Por que o capitão reformado queria tanto chegar à Presidência? Será que existe um bom samaritano escondido dentro dele? Um libertador das massas oprimidas?, pergunta-se o colunista Thomas Milz.
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As últimas semanas antes do segundo turno foram duras. Assisti a muitos discursos, vídeos e entrevistas de Jair Bolsonaro para me preparar para o showdown. E então um colega simplesmente me perguntou no domingo da eleição: "O que Bolsonaro realmente quer?" E eu fiquei ali, sem saber o que dizer. Sei lá. O que será que move esse homem?
Normalmente, consigo ter durante entrevistas uma vaga ideia sobre o porquê de a pessoa sentada à minha frente fazer o que faz. Eu nunca entrevistei Bolsonaro. Mas eu o vi pessoalmente em março, na chegada a um aeroporto. Lá estavam os óculos de sol de plástico de aparência barata e a faixa pintada de forma caseira "Bolsonaro 2018". E ele batia num boneco do Lula, disparava contra a multidão com seus dedos e posava com seu livro favorito. O do coronel Alberto Brilhante Ustra sobre a ditadura. E ria de forma marota, maliciosamente. Tudo apenas uma piada?
Ele parecia uma paródia, um personagem do programa de humor CQC, no qual apareceu várias vezes. Ou um personagem do Pânico na TV. Durante anos, ele passou por esses programas, pôde assustar os espectadores do Superpop, de Luciana Gimenez, com seus impropérios. Por que uma pessoa se submete a aparecer tantas vezes nesses programas? Para chamar a atenção do público? Quanto mais absurdas suas teses e insultos, mais conhecido ele se tornava. Acho que foi numa entrevista ao Jô Soares que ele confessou: se eu não tivesse dito todas aquelas monstruosidades, não estaria sentado aqui agora.
Em casa, em frente à TV, talvez estivessem seus quatro garotos sentados, assistindo às declarações às vezes absurdas do pai. Será que eles morriam de rir quando o pai insultava alguém diante de uma plateia de milhões? Será que depois se divertiam juntos fartamente por terem, mais uma vez, colocado todos os espectadores contra si?
Na Câmara dos Deputados, em Brasília, o papel de Bolsonaro foi sempre o de provocar o adversário político e criar tumulto. E em 17 de abril de 2016 veio seu famigerado voto pelo impeachment de Dilma Rousseff. Dedicá-lo logo ao coronel Ustra é mais do que o cúmulo do mau gosto. É uma ruptura civilizacional. E foi, ao mesmo tempo, o repugnante tiro de largada para a sua campanha presidencial, finalizada com sucesso.
Agora ela acabou. Sua esposa garante que o marido é, na verdade, bastante simpático. De onde partem as alegações de que ele seria homofóbico, misógino e racista? – ela se pergunta. Ok, ela provavelmente não teve tanto tempo quanto eu para assistir a todos os vídeos. Ou ela apenas acredita nas alegações dele de que tudo era apenas brincadeira. Bem, eu acredito que Bolsonaro seja um bom pai e um bom marido em casa. Mas será que a pessoa precisa se tornar presidente por causa disso?
E essa coisa da Presidência – seria séria ou somente mais uma brincadeira? Eu me pergunto isso porque simplesmente não consigo enxergar o motivo por ele querer se tornar presidente. Ele nunca menciona os milhões de pobres e miseráveis em seus discursos, sugerindo que a luta pela justiça social não é sua força motriz. De acordo com suas próprias declarações, ele também não entende nada de economia, o que sugere que ele simplesmente não se interessa pelo tema.
A proteção ambiental também não o interessa, porque senão ele não iria querer sacrificar a Floresta Amazônica em função de plantações de soja. E se a corrupção o incomoda tanto, como não cansa de dizer, por que ficou durante 11 anos no PP, um dos partidos com maior número de investigados na Lava Jato? Talvez ele se importe com a saúde pública? Ele esteve no Congresso por quase três décadas, tempo suficiente para promover seus assuntos prediletos. Mas, na verdade, nada aconteceu.
Só quando o assunto tinha a ver com homossexualidade e comunismo, ele sempre se tornava hiperativo. Por que logo isso o incomoda tanto? E aí circulam teses de uma conspiração comunista mundial, em que os comunistas não mais atacam com tanques e mísseis nucleares. Em vez disso, tentam converter, segundo a teoria, crianças inocentes em homossexuais, a fim de impedir a reprodução das famílias cristãs.
Será que é isso que o move: uma caça aos comunistas? Já quando adolescente, Bolsonaro ajudou os militares a procurarem o comunista Carlos Lamarca nas selvas. Mas isso foi há muito tempo. Hoje, comunistas de verdade só existem nas mentes de pessoas como Donald Trump. Ou será que também na de Jair Messias Bolsonaro?
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.