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O que move os eleitores de Bolsonaro?

Maurício Frighetto de Florianópolis
23 de outubro de 2018

Santa Catarina, o estado que em 2002 concedeu a maior votação proporcional a Lula, hoje está na crista da onda bolsonarista. E oferece um retrato da complexidade de seu eleitorado na eleição 2018.

O desejo de mudança é um dos principais argumentos usados por bolsonaristas: os motivos, porém, são distintos
O desejo de mudança nas eleições 2018 é um dos principais argumentos usados por bolsonaristas: os motivos, porém, são distintosFoto: Getty Images/AFP/C. De Souza

"Precisamos de mudança." "Chega de PT e de corrupção." "O Brasil está numa situação econômica terrível." "Ele vai combater a criminalidade com leis mais duras." "Ele é temente a Deus e a favor da família." Esses são alguns motivos apresentados por eleitores de Santa Catarina para explicar por que concederam, no primeiro turno, a maior votação proporcional do país ao candidato Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL).

Santa Catarina está na crista da onda Bolsonaro: foram 65,82% dos votos, contra 15,13% para Fernando Haddad, do PT. Dos 295 municípios do estado, 223 elegeriam Bolsonaro no primeiro turno. O estado, portanto, é um local propício para tentar entender os motivos que fizeram o eleitor optar pelo voto no 17. 

Nas ruas do Morro do Horácio, na periferia de Florianópolis, não parece existir campanha política. Não há bandeiras de partidos ou adesivos de candidatos espalhados pelo bairro. Muitos moradores relatam desilusão com a política e sequer querem conversar. Rosemi Dal Soto, de 56 anos, é uma das poucas moradoras a dizer o que pensa. "Precisamos de mudança. Chega de PT e de corrupção. Pagamos impostos demais. Acredito que isso vai mudar com o Bolsonaro", diz.

O desejo de mudança é um dos principais argumentos usados para justificar a escolha do PSL, quase sempre acompanhado da crítica ao PT e à corrupção. "A característica mais importante do fenômeno Bolsonaro é a politização da antipolítica. Ele captura bem o sentimento de negação, de frustração com a política", avalia a pesquisadora Esther Solano, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que estuda os eleitores de Bolsonaro desde 2017. "Ele se apresenta – obviamente que isso é uma questão de marketing – como uma figura nova, como um outsider, antissistema", avalia a pesquisadora. O candidato do PSL é deputado há 27 anos.

Se Santa Catarina se tornou o estado brasileiro mais pró-Bolsonaro no primeiro turno, Treze de Maio, no sul do estado, conquistou o posto de capital nacional. O município agrícola de pouco mais de 7 mil habitantes teve a maior votação proporcional do país para o candidato: 83,89%, contra 7,2% de Haddad.

Apaixonado por armas, o representante comercial Iter Bez Fontana, de 32 anos, participa do grupo de WhatsApp Atiradores de Elite, que se transformou em "Jair Bolsonaro". "Votei no Bolsonaro, em primeiro lugar, porque ele é temente a Deus e a favor da família." Fontana, que é casado e tem um filho, considera um dos principais problemas do Brasil o que chama de ideologia de gênero. Na visão dele, o ensino sobre educação sexual e igualdade de gênero não deve ser feito nas escolas, mas pelos pais.  

Vários entrevistados citaram como argumento que Bolsonaro é um homem de Deus e a favor da família. E, muitas vezes, completaram com críticas às questões de gênero e à sexualidade, em geral, e ao kit gay, em particular. No dia 16 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mandou Bolsonaro remover vídeos sobre o kit gay da redes sociais por serem falsos. Voltado para formação de educadores no âmbito do projeto Escola sem Homofobia, o material nunca foi distribuído.

Na sua pesquisa, Solano evidenciou uma forte reação dos eleitores de Bolsonaro a mudanças de costumes. "Há uma reação muito grande aos avanços no campo progressista, do ponto de vista dos costumes, dos avanços sociais, dos movimentos identitários, como o movimento negro, LGBT e feminista. Há uma reação em torno desse tipo de valores, no sentido de retomar os valores da família tradicional, os valores cristãos e religiosos", afirma.

No outro extremo ideológico do estado está Entre Rios, cidade do Oeste com pouco mais de 4 mil habitantes. Lá Haddad recebeu 65,63% dos votos, contra 21,55% de Bolsonaro. A servidora pública Adriani Maria Biasi, de 36 anos, foi na contramão da maioria dos moradores da cidade. Para ela, o candidato do PSL representa, sobretudo, o respeito às tradições e à ordem. "Ou ele muda ou ele vai entregar para os militares. Se ele não der conta, que entre alguém acima dele que coloque ordem no Brasil. Porque desse jeito não dá, é só corrupção", declara.

Uma das principais críticas a Bolsonaro são as declarações de apoio à ditadura militar. Na votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, o deputado homenageou Carlos Alberto Brilhante Ustra, que dirigiu um centro de tortura durante o regime militar. Alguns eleitores parecem não se importar com isso ou até consideram um golpe militar como solução.

Solano vê nisso uma reinterpretação do período histórico, tido por essas pessoas como mais seguro e mais disciplinado. "Como é um período da história que não foi de fato fechado, não teve culpabilização, julgamentos, não foi colocado o dedo na ferida, isso possibilita que, de fato, a ditadura seja uma lembrança possível", comenta.

Em 2002, Santa Catarina concedeu a maior votação proporcional a Lula no primeiro turno. Desde então votou contra o PT. Nas últimas eleições, o candidato Aécio Neves, do PSDB, obteve a maior votação proporcional nos dois turnos. Para o sociólogo Jean Gabriel Castro da Costa, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o que faz o eleitor catarinense optar por Bolsonaro é o sentimento contra o sistema político e a corrupção. Mas por que Santa Catarina está na crista dessa onda?

Na avaliação do pesquisador, em Santa Catarina não há fortes contrapesos a esse sentimento. "Um deles seria o Bolsa Família, que tem um peso maior no Nordeste. Santa Catarina é o estado em que a percentagem de famílias que ganham o benefício é a menor do país. Podemos dizer que o eleitorado daqui é o que menos depende do Estado em vários sentidos, por causa da tradição de pequenas e médias propriedades rurais, do cooperativismo, dos serviços", avalia. Além disso, o PT não é tão forte como em outros estados. 

Alguns entrevistados, sobretudo mais jovens, dizem que se descobriram de direita ao refletir sobre o assunto. Murilo Coelho, de 21 anos, e Luiz Henrique Santos, de 24 anos, são dois estudantes de agronomia da UFSC que participam do movimento Direita Santa Catarina (DSC), cujo objetivo é apoiar o conservadorismo social e o liberalismo econômico.

"Voto no Bolsonaro, primeiro de tudo, para resgatar os valores, os bons costumes, manter a família tradicional, pelo direito à vida, contra o aborto",  afirma Murilo. "Vejo muita coragem em Bolsonaro em bater na tecla de segurança pública. A maioria da população já teve problemas em ter sido assaltado, ter sido vítima de algum ato de covardia", complementa Santos.

Na quinta-feira passada (17/10) passada em Florianópolis, foi inaugurado o comitê de campanha de Bolsonaro e do Comandante Moisés, candidato a governador pelo PSL. Quarto colocado nas pesquisas, ele chegou ao segundo turno ligeiramente atrás de Gelson Merísio (PSD), que também declarou apoio a Bolsonaro. Almira Lima Lopes, de 61 anos, estranhou o fato de ser uma das poucas mulheres no local. A grande maioria também era de brancos, ao contrário dela e do filho Marco Aurélio Júnior, de 39 anos.

Apesar de a família estar em peso a favor de Bolsonaro, há discussões. "Comecei a postar coisas do Bolsonaro no Facebook, e uma sobrinha, que entrou na universidade e se transformou, começou a reclamar. 'Tia, você é mulher e negra e vai votar no Bolsonaro?' É justamente por ser mulher e negra que voto no Bolsonaro", justifica. Tanto ela como o filho alegam que racismo e machismo já existem e avaliam que as críticas a Bolsonaro nessas questões derivam de uma falta de entendimento do seu jeito espontâneo de falar.

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