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HistóriaUcrânia

O que foi o Holodomor?

Publicado 21 de dezembro de 2022Última atualização 25 de novembro de 2023

Milhões de pessoas morreram de fome entre 1932 e 1933 na Ucrânia, em consequência da política de Josef Stalin. Tragédia foi considerada genocídio pelo Parlamento alemão.

Monumentos às vítimas do Holodomor em Kiev, na Ucrânia
Monumentos às vítimas do Holodomor em Kiev, na UcrâniaFoto: Andre Luis Alves/AA/picture alliance

A palavra ucraniana Holodomor significa "morte por inanição" e se refere ao período da grande fome vivenciada entre os anos de 1932 e 1933 na então República Socialista Soviética da Ucrânia.

As causas da tragédia estão na coletivização da agricultura, na introdução de cotas inalcançáveis de entrega da produção ao Estado e na perseguição aos agricultores, sobretudo os antigos culaques, no regime do ditador comunista Josef Stalin, durante os primeiros anos do comunismo, no âmbito do que o próprio Stalin chamaria depois de "revolução a partir de cima".

Um número entre 3,5 milhões e 3,9 milhões de pessoas morreram de fome na Ucrânia, que tinha então uma população em torno de 30 milhões. Em toda a União Soviética, o número de mortos pela fome ficou entre 6 milhões e 8 milhões.

Na Ucrânia, as áreas mais atingidas foram as então regiões de Kiev e Kharkiv, bem como a Moldávia, então uma república autônoma.

Coletivização da agricultura

As origens do Holodomor estão na violenta transformação da agricultura na União Soviética, que havia começado já em 1929, com a coletivização forçada das propriedades rurais. Surgiram os chamados colcoses (colcoz, no singular), as propriedades rurais coletivas do regime comunista soviético.

Muitos agricultores resistiram à coletivização, que acabou sendo feita à força pelo regime soviético. Entre os que resistiram estavam os culaques, agricultores ricos que os comunistas viam como um bastião do capitalismo. Milhares deles foram detidos e enviados para prisões na Sibéria.

Depois de uma safra boa no ano de 1930, a colheita ruim do ano seguinte logo deixaria claro o que significava, na prática, a coletivização agrícola no comunismo soviético.

O regime em Moscou continuou cobrando dos agricultores uma cota fixa de produção, sem considerar se a colheita era boa ou ruim, apelando até mesmo para o confisco de sementes e de cereais forrageiros.

Essa situação se agravou ainda mais em 1932, com uma nova colheita abaixo da média. Se os agricultores não entregassem a cota de produção para Moscou, comandos armados iam até eles para retirar a produção à força.

Mas, mesmo com toda a rigidez aplicada pelo regime para a cobrança, na ampla maioria dos colcoses a cota de produção não podia ser alcançada. Moscou acusava os agricultores de sabotagem e, a partir de 1932, instituiu o terror entre a população rural, com confisco de alimentos, isolamento de regiões inteiras e impedindo, de forma violenta, que a população faminta deixasse o campo rumo às cidades.

Cadáver na rua em vilarejo ucraniano durante o HolodomorFoto: Tass Sindeyev Vladimir/dpa/picture-alliance

Correspondências entre lideranças comunistas mostram que o regime, ciente das mortes por inanição, não apenas nada fazia para impedi-las como ainda as via como medida disciplinatória necessária para que os agricultores aceitassem o trabalho nas fazendas coletivas, que haviam sido criadas à força.

A propaganda do regime afirmava que os agricultores boicotavam o trabalho nos colcoses, escondiam a produção e a vendiam ilegalmente a preços elevados. Assim justificava-se o envio dos comandos armados para o confisco. Estes levavam todos os produtos alimentícios que encontrassem nos vilarejos.

A polícia secreta GPU chegava de surpresa nos vilarejos e inspecionava os galpões. Se algo fosse encontrado, os acusados eram submetidos a um processo sumário e condenados à cadeia ou até mesmo à morte.

Na verdade, o que eventualmente se encontrava eram alimentos que os agricultores haviam escondido para garantir a própria subsistência. Quando também estes eram confiscados, o que restava era morrer de fome.

Em especial, a Ucrânia

Não só a Ucrânia foi atingida. Também o Cáucaso Norte, a região do rio Volga e a República Soviética do Cazaquistão sofreram com a fome. Um quarto da população do Cazaquistão, ou em torno de 2 milhões de pessoas, morreu.

Mas o terror stalinista atingiu sobretudo a República Soviética da Ucrânia. Por exemplo por meio do isolamento de vilarejos em meio à fome, o que foi ordenado por Stalin apenas para a Ucrânia e para o Cáucaso Norte.

Stalin temia a resistência dos ucranianos à política de coletivização. Numa carta de agosto de 1932, ele escreveu que o Partido Comunista da Ucrânia era cheio de "elementos podres" que estavam apenas aguardando o momento para atacar Moscou. "Se não colocarmos agora a situação na Ucrânia em ordem, arriscaremos perder a Ucrânia", afirmou.

Ainda em 1932, Stalin ordenou uma "limpeza" no aparato do partido comunista na Ucrânia e a perseguição de supostos nacionalistas. Alguns historiadores falam em "guerra de Stalin contra a Ucrânia". Inúmeros intelectuais, escritores, artistas, professores e cientistas foram vítimas dessa perseguição, cujo apogeu foi em 1933. Todos eram suspeitos de defender uma maior autonomia para a Ucrânia e, talvez, até mesmo querer a separação da Ucrânia da União Soviética.

Um tabu na União Soviética

Na União Soviética, o Holodomor se tornou um tabu. Declarações públicas eram proibidas. O tema simplesmente não era abordado. Mesmo na época de Nikita Kruschev, quando alguns crimes stalinistas foram tematizados, o Holodomor continuou sendo um tabu. Somente no fim dos anos 1980, com Mikhail Gorbatchov, essa situação começou a mudar.

Na historiografia da Ucrânia, o Holodomor ocupa uma posição central desde a independência do país, em 1991. Em muitas cidades foram erguidos monumentos às vítimas, incluindo a capital, Kiev.

Em 2006, na presidência de Viktor Yushchenko, o Holodomor foi declarado um genocídio, e negá-lo é crime. Pesquisas mostram que a maioria dos ucranianos concorda que o Holodomor foi um genocídio.

O debate sobre genocídio

Durante muitos anos se debateu se o Holodomor foi ou não foi um genocídio, e mesmo hoje não há consenso entre especialistas. Consenso existe, porém, de que ele foi causado pelo regime comunista de Stalin.

A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, das Nações Unidas, define genocídio como "atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

Isso implica, no caso da Ucrânia, que deve ser demonstrável que o terror stalinista se voltava contra a etnia ucraniana e tinha a intenção de exterminá-la, no todo ou ao menos em parte.

Os que argumentam contra o genocídio lembram que entre as vítimas não há apenas ucranianos e que também em outras regiões, além da Ucrânia, ocorreram mortes por inanição naqueles anos.

Além disso, afirmam, não há nenhum documento no qual Stalin ordene o extermínio dos ucranianos.

Os que argumentam a favor lembram que a convenção da ONU não fala no extermínio da totalidade de um grupo nacional ou étnico e que basta, para o crime de genocídio, que apenas uma parte dos ucranianos (no caso, os agricultores) tenha sido propositalmente atingida.

Além disso, o fato de que outros grupos estejam entre as vítimas não enfraquece a tese de genocídio, pois esta não requer exclusividade. Também no Holocausto não foram mortos apenas judeus.

E, sobre a intenção, mesmo reconhecendo não haver qualquer documento de Stalin ordenando um extermínio, os partidários da tese afirmam que medidas adotadas, e documentadas, como o confisco de todos os alimentos ou o isolamento de vilarejos em fome, equivalem a uma ordem para matar.

Em 30 de novembro de 2022, o Bundestag (Parlamento da Alemanha) reconheceu o Holodomor como genocídio.

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