Lentamente, a vida judaica regressa ao país. Um processo doloroso, que esbarra numa cultura de memória falha e nas atuais políticas do governo conservador.
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No meio do bairro que proprietários descrevem como "Cidade Velha de Varsóvia" em seus anúncios no Airbnb, o pequeno pedaço da muralha parece perdido. Chegando mais perto, é possível ler os dizeres "Ghetto Wall 1943" (Muro do Gueto, 1943).
Atrás desse muro, cerca de 500 mil judeus foram confinados em apenas 400 hectares pelos nazistas em 1940. Depois de três anos, no dia 19 de abril de 1943 – momento em que deveria ser realizada a última onda de deportações, centenas de sobreviventes no gueto iniciaram um levante contra os alemães. Eles sabiam que não podiam vencer: não estavam bem armados, eram poucos, estavam cansados. Mas o levante foi uma expressão da liberdade e da própria humanidade.
Hoje, diretamente ao lado do pedaço da muralha, vê-se uma publicidade vermelha da Coca-Cola. Ao fundo, edifícios cinzentos pré-fabricados, herança soviética, e uma igreja completam a paisagem. Alguns monumentos lembram os dramáticos acontecimentos de 75 anos atrás.
"Eu também não sei onde exatamente era o gueto. Em algum lugar por ali", diz um cidadão da capital polonesa, apontando em direção ao sul. É praticamente impossível reconstruir os limites exatos do gueto atualmente. A ocupação nazista derrubou o local – e, mais tarde, o brutalismo da arquitetura comunista modificou integralmente a paisagem urbana de Varsóvia.
A menina e o brinco
À sua maneira, um pequeno grupo de cidadãos tenta manter viva a memória daquela época e reavivar a herança cultural dos judeus poloneses. Numa sexta-feira de abril, uma jovem mulher com quipá canta canções chassídicas.
Num bloco de apartamentos na periferia de Varsóvia, a mulher conduz o culto da comunidade Beit Warszawa, fundada em 1999 e da qual participam muitos jovens. "Antes da guerra, havia várias comunidades progressivas na Polônia. Hoje, somos praticamente a única", lamenta um senhor.
Poderia ser uma cena de Nova York ou Londres, onde um judaísmo emancipado ousa realizar esse tipo de culto. A maior parte dos presentes, porém, não teve nem uma educação ligada ao judaísmo, nem sabe muita coisa sobre o próprio passado judaico.
"Aqui, todos aprendemos, seguindo o princípio do aprender fazendo", afirma Anna, uma das líderes da comunidade. Antes de fazer 12 anos, ela não sabia nada sobre o passado judaico de sua avó. Depois, encontrou no porão da parente um brinco com uma menorá (candelabro) de nove braços, cujas velas costumam ser acesas durante as festividades de Chanucá.
Quando a avó percebeu o achado, ficou brava e jogou o brinco pela janela, conta Anna, que conseguiu recuperar a joia e a guardou até hoje. Com cautela, Anna perguntou o que havia acontecido no passado, mas as respostas que recebeu eram reticentes. A avó morreu – e Anna, como tantos outros jovens poloneses, ficou para trás com um mistério.
À procura da própria identidade
Há três anos, Anna se converteu ao judaísmo. Muitos membros da comunidade Beit Warszawa e em todo o país, diz ela, não sabem exatamente se são judeus. "Eles sentem alguma coisa, mas muitas vezes não conseguem descobrir nenhuma informação mais exata. Por isso, o judaísmo acaba se tornando uma questão de decisão e da prática consequente", explica.
Levante do Gueto de Varsóvia completa 75 anos
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Muitos frequentadores da Beit Warszawa querem saber mais sobre uma cultura que se perdeu na Polônia. Um homem explica que, muitas vezes, vem por puro interesse. Ele também usa uma quipá e, durante a bênção, levanta diligentemente o copo de vinho, apesar de não ter raízes judaicas nem querer se converter ao judaísmo.
De certa maneira, a Beit Warszawa é resultado dos anos 1990 na Polônia. Naquela época, milhares de poloneses começaram a explorar suas origens e a se converter para o judaísmo. Muitos liberais sem raízes judaicas se mostraram solidários com a ideia de restabelecer uma cultura que tem uma história milenar no país. Há cem anos, três milhões de judeus viviam na Polônia – mais que em qualquer outro país da Europa.
Após o fim do comunismo, em 1989, aumentou o interesse em sua herança cultural – especialmente entre os jovens poloneses liberais. A comunidade judaica ortodoxa só atingia poucas pessoas. Por isso, um grupo de amigos fundou essa comunidade progressiva.
Com o passar dos anos, surgiram também uma pré-escola, uma escola primária e um ensino médio judaicos, assim como uma associação esportiva judaica. Também existem muitas organizações judaicas internacionais que são ativas na Polônia.
Uma comunidade pequena, mas muito diversa, acabou se estabelecendo no país. Hoje, ela conta com 7 mil membros. Estima-se que haja entre 20 e 50 mil pessoas com raízes judaicas na Polônia, mas não existem números exatos.
À sombra da nova política de memória
O governo polonês se envolveu apenas limitadamente no interesse no judaísmo, renovado nos anos 1990. Os primeiros debates incômodos sobre o antissemitismo no país foram iniciados por intelectuais poloneses, mas resvalaram no reduzido interesse da população.
Seria apenas o começo. Com a vitória do partido populista de direita Lei e Justiça (PiS), o clima mudou em 2015. Repentinamente, os conservadores nacionalistas colocaram a política histórica – incluindo o Holocausto – em primeiro plano. Porém, o fizeram de uma forma que muitos consideram perigosa. Uma lei recentemente aprovada prevê penas de prisão para todos aqueles que responsabilizem a Polônia pelo Holocausto como Estado ou nação.
A comunidade judaica na Polônia se preocupa com essa evolução. "De repente, não se trata mais de cidadãos poloneses, mas de judeus e dos bons poloneses que os salvaram", critica um membro da comunidade judaica progressiva em Varsóvia, que não quis se identificar.
Nesse meio tempo, o governo planeja um novo museu que deve "lembrar o amor entre os dois povos", segundo disse, recentemente, um porta-voz do governo.
Até agora, o debate impulsionado pelo Executivo polonês contribui mais para um clima ruim entre os membros e amigos da comunidade judaica, segundo afirma um homem ao fim da refeição do Sabá realizada na Beit Warszawa. Ele conta que suas filhas vivem aqui e que espera "coisa ainda pior", mas que a Polônia é sua casa – uma casa que ele não quer abandonar de jeito nenhum.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
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1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
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1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.