1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

O que se pode aprender com o rato mais feio do mundo?

Hannah Fuchs
14 de outubro de 2016

Imune ao câncer, altamente longevo e menos sensível à dor, o Heterocephalus glaber dispõe de superpoderes que podem ser a chave para descobertas importantes na medicina.

Rato-toupeira-pelado
Foto: Imago/O. Wagner

O rato-toupeira-pelado compete com o peixe-bolha (Psychrolutes marcidus) por um título nada invejável: o de animal mais feio do mundo. A afirmativa pode soar maldosa, mas não é totalmente infundada: a pele encarquilhada, o formato agressivo da cabeça não ajudam, tampouco os incisivos protuberantes e os olhinhos quase ausentes.

Talvez lhe falte carisma: com um pouco de pelo, quem sabe, ele até daria um bichinho de estimação simpático, um substituto de hamster. No entanto, se há verdade no provérbio "beleza não põe mesa", esse é o caso do Heterocephalus glaber: ele é uma espécie de superrato, resistente ao câncer, altamente longevo e quase insensível à dor.

Cientistas do Centro de Medicina Molecular Max Delbrück (MDC) de Berlim pesquisaram as razões desses superpoderes, e acabam de publicar os resultados na revista especializada Cell Reports.

Seu ponto de partida foi uma forma específica de dor, a hiperalgesia térmica, ou hipersensibilidade à sensação de calor em caso de inflamação. Como, por exemplo, quando após uma queimadura de sol até mesmo as radiações solares mais brandas causam fortes dores na pele.

O mecanismo se aplica à maioria dos animais; só no rato-toupeira-pelado não ocorre a conexão entre inflamação e sensibilidade térmica. A dor sequer é registrada como tal, pois nele os receptores responsáveis são ligeiramente diferentes.

Em caso de inflamação, moléculas do fator de crescimento nervoso (NGF, na sigla em inglês) normalmente se acoplam ao receptor TrkA dos neurônios sensoriais. Isso desencadeia uma série de sinais elétricos, que acabam por disparar os neurônios, e o cérebro dá alarme de dor.

Sob a terra e em grandes colônias, roedor africano vive em condições extremasFoto: Imago/Blickwinkel

Pequena diferença, grande efeito

No rato-toupeira-pelado, essa cascata sensorial não é totalmente eliminada, mas sensivelmente amortecida, sendo necessária uma dose dez vezes maior de NGF para que eles reajam como os demais animais.

A comparação com a sequência genética do TrkA em cinco parentes próximos do rato-toupeira e 26 outros mamíferos mostra que alterações mínimas em apenas um a três aminoácidos é a causa da sensibilidade reduzida dos receptores desse roedor nativo do Leste da Àfrica.

"Embora a versão do receptor TrkA no rato-toupeira-pelado seja praticamente idêntica à de um rato ou camundongo, o efeito é considerável", explica Gary Lewin, do MDC.

Enquanto nos seres humanos a hiperalgesia térmica visa preservar o tecido lesionado ou inflamado de novos danos, o rato-toupeira-pelado simplesmente passa sem essa função protetora.

"Nesses animais, trata-se de um passo evolutivo realmente útil, pois eles já vivem em carência permanente", aponta Lewin. Assim, economizam até nos menores sistemas corporais que não sejam urgentemente necessários ao funcionamento do organismo.

Nem ácido, nem falta de oxigênio

O Centro Max Delbrück mantém seis colônias de ratos-toupeiras-pelados, com um total de 120 exemplares. Gary Lewin é fã deles: ele e outros cientistas do instituto berlinense não param de fazer novas descobertas fascinantes sobre os bichinhos.

Eles possuem, por exemplo, uma espécie de fonte da juventude interna, pois não desenvolvem câncer, e suas células praticamente não envelhecem. Enquanto um camundongo não chega a viver dois anos, seu parente africano tem uma expectativa de vida de cerca de 30 anos.

Como os pesquisadores haviam constatado já em 2008, ele é praticamente imune a agentes químicos como ácidos ou extrato de pimenta. Isso provavelmente também se deve ao meio ambiente extremo em que os roedores vivem, em túneis subterrâneos estreitos e escuros, e amontoados em colônias de até 300 indivíduos.

Nesses locais, a concentração de oxigênio do ar é muito baixa, e a de dióxido de carbono, tão elevada, que seria quase impossível um ser humano sobreviver. Como explicam os cientistas, essa alta concentração de CO2 resulta em atividade permanente dos sensores de dor – um mecanismo que, no decorrer da evolução, foi eliminado no rato-toupeira-pelado.

Que tal ficar mesmo com o hamster?Foto: picture-alliance/ZB

Animal de estimação?

Mas de que nos servem tais descobertas sobre o Heterocephalus glaber? Os pesquisadores do MDC esperam que seus estudos tragam novos conhecimentos sobre a sensibilidade dolorosa "normal" dos mamíferos e, especificamente, dos humanos.

"Além disso, acaba de se iniciar um promissor estudo de fase três, em que a função do fator de crescimento nervoso é inibida por anticorpos", anuncia Gary Lewin. O êxito dessa fase poderá resultar até mesmo no desenvolvimento de uma nova substância analgésica.

"Seria exatamente o mecanismo que o rato-toupeira-pelado vem utilizando desde sempre. Mais uma vez, ele está anos-luz a nossa frente", comenta, rindo, o pesquisador.

Apesar de sua fascinação pelo roedor, Gary Lewin não pensa em manter um deles como animal de estimação. O rato-toupeira-pelado se adaptou a condições extremas, que não são fáceis de reproduzir no ambiente doméstico. Melhor, mesmo, se contentar com um hamster fofinho.

.

Pular a seção Mais sobre este assunto