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O que o Acordo de Paris significa para o Brasil?

Érika Kokay15 de dezembro de 2015

Para especialistas ouvidos pela DW, compromisso climático brasileiro com a ONU é ambicioso e fácil de ser atingido. Ao mesmo tempo, é incompatível com pacto universal firmado na COP21 contra aquecimento global.

Desmatamento na Amazônia: maior fonte de emissão de gases de efeito estufa no paísFoto: picture-alliance/AP Photo/A. Penner

O Brasil teve um papel importante nas negociações da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP21). Mas as metas brasileiras, apesar de ambiciosas, são insuficientes para cumprir o acordo universal firmado no último sábado (12/12), em Paris, avaliam especialistas ouvidos pela DW Brasil.

O Acordo de Paris, que entrará em vigor até 2020, tem como objetivo limitar a elevação da temperatura a "bem abaixo" de 2ºC em relação ao nível pré-industrial e "perseguir esforços para limitar o aumento a 1,5ºC". Para isso, os países se comprometeram em reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos, com planos nacionais descritos nas chamadas INDCs (sigla em inglês para Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas).

Apresentada em setembro pela presidente Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU, a promessa do Brasil – um dos dez maiores emissores do mundo – inclui uma redução de 37% nas emissões até 2025, e de 43% até 2030, com base nos níveis registrados em 2005.

"É um plano ambicioso e tem a direção correta, porque coloca uma meta de redução absoluta. Isso serve de exemplo a outros países", diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. "Mas o nível de redução é insuficiente. É possível fazer muito mais."

Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, concorda. "O plano já era fraco antes do Acordo de Paris. Com o acordo, ele ficou com uma cara ainda mais enfraquecida", afirma o especialista, acrescentando que o país se encontra hoje na contramão de alguns dos pontos positivos do pacto firmado na COP21.

Um exemplo é o reconhecimento dos direitos indígenas pelo Acordo de Paris, algo "inédito em negociações desse tipo". Para Astrini, "no Brasil, os índios vivem em seu pior momento na relação com os poderes Executivo e Legislativo". "Querem fazer mineração em suas terras. Inundá-las com hidrelétricas. Nunca tiveram seus direitos tão ameaçados", afirma.

Desmatamento

Para os especialistas, as metas brasileiras devem ser revistas ainda em outro fator: o do desmatamento, que hoje é a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa no país.

Na INDC, o governo se compromete a pôr fim no desmatamento ilegal até 2030. Para Rittl, "esse prazo é incompatível com a emergência climática". "É inaceitável que o país viva por 15 anos com ilegalidades na questão florestal. Não podemos basear nossas metas em cumprir a lei somente daqui a 15 anos", acrescenta Astrini.

Segundo Maureen Santos, coordenadora de justiça socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil, não é só o desmatamento ilegal que deveria preocupar as autoridades. "Com o Novo Código Florestal Brasileiro [lei de 2012], foi aprovada uma forma de desmatamento legal, que também é muito preocupante."

O coordenador do Greenpeace concorda que, para combater as mudanças climáticas mais efetivamente, seria essencial uma "política de desmatamento zero". "Acabar de vez com o desmatamento no Brasil é a forma mais prática de diminuir emissões."

Fontes renováveis

Outra contradição entre os rumos brasileiros e o Acordo de Paris está na energia limpa. Segundo os especialistas, o pacto global, ao limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC, decretou o fim da era dos combustíveis fósseis. "Enquanto isso, o Brasil prevê[no Plano Decenal de Expansão de Energia] que 70% dos investimentos energéticos nos próximos dez anos sejam destinados a esses combustíveis. Isso é contraditório", explica Astrini.

Na última década, as emissões de gases poluentes a partir da queima de combustíveis fósseis saltaram de 16% para 37% do total de emissões no país.

Nas metas apresentadas à ONU, o Brasil se compromete a atingir, em 2030, uma cota de 45% de fontes renováveis na matriz energética. Astrini diz que, nesse ponto, há pouca ambição na INDC brasileira, uma vez que o país já está perto desse percentual – segundo o Ministério de Minas e Energia, fontes renováveis tiveram uma participação de 39,4% na matriz de 2014.

Para o coordenador do Greenpeace, uma grande mudança na produção energética se faz necessária para reduzir os impactos do aquecimento global no país. "Precisamos investir na energia eólica e, principalmente, na solar. Somos um dos países com mais capacidade de produzir energia pelo sol, mas simplesmente ignoramos essa técnica", diz ele.

Papel de destaque em Paris

Segundo os especialistas, independente das metas brasileiras, a COP21 mostrou a capacidade de liderança do Brasil em debates ambientais multilaterais. "Isso ficou muito bem referendado com a participação expressiva da ministra Izabella Teixeira[do Meio Ambiente]", afirma Maureen Santos, que esteve em Paris acompanhando a conferência.

Ao lado da ministra de Relações Exteriores de Cingapura, Vivian Balakrishnan, Teixeira atuou decisivamente junto às demais nações para comandar as negociações na área de diferenciação – ou seja, qual o peso e a responsabilidade de países ricos e pobres nesse esforço mundial para conter as mudanças climáticas.

Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, teve participação expressiva na COP21Foto: DW/N. Pontes

Ao fim das negociações em Paris, a ministra afirmou que o Brasil ficou muito satisfeito com o resultado. "O acordo reflete todas as posições que o governo brasileiro defendeu. Nós estamos exaustos, mas satisfeitos. Não é um acordo trivial", diz Teixeira, em nota.

Mais importante que o papel exercido pelo Brasil no debate é "o que será feito da porta da conferência para fora", diz Astrini, do Greenpeace. "Agora temos um acordo mundial. Uma visão de que as coisas precisam mudar. Isso vai colocar mais pressão no governo para uma mudança nos rumos da área ambiental."

Para Rittl, do Observatório do Clima, as mudanças climáticas no Brasil precisam ser tratadas "dentro de estratégias de desenvolvimento, e não mais como um assunto de segunda ou terceira importância". "A questão ambiental deve se tornar balizadora dos investimentos. Todos os setores devem se ajustar", explica ele.

Segundo o especialista, a sociedade civil também tem um papel importante nessa luta contra o aquecimento global. "A oportunidade que temos saindo de Paris é abrir um amplo diálogo e debate na sociedade brasileira sobre que caminhos de desenvolvimento seguir. Precisamos cobrar o governo para que coloque na mesa novos compromissos, compatíveis com o Acordo."

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