O entrelaçamento de interesses e expectativas entre o presidente eleito dos EUA e o Kremlin vem de bem antes da vitória do republicano. Às vésperas da posse, o clima em Moscou oscila entre euforia e reserva.
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É 17 de dezembro de 2015. A caminho da saída, após sua coletiva de imprensa anual, o presidente russo, Vladimir Putin, ainda responde a algumas perguntas. Um jornalista aborda o tema Donald Trump.
"Ele é um homem muito marcante, sem dúvida talentoso", diz Putin, definindo o bilionário americano como "um líder absoluto na campanha eleitoral presidencial". Na época, Trump ocupava a primeira posição nas pesquisas entre os republicanos.
"Ele fala de entrar num outro nível, mais profundo, nas relações com a Rússia", prosseguiu o chefe do Kremlin. "Como poderíamos não saudar isso? É claro que saudamos." Trump retribuiu no dia seguinte: era uma grande honra ser elogiado por um homem "que é tão respeitado no próprio país e no exterior".
Desde essa troca de elogios, muita coisa aconteceu. Trump venceu a eleição e será empossado nesta sexta-feira (20/01). Já durante a campanha, ele fora tachado de "marionete de Putin" pela mídia e pela adversária Hillary Clinton, com base não só em sua retórica pró-Kremlin como nos numerosos contatos entre seus associados e Moscou. Trump e a Rússia descartaram as acusações como "disparate" e retórica eleitoreira.
Após o pleito, novas acusações colocaram Trump sob pressão: serviços secretos dos EUA culpavam Putin de ter pessoalmente ordenado um ciberataque contra o Partido Democrático, a fim de prejudicar Hillary.
Depois de argumentar "não acredito" por algum tempo, Trump acabou admitindo que a Rússia seja responsável pelo ataque de hackers, negando, no entanto, ter quaisquer conexões com Moscou e ser chantageável, como se afirma num dossiê de grande impacto – porém não confirmado.
Kremlin à espreita
Quando o candidato republicano venceu, houve reações eufóricas na Rússia, com aplausos na Duma, a câmara dos deputados. O populista de direita Vladimir Jirinovsky distribuiu champanha. "É, a gente festejou por três dias", ironizou o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, num programa de TV, no fim de dezembro.
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Segundo ele, a euforia após a vitória de Trump seria inexplicável, porém compreensível: todos estão tão fartos da "besteirada" de Washington em relação à Rússia, que "qualquer esperança de algo positivo" faz ficar eufórico, argumentou.
Em contrapartida, nos meios diplomáticos moscovitas não houve grande euforia, afirma Alexei Venediktov, redator-chefe da prestigiosa rádio Echo Moskwy. "Os profissionais sabiam que isso torna o jogo mais difícil para nós."
A Rússia deveria tomar cuidado com Trump por dois motivos, alerta o jornalista: por um lado, Washington praticará "uma política muito reacionária"; por outro, ele é "muito impulsivo". Por isso, o Kremlin se mantém reservado e aguarda.
Putin quer respeito
De fato, Putin manteve a reserva. Trump recebeu duas mensagens por escrito de Moscou – os parabéns após a vitória e votos natalinos –, além de um telefonema. Um encontro pessoal estaria sendo organizado para após a posse, mas ainda sem data nem local fixos.
Uma declaração central de Putin direcionada a Trump permanece imutável, há meses: a Rússia estaria disposta a um restabelecimento das relações com os EUA. E não é culpa de Moscou que elas estejam tão mal.
É difícil prever agora como seria essa aproximação. Analisando-se os comentários de Putin: uma palavra aparece com grande frequência: respeito. Por várias vezes o chefe do Kremlin acusou Washington de não tratar seu país com a devida consideração, depois da queda da União Soviética.
Metas parcialmente alcançadas
Num congresso em Nova York, em novembro, Alexei Kudrin, ex-ministro das Finanças e antigo confidente do presidente russo, formulou assim a situação: "Acho que Putin gostaria que se escutasse mais a Rússia", referindo-se aos eventos mundiais que afetam interesses russos. E o presidente já atingiu sua meta de ser mais ouvido, acrescentou Kudrin, apontando os efeitos da ação russa na Ucrânia e na Síria.
No topo da lista de desejos de Putin para Trump deve estar a suspensão das sanções impostas contra seu país em 2014, após a intervenção russa na Ucrânia. No entanto o Kremlin deixou entrever que não espera que tal ocorra tão rapidamente.
O reconhecimento da anexação da península da Crimeia parece ser outra meta importante para Moscou. Ambos os assuntos estão relacionados, e em sua campanha Trump mostrou-se disposto a conversar a respeito.
Distância da Otan
Em relação à Ucrânia, não se descarta que Moscou pretenda envolver o novo governo em Washington em conversas diretas. Na política russa, reina unanimidade em um ponto: a Rússia quer dos EUA garantias de que a Ucrânia jamais seja integrada à Organização do Tratado do Atlântico Norte.
No geral, há anos o desejo dos russos é que a Otan se mantenha longe de suas fronteiras. Isso vale também para o escudo antimísseis no Leste Europeu, cuja construção é criticada por Moscou. No entanto, assim como em relação às sanções, aqui as expectativas na Rússia são bastante baixas. Compreende-se que uma mudança de curso na Otan não ocorrerá imediatamente, admitiu o porta-voz Peskov.
De volta às esferas de influência
No caso da Ucrânia, a Rússia quer, além disso, que uma aproximação do país à União Europeia seja previamente acordada com Moscou. O mesmo se aplica a outras ex-repúblicas soviéticas, como a Geórgia ou a Moldávia.
Embora não se formule oficialmente desse modo, o que Putin almeja é um maior direito de decisão na solução de diversos problemas mundiais, como o conflito na Síria, e uma espécie de direito de veto quando se trate da vizinhança imediata da Rússia. No fim das contas, isso significaria um retorno à política das esferas de influência.
O que pode vir de Moscou?
Há meses, vários analistas vêm especulando o que Putin teria a oferecer a Donald Trump, numa espécie de retribuição por ele servir aos interesses russos. Embora não haja uma resposta definitiva, num aspecto a Rússia continua sendo um parceiro viável para os Estados Unidos: na luta contra o terrorismo islâmico. Segundo a avaliação de Moscou, trata-se de um tema em que a retórica de Putin e a de Trump se aproximam bastante. Isso dá margem a esperanças.
Os escolhidos do governo Trump
Os nomes que o presidente eleito dos EUA já anunciou para compor a sua equipe. Uma lista cheia de nomes polêmicos.
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Chefe de gabinete
Reince Priebus, líder do Partido Republicano, vai chefiar o gabinete da Casa Branca. Ele, que atualmente preside o Comitê Nacional Republicano, foi o principal aliado de Trump durante a corrida presidencial. Ao nomear Priebus, o magnata volta-se para um veterano de Washington, muito próximo dos caciques republicanos.
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Estrategista
Stephen Bannon, ex-diretor do portal de notícias da extrema direita "Breitbart News", será o chefe estrategista do governo Trump. Ele também trabalhou na campanha presidencial. A nomeação de Bannon foi denunciada por grupos de defesa e democratas, que o acusam de opiniões racistas, antissemitas e misóginas.
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Segurança Nacional
O general reformado Mike Flynn foi apontado como assessor de segurança nacional da Casa Branca. Flynn tem em seu registro uma série de declarações polêmicas sobre muçulmanos. Segundo a imprensa americana, a escolha é uma mescla de experiência e controvérsia. Como vice, Trump nomeou Kathleen Troia McFarland, conhecida como K.T. McFarland, analista da Fox News sobre segurança nacional.
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Inteligência Nacional
Como novo diretor de Inteligência Nacional (DNI), o ex-senador Dan Coats será o principal assessor presidencial em temas de inteligência e vai supervisionar todos os serviços de informação e espionagem. Coats já trabalhou nos comitês de Inteligência e das Forças Armadas no Senado e também foi embaixador dos EUA na Alemanha.
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Secretário de Justiça
Jeff Sessions, senador conservador do estado do Alabama, será o secretário de Justiça e procurador-geral dos Estados Unidos. Sessions tem discurso linha-dura e muitas vezes inflamatório sobre imigração. Em 1986, ele foi indicado para juiz federal pelo então presidente Ronald Regan, mas teve nomeação suspensa por comitê do Senado, sob acusação de racismo.
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CIA
O deputado republicano Mike Pompeo foi apontado para dirigir a agência de inteligência dos Estados Unidos – a CIA. Pompeo, que é membro do Comitê de Inteligência da Câmara, ganhou destaque por seu papel na investigação do Congresso sobre o ataque de 2012 ao consulado americano em Benghazi, na Líbia. Durante a campanha presidencial, o republicano foi um crítico ferrenho de Hillary Clinton.
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Representante na ONU
Nikki Haley, governadora da Carolina do Sul, ocupará o cargo de embaixadora nas Nações Unidas. Primeira mulher a ser nomeada para um cargo importante do futuro governo Trump, ela teve sua indicação criticada pela falta de experiência anterior com política externa. Filha de imigrantes indianos, Haley chegou a trocar farpas com o magnata durante a campanha, dado o tom racista do colega de partido.
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Secretária de Educação
Betsy DeVos será secretária de Educação. A bilionária foi presidente do Partido Republicano no Michigan e preside a organização American Federation for Children, que propõe que os pais possam recorrer a fundos públicos para escolher a escola que seus filhos vão frequentar, seja particular ou religiosa. É também opositora declarada dos sindicatos de professores, chegando a chamá-los de "inimigos".
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Secretário do Tesouro
Steven Mnuchin foi indicado para ser secretário do Tesouro. Chefe financeiro da campanha do magnata, ele já trabalhou para o grupo bancário Goldman Sachs e foi presidente da empresa Dune Capital Managment, que financiou filmes como "Avatar". Em entrevista à imprensa americana, afirmou que sua prioridade será diminuir os impostos de empresas, como Trump havia prometido durante a campanha eleitoral.
Foto: picture-alliance/AP Photo/C. Kaster
Secretária de Transportes
A americana de origem chinesa Elaine Chao deve comandar a Secretaria de Transportes do país. Ela terá um papel fundamental no cumprimento da promessa eleitoral de Trump de reformar a infraestrutura de transporte dos Estados Unidos. Chao foi vice-secretária da pasta durante o governo George Bush, de 1989 a 1991, e secretária de Trabalho de 2001 a 2009, com George W. Bush.
Foto: picture-alliance/AP Photo/C. Kaster
Secretário de Comércio
O bilionário Wilbur Ross, conhecido por investir e retomar o lucro de empresas falidas, é a escolha de Donald Trump para chefiar o Departamento do Comércio no seu governo. O empresário ajudou a moldar as propostas econômicas da campanha do presidente eleito dos Estados Unidos.
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Secretário de Defesa
O general reformado da Marinha, James Mattis, deverá comandar o Departamento de Defesa americano. Considerado um militar "linha-dura", Mattis liderou operações em todo o Oriente Médio, como a que invadiu o Iraque em 2003. Ele é conhecido pelo apelido "Cachorro Louco" (Mad Dog).
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Secretário de Saúde e Serviços Humanos
O deputado republicano e cirurgião Tom Price foi escolhido por Trump para a pasta de Saúde e Serviços Humanos e para administrar os programas de seguro de saúde do governo, entre eles o Affordable Care Act, que ficou conhecido como ObamaCare. Nos planos do secretário está a redefinição desses programas.
Foto: Reuters/J. Roberts
Conselheiro da Casa Branca
Donald McGahn, conselheiro geral da equipe de transição de Donald Trump, foi escolhido para servir como advogado da Casa Branca. Segundo especialistas, a prevenção de escândalos está entre as tarefas principais deste cargo.
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Pequenas Empresas
A magnata Linda McMahon foi a escolha de Trump para o posto de secretária de Pequenas Empresas. McMahon entrou para o mundo da política ao se candidatar para o Senado pelo estado de Connecticut, sem sucesso, em 2010. Desde o início ela apoiou a campanha presidencial de Trump.
Foto: Getty Images/D. Angerer
Habitação
O neurocirurgião aposentado Ben Carson foi nomeado para o posto de secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Carson, que concorreu com Trump na lista de candidatos presidenciais republicanos, nunca ocupou um cargo público. Até agora, ele é o afro-americano mais bem posicionado no novo governo dos EUA.
Foto: Getty Images/C. Somodevilla
Segurança Interna
O general aposentado da Marinha John F. Kelly foi a escolha de Trump para chefiar o Departamento de Segurança Interna, o terceiro maior departamento do governo americano, com mais de 240 mil funcionários. Dentre as funções do novo secretário está o combate ao terrorismo e a proteção do presidente.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Balce Ceneta
Proteção Ambiental
O procurador-geral do estado de Oklahoma, Scott Pruitt, será o chefe da Agência de Proteção Ambiental (EPA). Pruitt é criticado por negar a mudança climática e por ser um defensor dos combustíveis fósseis. O procurador interpôs várias ações judiciais contra a regulamentação da administração Obama, implementada pela EPA, para reduzir as emissões pela indústria do carvão.
Foto: picture-alliance/AP Photo/A. Harnik
Ministério do Trabalho
Andrew Puzder, chefe da rede de fast foods CKE, foi apontado como o próximo ministro do Trabalho. Segundo Trump, o empresário de 66 anos é ideal para o cargo por ter criado milhares de postos de trabalho. Puzder, contudo, também ficou conhecido por ser contra a fixação de um salário mínimo de nove dólares a hora. Ele alega que isso prejudica os lucros.
Foto: picture alliance/dpa/S. Osman
Secretário de Estado
O CEO da multinacional de gás e petróleo ExxonMobil, Rex Tillerson, foi escolhido para o cargo de secretário de estado. Tillerson, de 64 anos, não tem experiência no setor público. Ele começou na ExxonMobil em 1975 e, em 2006, tornou-se o CEO da companhia. A relação estreita que o novo secretário de Estado mantém com o presidente russo, Vladimir Putin, foi apontada como motivo de preocupação.
Foto: Getty Images/AFP/N. Balout
Energia
O ex-governador do Texas Rick Perry foi escolhido como secretário de Energia. Segundo analistas, é provável que ele adote uma política distante das energias renováveis e favorável aos combustíveis fósseis, cuja produção ele defendeu como governador por 14 anos. Nas duas últimas eleições presidenciais, Perry foi pré-candidato pelo Partido Republicano, sem sucesso.
Foto: Getty Images/AFP/K. Betancur
Exército
O bilionário Vincent Viola foi escolhido para o cargo de secretário do Exército. Aos 60 anos e filho de imigrantes italianos, ele é dono de um time de hóquei e da Virtu Financial. Seu único vínculo com a carreira militar vem de quando era jovem: Viola se graduou na prestigiada academia militar de West Point.
Foto: picture alliance/AP Photo/P. Carter
Conselho Nacional de Comércio
O economista linha-dura em relação à China, Peter Navarro chefiará o recém-formado Conselho Nacional de Comércio da Casa Branca. Navarro é autor de livros incluindo "Death by China: How America Lost its Manufacturing Base" (Morte pela China: como os EUA perderam a sua base industrial, em tradução livre). Professor da Universidade da Califórnia, ele tem sugerido intensificar as relações com Taiwan.
Foto: Imago/Zumapress
Interior
Ryan Zinke, 55, republicano de Montana e membro do subcomitê da Casa Branca para recursos naturais, votou a favor de leis que enfraqueceriam as salvaguardas ambientais em terras públicas. Ele tomou posições favoráveis à indústria do carvão, a qual foi prejudicada durante o governo Obama.
Robert Lighthizer, 69, serviu como vice-representante comercial dos EUA durante o governo Reagan nos anos 80 e, desde então, atuou por quase três décadas como advogado na defesa de empresas americanas em processos anti-dumping e anti-subvenções. Crítico ferrenho da política comercial chinesa, Lighthizer defende medidas mais agressivas ao lidar com o país asiático.
Foto: greatagain.gov - CC BY 4.0
Agricultura
O ex-governador da Geórgia Sonny Perdue, de 70 anos, serviu no comitê consultivo agrícola da campanha de Trump. Republicano, ele serviu no Senado estadual e cumpriu dois mandatos como governador, de 2003 a 2011. Posteriormente, fundou a Perdue Partners, uma empresa global de comércio que presta consultoria e serviços para empresas interessadas em exportar produtos.