O que pensam os ucranianos sobre o plano de paz de Trump
Lilia Rzheutska
1 de maio de 2025
Presidente dos EUA pressiona Ucrânia a fazer grandes concessões para encerrar a guerra com a Rússia. Muitos no país, porém, rejeitam a proposta de Washington. O que dizem os analistas sobre o plano de paz americano?
A plataforma de notícias Axios e outros veículos de imprensa ocidentais relatam que o plano de paz americano pressupõe o reconhecimento pelos EUA do controle de direito de Moscou sobre a Península da Crimeia – anexada ilegalmente pela Rússia em 2014 –, bem como da ocupação de fato por Moscou de partes das regiões ucranianas de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporíjia.
A proposta de Trump também inclui a promessa de que a Ucrânia não se tornará membro da Otan, mas poderá, possivelmente, ingressar na União Europeia (UE). Também prevê a suspensão de sanções impostas à Rússia desde 2014, bem como o fortalecimento da cooperação econômica com os EUA, especialmente nos setores de energia e industrial.
De acordo com a Axios, o plano de Trump inclui o congelamento das linhas de frente ucranianas e a concessão de garantias de segurança a Kiev. Até o momento, porém, não foram divulgados detalhes sobre o significado dessas garantias. A proposta prevê a devolução de uma pequena parte da região de Kharkiv, ocupada pela Rússia, à Ucrânia, além de passagem livre ao longo do rio Dnipro, que corre através da linha de frente sul da Ucrânia.
Quando a imprensa revelou os detalhes do plano de Trump, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, reagiu dizendo que seu país não reconheceria a ocupação russa da Crimeia. A vice-primeira-ministra e ministra da Economia da Ucrânia, Yulia Svyrydenko, escreveu nas redes sociais que "a Ucrânia está pronta para negociações, mas não para se render". Trump, por sua vez, disse que o comentário de Zelenski sobre a Crimeia "complicou" as negociações e que a Ucrânia enfrenta uma situação "terrível".
Qual é a situação atual da Ucrânia?
Serhii Kuzan, que dirige o think tank Centro Ucraniano para Segurança e Cooperação, disse à DW que as perspectivas para a Ucrânia não são tão ruins quanto Trump imagina. "As Forças Armadas ucranianas estão obtendo sucessos táticos em certos setores da frente de batalha, a indústria de armamentos do país está crescendo e os parceiros europeus da Ucrânia a apoiam ainda mais. Nossa situação está muito melhor do que há um ano."
Mesmo assim, Kuzan admitiu que a Rússia também obteve sucessos táticos no campo de batalha, fez alguns avanços e capturou algumas pequenas cidades ucranianas no leste do país. No entanto, nada disso, segundo Kuzan, tinha importância estratégica.
"As alegações russas de que nossa defesa está entrando em colapso e que eles ocuparão toda a Ucrânia são ilusórias", disse Kuzan à DW. "Eles simplesmente não têm reservas para isso."
Hanna Shelest, do think tank ucraniano Prism, acredita que, sempre que o enviado especial do presidente americano Trump, Steve Witkoff, retorna de Moscou, ele o faz com uma "versão russa da realidade", segundo a qual a Rússia é mais forte e pode continuar a guerra por mais tempo do que a Ucrânia, que supostamente é fraca e da qual ninguém necessitaria.
"É por isso que Trump está firmemente convencido de que está fazendo algo de bom pela Ucrânia", disse Shelest à DW. Por esse mesmo motivo, ela pede a qualquer pessoa que visite a Casa Branca e se encontre com Trump que explique a ele a perspectiva da Ucrânia.
Anúncio
O que o futuro reserva para a Ucrânia?
Observadores concordam que as propostas de Trump para reconhecer legalmente a Crimeia como território russo serão amplamente rejeitadas. A situação é ainda mais complicada quando se trata de impedir a Ucrânia de ingressar na Otan.
"Será exercida pressão sobre a Ucrânia para dissuadi-la de ingressar na Otan", disse Shelest à DW. "Seria melhor para nós que essa questão permanecesse em aberto. Se não fosse declarado claramente que a Ucrânia tem o direito de ingressar na Otan, então poder-se-ia prometer extraoficialmente a adesão da Ucrânia, o que não aconteceria imediatamente. A situação política em Washington e Moscou, afinal, também pode mudar em algum momento."
O cientista político ucraniano Volodimir Fesenko, por sua vez, acredita que os EUA estão no caminho errado ao pressionar a Ucrânia a fazer concessões significativas. Ao mesmo tempo, Washington acomoda os interesses da Rússia, embora ambas as partes no conflito pareçam igualmente fortes na linha de frente, diz Fesenko, independentemente do que Trump possa pensar.
Como os EUA não conseguiram até agora forçar a Ucrânia a um acordo de paz desfavorável, é possível que Washington tente interromper as negociações até que surja um momento mais favorável, diz Fesenko. "Isso é ruim para nós, mas definitivamente não é pior do que reconhecer a Crimeia como russa, porque o que se seguiria seria ainda mais grave; [envolvendo] mais regiões e demandas."
O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, por sua vez, disse à emissora britânica BBC que a Ucrânia pode precisar ceder território. "Há muita discussão sobre um possível acordo", afirmou. "Um dos cenários é a cessão de território. Isso é injusto. Mas, em nome da paz, uma paz temporária, esta talvez possa ser uma solução temporária."
Klitschko também disse que Zelenski pode ser "forçado a tomar uma decisão dolorosa", à medida que Trump aumenta a pressão sobre a Ucrânia.
Guerra na Ucrânia completa três anos
Resistência militar, milhões de refugiados, milhares de mortes e o medo da retirada dos EUA: uma retrospectiva do drama no país do Leste Europeu desde a invasão russa em fevereiro de 2022.
Foto: Narciso Contreras/Anadolu/picture alliance
Exército russo se posiciona
Imagens de satélite mostram tanques e tropas russas em Yelnya, na Rússia, perto da fronteira com a Ucrânia. Em 11 de novembro de 2021, o então secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, alertou o presidente russo, Vladimir Putin, sobre os riscos que resultariam caso suas tropas invadissem a Ucrânia. Putin ignorou os alertas e ordenou a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.
Foto: Maxar Technologies/AFP
Invasão da Ucrânia
A ofensiva militar russa contra a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 resultou em ataques com mísseis nas cidades de Kiev, Odessa e Kharkiv. Um prédio militar foi incendiado na capital ucraniana. A guerra, chamada por Moscou de "operação militar especial", havia começado.
Foto: Efrem Lukatsky/AP Photo/picture alliance
O trauma de Bucha
Após algumas semanas, o exército ucraniano expulsou tropas russas das cidades do norte e do nordeste. O plano das forças de ocupação de cercar Kiev fracassou. As atrocidades cometidas pelos militares russos foram reveladas durante a libertação dos territórios. As imagens de civis torturados e mortos em Bucha, perto de Kiev, deram a volta ao mundo. Autoridades registraram 461 mortes.
Foto: Serhii Nuzhnenko/AP Photo/picture alliance
Vida em ruínas
Nos planos de Moscou, a invasão deveria durar três dias e terminar em vitória. De acordo com o Instituto para o Estudo de Guerra, o Kremlin agora controla 20% do território ucraniano, principalmente no leste.
Foto: Sofiia Gatilova/REUTERS
Eleições nos territórios ocupados pela Rússia
Desde setembro de 2022, a Rússia anexou as regiões de Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson. Um ano depois, Moscou realizou eleições nas mesmas regiões. O partido Rússia Unida saiu vitorioso em todas as votações, apontadas amplamente como fraudulentas.
Foto: Alexander Ermochenko/REUTERS
Nove milhões em fuga
A guerra na Ucrânia provocou uma onda de refugiados na Europa sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com a ONU, 3,7 milhões de ucranianos estão internamente deslocadas no país. Outros seis milhões fugiram da Ucrânia, e a maioria foi acolhida pela Polônia e Alemanha.
Foto: Hannibal Hanschke/Getty Images
Mariupol, símbolo da resistência ucraniana
O cerco à cidade de Mariupol, no sul da Ucrânia, durou 82 dias. A cidade foi fortemente bombardeada e os últimos defensores ucranianos se entrincheiraram na siderúrgica de Azovstal. A foto de uma mulher grávida sendo retirada da maternidade deu a volta ao mundo.
Foto: Evgeniy Maloletka/AP/dpa/picture alliance
Ponte da Crimeia em chamas
Com 19 quilômetros de comprimento, a Ponte da Crimeia é a mais longa da Europa. Explosões danificaram severamente a ponte em outubro de 2022, que ficou apenas parcialmente transitável. Em junho de 2023, um novo ataque causou mais danos. O ministro da Defesa ucraniano admitiu que o serviço secreto do país estava por trás dos ataques.
Foto: Alyona Popova/TASS/dpa/picture alliance
Inundações em larga escala
Em 6 de junho de 2023, a barragem de Kakhovka, no rio Dnipro, foi deliberadamente explodida. A Rússia e a Ucrânia culparam uma à outra. A barragem estava sob controle russo na época. Ocorreram grandes inundações, e milhares perderam suas casas.
Foto: Libkos/AP Photo/picture alliance
Infraestrutura de energia destruída
Os ataques russos têm mirado repetidamente a rede elétrica. Em junho de 2024, o ministro de Energia da Ucrânia anunciou que 80% das usinas térmicas e mais da metade das hidrelétricas haviam sido atacadas. O resultado foram cortes significativos de energia e o agravamento da situação humanitária, principalmente no inverno.
Foto: Sergey Bobok/AFP
Ataques ucranianos em território russo
Em agosto de 2024, as forças armadas ucranianas lançaram uma ofensiva em território russo pela primeira vez. Inicialmente, conseguiram controlar cerca de 1,4 mil quilômetros quadrados na região de Kursk. Desde então, perderam novamente dois terços do território ocupado.
Foto: Roman Pilipey/AFP/Getty Images
Guerra dos drones
Os drones viraram um artefato de guerra central na Ucrânia. Ambos os lados usam os veículos aéreos não tripulados para reconhecimento e vigilância, mas também para ataques direcionados.
Três anos de guerra deixaram marcas profundas na sociedade e no território ucranianos. No leste e no sul, muitas cidades e vilarejos foram severamente devastados pelos ataques russos. Várias se tornaram cidades fantasma, como o vilarejo de Bohorodychne, na região de Donetsk.
Longe do front, os problemas não são imediatamente visíveis. A vida continua para alguns, com lojas, cafés e restaurantes abertos. Geradores de energia viraram um antídoto contra cortes de energias.
Foto: Oleksandr Kunytskyi/DW
Trump, um agente de mudança?
Durante a campanha eleitoral, o então candidato Donald Trump afirmou que poderia acabar com a guerra em 24 horas. Em mais de um mês de mandato, ainda não conseguiu. Entretanto, sua aproximação com a Rússia e o simultâneo distanciamento da Ucrânia geraram preocupações crescentes entre ucranianos sobre a possibilidade de a guerra terminar em breve sob termos ainda desconhecidos.