O que Israel pretende com seu plano de "conquista de Gaza"
Tania Krämer
9 de maio de 2025
Operação "Carruagens de Gideão" prevê ocupação e transferência compulsória da população do território palestino. Críticos apontam que alguns pontos do plano são classificáveis como crime de guerra.
Operação militar israelense no sul da Faixa de GazaFoto: Leo Correa/AP/dpa/picture alliance
Anúncio
O gabinete de segurança de Israel aprovou por unanimidade, na segunda-feira (05/05), um plano para ampliar a ofensiva militar na Faixa de Gaza. Apelidado "Carruagens de Gideão", ele incluiria a "conquista de Gaza" e sua ocupação. Foi ainda aprovada a mobilização de dezenas de milhares de reservistas para a operação.
A julgar pelos detalhes divulgados, as Forças de Defesa Israelenses (FDI) vão invadir e assumir o controle de Gaza, transferir a população compulsoriamente para o sul do território, "desmantelar" o grupo terrorista palestino Hamas, libertar os reféns restantes do ataque de 7 de outubro de 2023, e – depois do início da operação – estabelecer um novo mecanismo de assistência humanitária.
Não se espera que os planos sejam inteiramente implementados antes de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ter visitado os Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita, em meados de maio. Até então, prosseguirão os esforços por um cessar-fogo e um acordo sobre os reféns, afirmou um funcionário de segurança israelense não identificado.
Segundo os relatos mais recentes, dos 251 reféns do 7 de Outubro, 59 ainda se encontram em Gaza, porém apenas 24 ainda vivos. Do lado palestino, o Ministério da Saúde registra mais de 52 mil vítimas da maciça campanha militar israelense, a maioria civis. Apesar de a instituição obedecer ao controle do Hamas, a maioria das agências internacionais considera suas estimativas confiáveis.
Crimes de guerra e contra a humanidade?
O porta-voz militar das FDI, Ephraim Defrin, confirmou que um componente central da operação é a transferência compulsória "da maioria da população da Faixa de Gaza". Não está claro o que acontecerá se os palestinos não puderem ou não quiserem sair.
Sob o direito internacional, o desalojamento forçado de civis durante um conflito armado constitui crime de guerra. Se praticado sistematicamente, o ato pode também contar como crime contra a humanidade.
Em seguida ao anúncio da decisão do gabinete, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu – que é procurado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra e contra a humanidade – postou na plataforma X que a população de Gaza "será transferida, para sua própria proteção".
Ataque sem precedentes a Israel abre novo conflito. E agora?
06:17
This browser does not support the video element.
Também na segunda-feira, um alto funcionário de segurança revelou à imprensa que as metas operacionais da nova ofensiva incluiriam um "programa de transferência voluntária" para os cidadãos alocados no sul. Aparentemente trata-se de uma referência à controversa proposta de Trump de os EUA assumirem a "propriedade" do território e enviarem a população de Gaza a países terceiros. Representantes das Nações Unidas qualificam a sugestão como "limpeza étnica".
Nos primeiros meses da guerra entre Israel e o Hamas, cerca de 90% dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza foram desalojados, em decorrência de "ordens de evacuação" militares, indo morar em barracas e casas improvisadas no centro e sul de Gaza. Após a entrada em vigor do cessar-fogo, em 19 de janeiro de 2025, centenas de milhares retornaram ao norte de faixa, só para encontrar seus lares demolidos ou seriamente danificados.
Destruição na cidade de Khan Yunis: ofensivas aéreas de Israel deixaram inabitáveis amplas áreas do território palestinoFoto: Hatem Khaled/REUTERS
"Parem de ter medo da palavra 'ocupação'"
De acordo como um alto funcionário israelense, ao contrário do ocorrido nos últimos meses, as forças armadas nacionais não planejam retirar-se em seguida às operações por terra, mas "ficarão em qualquer área que seja conquistada". Uma mensagem de vídeo de Netanyahu confirma essa intenção.
Há relatos de que as áreas capturadas seriam então integradas a uma zona-tampão, ou de segurança, ampliada, dentro de Gaza. Outros indicam que todo o território, de apenas cerca de 365 quilômetros quadrados, será ocupado.
Desde que, em março, Israel rompeu um cessar-fogo temporário de dois meses com o Hamas, retomando a ofensiva, as IDF expandiram suas "zonas de segurança" e transformaram o mapa da região. Além do corredor de Netzarim, que separa o norte de Gaza do sul, o recém-criado corredor de Morag se interpõe entre Khan Younis e Rafah. Ambos dividem agora a Faixa em três partes.
Segundo estimativas da ONU, desde que Israel retomou a ofensiva, uns 70% do território ou são parte de uma "zona vermelha", onde é necessário coordenação com os militares, ou estão sob "ordens de evacuação" – equivalentes a desalojamento – das forças armadas. Assim, centenas de milhares de palestinos estão constritos a um espaço cada vez mais estreito, enquanto prosseguem os bombardeios e ataques aéreos.
O ministro das Finanças Bezalel Smotrich, de extrema direita, disse que o público israelense deveria "parar de ter medo da palavra 'ocupação'". A repórteres da emissora de TV Channel 12, ele comentou: "Vamos finalmente ocupar a Faixa de Gaza."
Anúncio
"Táticas de pressão" inadmissíveis
Quanto ao novo mecanismo para distribuição de assistência humanitária aprovado pelo gabinete, os detalhes são vagos. Desde março, Tel Aviv não permite a entrada de qualquer tipo de ajuda, alimentos, material médico ou bens comerciais em Gaza.
Grande parte da população não encontra o suficiente para comer, nem tem como arcar com os preços dos alimentos, que dispararam. As agências humanitárias informam que a maior parte de seus estoques está esgotada, e o sistema humanitário, à beira do colapso, e acusam Israel de usar a carestia como arma de guerra. Autoridades das Nações Unidas advertem que instrumentalizar a fome é um crime de guerra.
Israel nega tal intenção, alegando que a finalidade de revisar a distribuição de ajuda em Gaza seria impedir que o Hamas desvie os bens para seus funcionários. Assim, o bloqueio humanitário será mantido até o início da ofensiva militar e "uma abrangente evacuação da população para o sul". Além disso, as FDI isolariam "uma área estéril em torno da Rafah", e todos que entrarem seriam "filtrados para evitar a presença de membros do Hamas".
Em fevereiro, organizações humanitárias acionaram os alarmes quanto às novas diretrizes propostas pelo órgão Coordenador de Atividades Governamentais nos Territórios (Cogat), subordinado ao Ministério da Defesa.
A "revisão" proposta inclui restringir os pontos de acesso a uma passagem de fronteira no sul, próxima ao Egito; transferir a ajuda a "polos" geridos por firmas de segurança particulares e supervisionadas pelos militares israelenses; e a necessidade de as ONGs serem aprovadas pelo Cogat antes de poderem operar na área.
As lideranças de todas as agências da ONU atuando em Gaza classificaram as condições do Cogat como "inaceitáveis". Em declaração conjunta, divulgada em 3 de maio, argumentaram que tais planos "contradizem princípios humanitários fundamentais e parece elaborada para reforçar o controle sobre itens vitais, como tática de pressão".
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.