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O que se sabe sobre infecções por HIV em transplantes no RJ

Publicado 12 de outubro de 2024Última atualização 21 de outubro de 2024

Seis pacientes receberam órgãos infectados de dois doadores no Rio de Janeiro; Polícia Federal e outros órgãos investigam falha de laboratório contratado para fazer testes, que é de parentes de ex-secretário de saúde.

Caixa com órgão para transplante e um médico ao fundo em centro cirúrgico
Seis pacientes do Rio de Janeiro foram infectados pelo vírus HIV após transplante de órgãosFoto: picture-alliance/dpa/S. Stache

Seis pacientes transplantados receberam órgãos infectados pelo vírus HIV no Rio de Janeiro, em caso sem precedente no Sistema Público de Saúde (SUS). Esses pacientes estavam na fila do transplante da Secretaria Estadual de Saúde (SES-RJ), que confirmou o caso, revelado pela BandNews FM em 11 de outubro. Os órgãos infectados vieram de dois doadores.

A Polícia Federal, o Ministério da Saúde, Ministério Público do RJ (MPRJ), Polícia Civil e Conselho Regional de Medicina (Cremerj) acompanham o caso. O foco das investigações é uma falha detectada no laboratório PCS Lab Saleme, que emitiu os laudos de que os órgãos estavam aptos para serem doados.

O laboratório é privado e contratado pela Fundação Saúde, sob a responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde, para atendimento ao programa de transplantes no estado. Nesta segunda-feira (21/10), toda a cúpula da Fundação pediu demissão do cargo, incluindo o diretor executivo João Ricardo da Silva Pilotto. 

Cinco mandados de prisão

A Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu duas pessoas no dia 14 de outubro por suspeita de atuação no caso. Um deles é sócio e responsável técnico do laboratório: o médico ginecologista Walter Vieira, que assinou um dos laudos errados. Ele é tio do ex-secretário de Saúde do Rio Dr. Luizinho, deputado federal em segundo mandato e líder do PP na Câmara dos Deputados. 

O outro detido foi Ivanilson Fernandes dos Santos, técnico de laboratório contratado para fazer análises clínicas nos casos de órgãos para transplante.

No mesmo dia, Jacqueline Iris Bacellar de Assis, auxiliar administrativa cuja assinatura aparece em um dos laudos errados, apresentou-se à polícia.

Já o técnico de laboratório Cleber de Oliveira dos Santos foi preso dois dias depois, em João Pessoa.

Eles são investigados por crime contra relações de consumo, associação criminosa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e infração sanitária.

Em representação enviada à Justiça no dia 18 de outubro, o Ministério Público disse que não é a primeira vez que o laboratório comete erros no exame que detecta a presença do vírus HIV.

"Os investigados e o respectivo laboratório PCS Lab Saleme já emitiram dezenas de resultados com falso positivo e falso negativo para HIV, inclusive em exames de crianças, respondendo a inúmeras ações indenizatórias por danos moral e material", escreveu a promotora de Justiça Elisa Neves.

No mesmo dia, a Justiça acatou pedido do MP e prorrogou a prisão dos quatro investigados.

Em 20 de outubro, a segunda fase da operação prendeu mais uma funcionária, a coordenadora técnica do PCS Lab Saleme, Adriana Vargas dos Anjos. Ela é acusada por um dos funcionários de dar a ordem para economizar no controle de qualidade do laboratório.

Redução do controle de qualidade para ampliar lucros

Em seu depoimento à polícia, revelado pelo Jornal Nacional, o técnico de laboratório Ivanilson Fernandes dos Santos disse que recebeu ordem de não fazer mais testes diários "por questão de economia dos kits de reagentes, que são muito caros".

Segundo a transcrição da polícia, ele afirmou que "até dezembro de 2023, realizava diariamente esse controle, que é necessário para evitar erros; que a partir do início do ano de 2024 o controle de qualidade passou a ser semanal e de responsabilidade da coordenadora Adriana Vargas", segundo revelou o telejornal.

Ao ser questionado sobre a diferença que essa mudança pode representar para a precisão dos testes, ele respondeu que "ocorrem erros, pois os reagentes ficam degradados por permanecerem muito tempo na máquina analítica; que o controle é uma segurança da certeza do resultado e, por isso, deve ser diário".

Em entrevista coletiva, o diretor-geral do departamento de Polícia Especializada do Rio, André Neves, declarou que o laboratório operava com redução do controle de qualidade para ampliar seus lucros.

Além dos cinco mandados de prisão, a Polícia Civil do Rio cumpriu mais 19 mandados de busca e apreensão nas duas fases da operação para identificar os responsáveis pela emissão dos laudos que levaram ao transplante de órgãos infectados. 

Diploma falso

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, antes de ser presa, a auxiliar administrativa Jacqueline Iris Bacellar de Assis disse que começou a trabalhar no laboratório como supervisora administrativa e que não assinava laudos, e que seu nome estaria sendo usado como "laranja".

A Faculdade Unopar informou que não reconhece o diploma de biomedicina de Jacqueline, que consta em alguns dos laudos errados. O CRF-RJ (Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro) afirma que a técnica em patologia tem inscrição ativa como profissional de nível médio. Para assinar laudos, o conselho explica que é preciso ter formação acadêmica de nível superior.

O laboratório, por sua vez, afirma ter recebido o diploma de Jacqueline no momento de sua contratação. A técnica afirma desconhecer o documento.

Laboratório investigado

O laboratório PCS Lab Saleme, investigado pela contaminação, assinou três contratos com o governo do Rio que, somados, chegam a R$ 17,5 milhões. Dois deles foram realizados de forma emergencial, com a dispensa de licitação. O terceiro contrato, com valor de R$ 11 milhões, passou por pregão eletrônico em outubro de 2023 e se refere à prestação do serviço de exames para transplantes.

A empresa teve, inclusive, sua capacidade técnica para produzir exames questionada durante a licitação. Segundo o jornal O Globo, um concorrente apontou que o laboratório não conseguiu comprovar que tinha experiência prévia para executar metade dos exames previstos no contrato.

Além de Walter Vieira, que está preso, o PCS Lab tem como sócio Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, primo do deputado e ex-secretário de saúde Dr. Luizinho.

O congressista esteve no comando da secretaria entre fevereiro e setembro de 2023. O PCS Lab foi contratado no mesmo ano, mas após a sua saída do cargo, em dezembro de 2023.

O laboratório teve o serviço suspenso logo após o caso vir à tona e foi interditado cautelarmente, de acordo com a Secretaria de Saúde.

Defesa

Em nota, o deputado federal Dr. Luizinho afirmou que lamenta profundamente a situação e que não participou da escolha do laboratório.

"Quando foi secretário de estado de Saúde, Dr. Luizinho manteve a equipe do Programa Estadual de Transplantes da gestão anterior e jamais participou da escolha deste ou de qualquer laboratório. A contratação, ocorrida em dezembro de 2023, quando ele não era mais secretário, partiu de uma concorrência pública realizada pela Fundação Saúde, que tem gestão administrativa independente, na modalidade de pregão eletrônico, sujeita ao crivo dos órgãos de controle", diz a nota.

O laboratório também divulgou nota dizendo que abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso.

O laboratório diz que dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares e afirmou que está à disposição das autoridades policiais, sanitárias e de classe que investigam a situação.

Como a doação de órgãos pode mudar a vida de uma pessoa

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Reação de autoridades

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que o governo prestará toda assistência aos pacientes infectados e está comprometido em garantir a segurança, a efetividade e a qualidade do Sistema Nacional de Transplantes no Brasil.

Além de pedir a interdição cautelar do laboratório, o Ministério da Saúde determinou que a testagem de todos os doadores de órgãos no Rio de Janeiro volte a ser feita exclusivamente pelo Hemorio, utilizando o teste NAT, que é produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).  

O ministério ordenou ainda a retestagem do material de todos os doadores de órgãos feitas pelo PCS Lab para identificar possíveis novos casos falsos positivos.

Também será feita uma auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS no sistema de transplante do Rio de Janeiro para a apuração de eventuais irregularidades na contratação do laboratório.

Em nota, o Ministério da Saúde reforçou que o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) é reconhecido como um dos mais transparentes, seguros e consolidados do mundo. "Existem normas rigorosas que visam proteger tanto os doadores quanto os receptores, garantindo que os transplantes realizados no país mantenham um alto nível de confiabilidade."

Como são feitos os testes

Há uma série de doenças infecciosas testadas obrigatoriamente em todos os doadores para que esses órgãos possam ser encaminhados para transplante. "Todo esse protocolo é muito rigoroso, muito sério", afirmou o ex-presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) e especialista em transplante de fígado, Ben-Hur Ferraz Neto, ao jornal O Globo.

Após o diagnóstico de morte encefálica de um potencial doador, o laboratório recolhe o sangue do paciente e faz todos os testes sorológicos de doenças que podem ser transmitidas, como HIV, hepatite B e C, toxoplasmose, citomegalovírus, sífilis, doença de chagas, explica o especialista.

Bárbara Benini, coordenadora do grupo de transplantes de fígado do Hospital São Paulo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explicou à Folha de S.Paulo que antes mesmo dos testes é feita uma entrevista com o familiar do doador para entender como era seu estilo de vida e se existe algum risco – como acontece com doadores de sangue.

Existem vários tipos de testes de sangue. No entanto, quando se trata de doação de órgãos, os exames realizados são "ultrassensíveis", explicou Benini. 

"Este não costuma ser um teste rápido, leva de quatro a seis horas para se ter o resultado, tem uma segurança próxima de 100% e muito pouca interferência humana", disse a especialista à Folha. Ela afirma que a chance de um falso negativo em um exame como esse é muito baixa.

Após a testagem, os resultados são encaminhados para a OPO (Organização de Procura de Órgãos), que atua na identificação, manutenção e captação de doadores de órgãos e tecidos.

sf/cn/gq/ra (AgBr, ots)

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