Resultado do PIB não surpreende economistas, que apontam instabilidade política, queda de consumo, falta de reformas e problemas na Petrobras como causas. Previsões para 2016 não são otimistas.
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A divulgação do resultado do PIB não surpreendeu os economistas brasileiros. Os dados do IBGE mostram que a economia sofreu uma queda de 3,8% em 2015, o pior índice desde que a atual série histórica foi iniciada, em 1996.
Os números consolidaram um cenário de estagnação nos cinco anos de governo Dilma Rousseff. Com o último resultado, a média anual de crescimento dos anos Dilma chega a apenas 1%. O resultado negativo também anulou o crescimento dos últimos anos, fazendo com que a economia voltasse ao patamar registrado no início de 2011.
O PIB de 2015 chegou a 5,9 trilhões de reais. O PIB per capita, por sua vez, foi de 28.876 reais, o que aponta uma queda de 4,6% em relação aos dados de 2014.
Crise de confiança
Para o economista Julio Hegedus, da consultoria Lopes Filho & Associados, o número ficou dentro das previsões, que apontavam uma queda de até 4%. “Esse é o resultado de uma crise de confiança, queda de investimentos e de instabilidade política”, afirma.
Segundo Hegedus, a falta de articulação do próprio Planalto, somada à erosão da base do governo no Congresso, resultou num cenário de incapacidade em passar reformas que poderiam ter estancado um cenário tão negativo.
"O governo só conseguirá reverter esta onda de desconfiança geral se atacar o desequilíbrio fiscal de frente. Só que reformas e propostas como a CPMF, que poderiam trazer um pouco de alívio para as contas do governo, não parecem ter chance de passar com essa crise política. Então, o cenário ainda vai se manter", afirma. "Esses fatores foram decisivos para o resultado de 2015, e devem se repetir em 2016."
Já o economista Juan Jensen, professor do Insper, aponta que o escândalo de corrupção na Petrobras, revelado pela operação Lava Jato, também explica a queda tão acentuada: “Os investimentos no país caíram 14% em 2015. A crise na Petrobras, a maior investidora do país, impactou boa parte desse resultado. A operação também afetou grandes empreiteiras, que também respondiam por parte desses investimentos.”
Cálculos do Ministério da Fazenda divulgados em outubro já havia apontado a ligação entre a situação da Petrobras com os maus resultados da economia brasileira, indicando que ao menos dois pontos percentuais da retração do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 poderiam ser atribuídos aos problemas na estatal.
Outros números do PIB são reveladores. No setor de serviços, a retração foi de 2,7% em relação ao ano anterior. A Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP) avaliou a queda total como resultado "dos desajustes internos dos principais fundamentos econômicos e da demora do governo em adotar as medidas necessárias".
Na Indústria, o PIB da indústria caiu 6,2% em 2015, com resultado ainda pior na indústria da transformação, que mostrou retração de 9,7%. A queda se refletiu na participação do setor, que caiu pelo quinto ano consecutivo, chegando a 22%
Com menor ritmo da atividade industrial, consequentemente a arrecadação de impostos sobre o setor também se reduz, disse. A indústria perdeu participação do PIB pelo quinto ano seguido, chegando a 22,7% no ano passado.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
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Para Jensen, o resultado da indústria foi afetado pela queda de consumo. “Até ano passado, uma série de tarifas estavam defasadas, mas elas foram finalmente reajustadas. Só a energia aumentou 60%. Isso teve impacto direto no poder de consumo e deixou menos renda para as famílias.”
A chefe da Coordenação de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, também apontou a relação entre queda de poder aquisitivo e os maus resultados da indústria. “Em época de inflação alta, o consumidor não pode parar de comprar alimentos, mas substitui por produtos mais baratos, ou compra menos.”
Previsões sombrias
As previsões para 2016 são ruins. Diferentes agências e economistas estimam que o PIB deve sofrer uma nova queda neste ano. O Banco Central estima que a queda será de 3,45%. Se isso se confirmar, será a primeira vez desde 1930-1931 – quando o Brasil sentia os efeitos da grande depressão provocada pelo crash da Bolsa de Nova York e os efeitos da revolução de 30 – que o país vai registrar queda no PIB por dois anos seguidos. Uma leve recuperação só deve ocorrer a partir de 2017, quando o país deve crescer 0,5%, segundo o BC.
Em um ranking de crescimento de 32 países, a agência classificadora de risco brasileira Austin Rating situou o Brasil na 30° posição, apenas à frente da Venezuela (que sofre com os desmandos do chavismo) e da Ucrânia (que passa por uma situação de guerra civil no leste do seu território). A agência estima que a queda em 2016 deve ser de 2,9%.
O economista Jansen aponta que as receitas para a saída são bem conhecidas, mas que é a “estabilidade política é fundamental”.
“Veja só o caso da Argentina, um país com os mesmos problemas do Brasil, com contas públicas deterioradas e inflação. O novo presidente começou em pouco tempo a implementar as reformas necessárias para tentar recuperar a confiança. Já no Brasil há muito debate e pouca ação”, afirma.