidente da Polônia Lech Kaczynski morreu em 10 de abril de 2010, quando o Tupolev 1954 em que ele estava caiu perto do aeroporto de Smolensk, na Rússia, matando também outras 96 pessoas, entre elas autoridades do primeiro escalão do governo. A comitiva polonesa viajava para a Rússia para participar de uma cerimônia em memória ao massacre de prisioneiros poloneses na Segunda Guerra Mundial.
Foto: AP
Tragédia da Chapecoense
Em 28 de novembro de 2016, o avião da LaMia que levava o time da Chapecoense, dirigentes e jornalistas caiu quando voava de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, para Medellín, na Colômbia, matando 71 das 77 pessoas a bordo. A equipe disputaria a final da Copa Sul-Americana contra o colombiano Atlético Nacional. A investigação revelou uma série de erros, como falta de combustível.