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O que fragmenta os protestos no Brasil?

24 de março de 2017

Brasileiros compartilham descrédito com a política e indignação com a corrupção. Mas manifestações ainda são difusas, e movimentos que vão às ruas em 2017 parecem mostrar mais diferenças do que pontos em comum.

Protesto em Belo Horizonte em dezembro: polarização ideológica impede aproximação entre grupos
Protesto em Belo Horizonte em dezembro: polarização ideológica impede aproximação entre gruposFoto: Reuters/W. Alves

Se 2015 e 2016 foram marcados por manifestações, o mesmo roteiro se desenha neste ano, mas com pautas diferentes entre os movimentos concorrentes que pretendem ocupar as ruas.

Por enquanto, as ações continuam calmas do lado que pediu o impeachment de Dilma Rousseff. O primeiro protesto deste ano convocado por organizadores desse grupo vai ocorrer neste domingo (26/03), mais de três meses após a última manifestação. Com Dilma fora do governo, a pauta oficial se tornou a defesa da Lava Jato e o repúdio a medidas de anistia para suspeitos de corrupção.

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Já o lado que defendeu Dilma nos dois últimos anos abraçou o "Fora Temer", mas também elegeu como alvos prioritários as reformas promovidas pelo atual governo na Previdência e na legislação trabalhista. O último ato desse grupo, no dia 15 de março, reuniu milhares de pessoas em 19 Estados.

Segundo Gerhard Dilger, diretor da Fundação Rosa Luxemburgo no Brasil, ligada ao partido alemão A Esquerda, ambos os movimentos são reflexos de um mal-estar com o atual sistema político brasileiro e o funcionamento do Estado. "Há um descrédito muito grande com a política institucional no Brasil, e paira um sentimento difuso de revolta generalizada", afirma.

Embora adotem pautas imediatas diferentes, uma pesquisa de opinião com manifestantes entre 2015 e 2016 apontou que pessoas dos dois grupos compartilham várias bandeiras em comum quando se trata da forma ideal de funcionamento do Estado.

O levantamento, por exemplo, mostrou que no protesto contra Dilma de agosto de 2015, 86,9% dos manifestantes defenderam uma educação totalmente financiada pelo governo e 74,3% favoreciam um sistema de saúde gratuito. Os números não eram muito inferiores em relação ao lado que defendia o governo Dilma Rousseff.

Recentemente, comentários de usuários de páginas de movimentos que defenderam o impeachment vêm registrando críticas à reforma da Previdência e à posição do governo Temer em relação à Lava Jato.  Uma pesquisa elaborada pela empresa Veto para o jornal El País no início do mês mostrou que vem crescendo a percepção negativa do governo Temer entre usuários de redes sociais que favoreceram a saída de Dilma.

Mas por que então os dois grupos parecem mostrar mais diferenças do que pontos em comum?

Polarização como obstáculo

Segundo Katharina Hofmann, vice-diretora da Fundação Friedrich Ebert no Brasil, a polarização ideológica que tomou conta do Brasil em 2014 impede qualquer aproximação entre os manifestantes. "O ambiente está muito radical", afirma.

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Para Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, os dois grupos estão sendo instrumentalizados pelas forças políticas. "Nos protestos de 2013, a sociedade civil se manifestou contra o Estado independente da matiz ideológica. Era uma rejeição à política. Os alvos estavam em todos os campos, no PSDB, PT, PMDB. Mas as forças políticas se reorganizaram e passaram a promover uma polarização para dividir a sociedade civil e instrumentalizar fatias daquele movimento a seu favor", opina.

Diante da polarização, tentativas de aproximação são rechaçadas com vigor. Em dezembro, no último protesto contra a corrupção, que escolheu o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), como alvo preferencial, membros do Vem Pra Rua, um dos movimentos que convocou os protestos, chegaram a sugerir que pessoas de esquerda seriam bem-vindas.

A iniciativa foi rechaçada por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), outra força organizadora, que são explícitos em afirmar não querer transformar os atos em um "Fora Temer". A avaliação é de que a queda do presidente poderia reforçar um eventual "Volta, Lula" e trazer os petistas de volta ao poder.

Do lado das manifestações de esquerda, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, afirmou em dezembro que seu grupo nunca vai caminhar ao lado do MBL.

Agendas paralelas

Segundo Ortellado, as lideranças de ambos os espectros também rechaçam os pontos de convergência para promover suas próprias agendas. No lado "contra a corrupção", o MBL promove paralelamente uma agenda de diminuição do papel de Estado, mesmo que pesquisas mostrem que a maioria dos manifestantes que atenderam às convocações não concorde com isso.

No lado da esquerda, o discurso contra as reformas também é acompanhando de atos de apoio ao ex-presidente Lula, o que, segundo Ortellado, acaba diminuindo a atração dessas manifestações por pessoas que não simpatizam com o ex-presidente e ao mesmo tempo se opõem às ações de Temer. Dessa forma, as lideranças de direita antipetistas podem pintar os manifestantes de esquerda como tolerantes com a corrupção. Já os organizadores simpáticos ao ex-presidente podem acusar os antipetistas de serem contra conquistas sociais.

O professor afirma que apenas o aparecimento de uma figura de consenso que consiga agregar as agendas em comum poderia eventualmente unir os manifestantes de ambos os movimentos e afastar as lideranças divisivas. "Mas isso não deve ocorrer tão cedo", pondera, apontando que a fase polarização está longe de passar e lembrando que os protestos de 2013 foram incapazes de produzir tais figuras.

Ortellado, no entanto, diz que podem ocorrer cisões localizadas nos movimentos ao longo do ano, especialmente em parte da liderança de direita dos protestos contra a corrupção. Eventualmente, alguns deles podem abraçar em separado uma posição direta mais hostil ao governo Temer: "De qualquer forma, mesmo que continuem paralelos, os movimentos contra a corrupção e contra as reformas colocam Temer na defensiva."

O alemão Gerhard Dilger aponta que, diante desse quadro, "vai ser necessário muito malabarismo discursivo para convencer uma população que não confia em seus políticos a aceitar a perda de tantos direitos de uma vez só".

 

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