Após 16 anos, Merkel se despede do cargo de chanceler federal da Alemanha. Sua situação financeira está garantida, mas será que ela vai conseguir parar?
Merkel gosta de preparar bolo de ameixa com cobertura de farofa doce e sopa de batata, prato típico durante os meses mais frios na Alemanha. Mas, além de ter mais tempo para cozinhar, o que a longeva chanceler federal alemã – que chegou à capa da revista Time como a mulher mais poderosa do mundo – vai fazer quando se aposentar?
Em julho, durante uma visita a Washington, Angela Merkel foi questionada sobre como imagina sua aposentadoria. Embora tivesse respondido evasivamente em outras ocasiões, dessa vez ela deixou claro que primeiramente faria uma pausa e não aceitaria convites. Ela precisaria se acostumar ao fato de que suas tarefas anteriores "agora estão sendo feitas por outra pessoa". Porém acrescentou: "Acho que vou gostar."
No tempo livre que vai ganhar, ela pretende refletir sobre "o que realmente me interessa" – coisa para que teve pouco tempo, nos últimos 16 anos. Com um sorriso maroto, a chanceler federal alemã, que na época da pergunta acabara de receber o título de doutora honoris causa da Universidade Johns Hopkins, acrescentou: "Depois, talvez eu tente ler algo, aí os meus olhos vão se fechar, porque estou cansada. Depois vou dormir um pouco, e depois vamos ver onde reapareço."
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Merkel na ficção
Um artista fotográfico e um autor de romances policiais já predisseram o futuro: Andreas Mühe fotografou uma dublê da chanceler alemã em poses que irradiam tranquilidade, até mesmo solidão, e fez uma exposição a partir dela. O romancista policial David Safier, por outro lado, acredita que Merkel se aborrecerá rapidamente sem sua agenda hoje abarrotada.
Merkel deixa saudade e lacuna na liderança da UE
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No romance policial humorístico Miss Merkel – Assassinato na Uckermark, ele a retrata lutando com a vida tranquila do campo, depois de se mudar para sua casa de férias em Brandemburgo. Só fazer caminhadas e assar bolos? Baseado nos thrillers da detetive amadora britânica Miss Marple, da autoria de Agatha Christie, Safier faz Merkel tropeçar num caso de assassinato e se empenhar como ávida investigadora.
Trata-se de um livro humorístico, cuja questão central é, no entanto, justificada. Alguém que, há décadas, esteve ocupado de cedo pela manhã até tarde da noite e que tem tamanha responsabilidade, consegue relaxar da noite para o dia? "Em geral, a gente só percebe do que sente falta quando não o tem mais", disse Angela Merkel recentemente em Berlim.
Garantia financeira
Em 17 de julho último, Angela Merkel completou 67 anos. Sob o aspecto financeiro, ela não tem com que se preocupar. Atualmente ganha 25 mil euros por mês como chanceler federal alemã. Além disso, tem direito a pouco mais de 10 mil euros como deputada do Bundestag, do qual é membro há mais de 30 anos. Quando deixar de trabalhar, ela continuará recebendo seu salário por mais três meses e, depois, metade dele como subsídio transitório, por um máximo de 21 meses.
Para a pensão subsequente, entram no cálculo uma série de fatores, como seus mandatos como chanceler federal, ministra e deputada federal. O valor é calculado com precisão de cinco casas decimais, com base numa lei de 1953. Chefes de governo no cargo por pelo menos quatro anos têm direito a 27,74% da última renda. Cada ano adicional no cargo aumenta os rendimentos em 2,39167%, até um máximo de 71,75%.
Assim, Angela Merkel pode esperar uma pensão de cerca de 15 mil euros por mês, tendo também direito a proteção pessoal e a um carro com motorista, para o resto de sua vida. Além disso, terá um escritório dentro do Parlamento em Berlim, com dois assistentes e uma secretária.
Segunda carreira na economia?
Mesmo que ex-membros do governo sejam obrigados por lei a manter a confidencialidade, eles são bem-vindos no mundo dos negócios tanto como conselheiros como por seus enormes contatos políticos. Alguns dos antecessores de Angela Merkel seguiram carreira na economia.
Helmut Schmidt (mandato de 1974 a 1982) tornou-se editor do jornal semanal Die Zeit em 1982, e era um orador muito aplaudido. Numa entrevista em 2012, revelou: "Não dou palestras por menos de 15 mil dólares."
Os ex-chanceleres federais Helmut Kohl (1982-1998) e Gerhard Schröder (1998-2005) também souberam transformar seu passado político e sua celebridade em dinheiro. Kohl fundou uma empresa de consultoria política e estratégica, com a qual ganhava muito bem como lobista e consultor.
Gerhard Schröder sofreu críticas quando, em 2005, apenas alguns meses após deixar o governo, se colocou a serviço da empresa de gasodutos Nord Stream, uma subsidiária da russa Gazprom. Em seu governo, havia feito campanha para o gasoduto.
Nesse ínterim estipulou-se por lei que, antes de assumirem um cargo no mundo dos negócios, ex-membros do governo devem questionar a Chancelaria Federal se suas atividades "prejudicariam os interesses públicos". Uma comissão de ética aconselha o governo, que em caso de dúvida pode impor um período de espera de até 18 meses.
Até agora, Merkel não se pronunciou se assumiria um novo cargo ou posto honorário. É provável que pelo menos por algum tempo ela permaneça em Berlim. Seu marido, o químico quântico Joachim Sauer, ainda não pensa em parar de trabalhar. Embora seja professor emérito na Universidade Humboldt em Berlim, aos 72 anos ele estendeu seu contrato como pesquisador-chefe até 2022.
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Após sua publicação inicial, este texto foi atualizado pela última vez em 8 de dezembro de 2021.
Angela Merkel retratada por artistas
Seja capturada em óleo ou como grafite, as várias abordagens artísticas provam a relevância e poder da chefe de governo conservadora, mesmo além das fronteiras da Alemanha.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/G. Georgiou
Em diálogo
Estudantes de arte búlgaros decoraram paredes de casas da vila de Staro Zhelezare inicialmente com retratos dos habitantes. Mais tarde, foram acrescentados políticos que parecem estar em diálogo com os locais, como aqui a chanceler federal alemã. Entrementes, as paredes também são pintadas com cópias de obras de arte do Museu de Arte Moderna de Nova York.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/H. Rusev
Arte de rua política
A arte começa na rua: na tradição dos "murales" − murais sul-americanos com mensagem política −, o artista de rua italiano Jupiterfab retratou, no muro de uma casa em Atenas, Angela Merkel em estreito contato com o ex-primeiro ministro grego Alexis Tsipras.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/G. Georgiou
Pinturas a óleo satíricas
A arte política também pode exibida em museu. Aqui, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, usando um chapéu como os de Napoleão, está sentado no colo de Angela Merkel nua. O artista e satirista britânico Kaya Mar (também na foto) retratou figoras como Theresa May, Donald Trump e o papa em contextos críticos.
Foto: picture-alliance/Photoshot/B. Strenske
Heroína humanitária
"Conhecemos muitas fotos dela em que parece bastante vazia e fria, mas eu queria ir além disso e retratar sua atitude humanitária", disse o artista norte-irlandês Colin Davidson em 2015, sobre seu retrato de Merkel mais tarde estampado na capa da revista "Time", por ocasião da escolha dela como "personalidade do ano", em parte por causa de seu posicionamento humanitário na crise dos refugiados.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Time Magazine
Ícone pop
A artista americana Elizabeth Peyton pintou um retrato da chanceler federal alemã para a revista de moda "Vogue" em 2017. Em sua representação estilizada, Merkel parece uma jovem. Peyton pinta retratos em formato pequeno de estrelas pop, e figuras históricas e contemporâneas das monarquias europeias, geralmente com pele clara e traços faciais finos.
Foto: Elizabeth Peyton
Na Coleção Federal de Arte
Arte que pertence a todos é o que busca a Coleção Federal de Arte (Bundeskunstsammlung), que desde 1970 coleciona arte alemã do pós-guerra, abordando temas como apropriação cultural, simbolismo de poder e questões de pertencimento nacional. Denominado "Sem título (A Ilha)", este desenho de Merkel, com boca vermelha e olhar crítico, foi feito pelo pintor holandês Erik van Lieshout em 2015.
Foto: Erik van Lieshout
Bush pinta Merkel
Não só artistas famosos, mas também pintores amadores retrataram Merkel. Um dos mais conhecidos foi o ex-presidente americano George W. Bush. Orgulhoso de sua arte, ele já pintou mais de 30 líderes políticos mundiais.
Foto: picture-alliance/dpa/L. W. Smith
Uma entre muitos
Há também numerosas de esculturas de Merkel, algumas polêmicas, como "Cidadania europeia", de Alexander Nikolic e Michael Kalivoda, que mostra Merkel defecando. Provocadora também é a série "Global Players", de Peter Lenk, mostrando a líder conservadora nua. Comparativamente bem comportada é a instalação "Transit", de Georg Korner, em que Merkel é uma entre 2.600 figuras.
Foto: Courtesy Georg Korner
O peso do cargo
A fotógrafa Herlinde Koelbl imortalizou Merkel em sua série "Traços do poder", como já fizera antes com o também chanceler federal Gerhard Schröder e e seu vice, Joschka Fischer. Em seu estudo de longo prazo, que examina a "transformação da pessoa através do cargo", Koelbl fotografou e entrevistou 15 personalidades da política e dos negócios, ao longo de anos. Na foto, Merkel em 1991 e 2006.
Foto: Herlinde Koelbl
Garota-propaganda para hipsters
Em sua série de fotos "Hipstory", o ilustrador israelense Amit Shimoni apresenta os poderosos e influentes como jovens hipsters. Na foto, uma série em com o ex-chefe de governo alemão Konrad Adenauer, o primeiro presidente dos EUA, George Washington, Merkel usando batom preto e vermelho, chapéu, casaco preto e piercing no nariz e, ao seu lado, o ex-presidente Barack Obama de dreadlocks.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Vítima de violência de gênero
Uma foto manipulada, em que Angela Merkel aparece com contusões e cicatrizes, integrou a campanha de arte de rua "Só porque sou mulher", do artista italiano AleXsandro Palombo. Espalhada pelo centro de Milão, em 2020. a série retratava personalidades femininas mundiais como vítimas da violência de gênero.
Foto: Antonio Calanni/AP Photo/picture alliance
No teatro musical
A atriz Annelinde Bruijs se apresenta como Europa durante um ensaio fotográfico para a peça "Merkel" no palco do Teatro Kikker. O coletivo de teatro holandês Nineties escreveu e produziu o retrato musical da chefe de governo alemã, Angela Merkel. A coprodução com a renomada companhia de teatro musical holandesa Orkater estreou em Utrecht em março de 2019.
O refugiado afegão Farhad Nouri, de dez anos, é conhecido como o pequeno Picasso, por sua precoce aptidão para o desenho. Na Sérvia, onde sua família se refugiou, ele passa os dias desenhando personalidades mundiais como Angela Merkel, Salvador Dali e Pablo Picasso.
Foto: picture-alliance/Pixsell/S. Ilic
Como personagem infantil
Merkel com cabelos e manta no pescoço lembrando a popular figura Píppi Meiaslongas, de Astrid Lindgren. A obra de Galina Schierholz fez parte da exposição "Retratos da chanceler federal − Leitores pintam Angela Merkel". A mostra com 80 obras foi uma campanha do jornal "Bild" por ocasião dos 60 anos da líder, em 2014.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Welz
Festa para os caricaturistas
Modelo nato para caricaturas, ao longo dos anos, os desenhistas apenas tiveram de acrescentar algumas rugas em volta dos olhos e da boca de Angela Merkel. A enorme quantidade de ridicularizações e deturpações que cartunistas de todo o mundo lhe dedicaram só confirma sua importância. Afinal, durante anos ela ocupou o primeiro lugar na lista das 100 mulheres mais poderosas do mundo.