O que fazer com a casa onde Hitler nasceu em Braunau?
Stefan Dege
1 de outubro de 2023
Local de nascimento do ditador nazista na Áustria deve virar delegacia de polícia. Mas nem todos acham uma boa medida para evitar iniciativas de culto.
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Pintada num tom agradável de bege, a discreta casa de pedra no estilo Biedermeier fica na rua Salzburger Vorstadt, nº 15. No andar térreo, barras de ferro obstruem as janelas. Mais adiante, ao lado de um ponto de ônibus, um memorial de granito na altura da cintura chama atenção. Nele, uma inscrição: "Pela paz, liberdade e democracia, fascismo nunca mais, advertem milhões de mortos". Adolf Hitler, o ditador do Terceiro Reich, nasceu aqui.
Só isso já faz dela uma casa singular – e de Braunau am Inn uma cidade peculiar. Mesmo 78 anos após o suicídio de Hitler no bunker da Chancelaria do Reich em Berlim – com o qual ele se esquivou de qualquer responsabilidade pouco antes da rendição incondicional da Wehrmacht alemã – ainda há discussões sobre o que fazer com o local de seu nascimento. A responsabilidade sobre esse legado nefando cabe à Áustria, que na qualidade de atual proprietária, deve agora instalar uma delegacia de polícia no local para enfim tirar a casa do roteiro de peregrinações neonazistas.
"Uma mensagem completamente errada"
"Transformá-la numa delegacia de polícia é um sinal completamente errado; um tapa na cara das vítimas", diz Günter Schwaiger. O cineasta de 58 anos é quem está por trás do aclamado documentário Wer hat Angst vor Braunau? (Quem tem medo de Braunau?), que trata justamente da cidade natal de Hitler.
O filme, que levou cinco anos para ser concluído, está em cartaz desde o início de setembro nas salas de cinema austríacas e também será exibido no fim de outubro no Hof International Filmfestival, na Alemanha.
"Braunau não é uma cidade nazista", garante Schwaiger em entrevista à DW. É só que o fato de Hitler ter nascido aqui obriga seus moradores a encararem o passado mais do que em qualquer outro lugar. "Não é preciso ter medo de Braunau e muito menos de seu povo."
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Enquanto isso, a iniciativa cidadã Diskurs Hitlerhaus decidiu se mobilizar contra os planos do Ministério do Interior da Áustria. "O efeito simbólico seria catastrófico", disse a porta-voz Eveline Doll, aludindo ao papel questionável da polícia durante a era nazista. "Além disso, há muitas boas ideias e sugestões sobre como usar esta casa de forma inteligente e responsável para com a história contemporânea."
Comissão busca "solução historicamente correta"
A busca por um uso "apropriado" já vem de longa data. Após a anexação da Áustria ao Reich alemão em 1938, o Partido Nacional-Socialista (NSDAP) adquiriu a casa onde nasceu seu "Führer" e a converteu num centro cultural. Depois da guerra, foi devolvida a seus antigos proprietários, e o Estado se tornou locatário. A partir de então, serviu ora como biblioteca, ora como escola e, finalmente, como oficina para portadores de deficiência. Desde 2011, porém, está vazia, tendo sido expropriada em 2016 para evitar que caísse nas mãos de neonazistas.
Mas o que fazer com ele, afinal? Para responder essa pergunta, o país nomeou uma "Comissão sobre o tratamento historicamente correto da casa natal de Adolf Hitler", formada por historiadores e políticos. A conclusão: "O mito do Führer e o culto a ele eram e continuam sendo parte da narrativa central sobre Hitler." Portanto era necessário "romper com o simbolismo do local", seja por meio de um "uso social-caritativo ou oficial-administrativo". "Projetos educacionais e exposições de história contemporânea" foram desencorajados.
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Contra destino de peregrinação nazista
"A preocupação sempre foi evitar que esta casa se tornasse um local de peregrinação para os nazistas", explica Oskar Deutsch, presidente da Comunidade Judaica de Viena e também membro da comissão. Ele poderia até imaginar outras utilizações. No entanto, "a ideia é instalar aqui uma delegacia de polícia de um Estado constitucional democrático, cuja tarefa é, entre outras coisas, tomar medidas contra a repetição do passado nazista. Um objetivo, enfim, que todos compartilham.
Em março, uma pesquisa do Market Institut de Linz, encomendada pela iniciativa Diskurs Hitlerhaus, concluiu que 52% dos mil entrevistados era a favor da criação de uma "instituição que lide tematicamente com o nazismo, a memória, o antifascismo, a tolerância e a paz", 23% eram a favor da demolição da casa e apenas 6% a favor da delegacia de polícia.
Mas Eveline Doll, porta-voz da iniciativa de cidadãos, ainda tem uma carta na manga: a associação vienense Amigos Austríacos de Yad Vashem quer usar o local para abrigar permanentemente a exposição itinerante Die Gerechten – Courage ist eine Frage der Entscheidung (Os justos – Coragem é uma questão de decisão).
A mostra de 400 metros quadrados, que homenageia a bravura de não judeus que arriscaram suas vidas para salvar judeus durante o Holocausto, foi exibida pela última vez no Museu da Baixa Áustria, no município de St. Pölten. "Essa ideia é uma base para discussão", diz o porta-voz da associação, Georg Schuster, cauteloso, "se não vingar, tudo bem".
Por enquanto nada parece impedir a concretização do projeto de 20 milhões de euros para converter o local numa delegacia de polícia. Com início das obras previsto para outubro, a proposta prevê também uma sala de treinamento onde os policiais serão instruídos sobre direitos humanos. É bem provável, porém, que a discussão sobre o local de nascimento de Hitler em Braunau continue.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
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1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.