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O que se sabe sobre ataque a tiros que matou menina yanomami

10 de julho de 2023

Criança de sete anos morreu, e outros cinco indígenas foram feridos por disparos em aldeia localizada na TI Yanomami, em região de forte presença de garimpeiros.

Área de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em foto de fevereiro de 2023
Área de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em foto de fevereiro deste anoFoto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O corpo de uma menina de sete anos morta durante um novo ataque a tiros na Terra Indígena (TI) Yanomami foi encontrado pelo Corpo de Bombeiros de Roraima na última sexta-feira (07/07).

A seguir, a DW reuniu o que se sabe sobre o incidente.

Quando e onde ocorreu o ataque?

A aldeia Parima, localizada em Roraima, dentro do território yanomami, foi palco do ataque, ocorrido na última segunda-feira.

A aldeia fica às margens do rio Parima, numa região com forte presença de garimpeiros ilegais, próxima ao batalhão de fronteira de Surucucu, do Exército.

Ao portal Amazônia Real, Júnior Hekurari Yanomami, presidente da Urihi Associação Yanomami e do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi-Y), afirmou que o ataque ocorreu perto da Unidade Básica de Saúde da aldeia.

Quem está por trás do ataque?

Hekurari afirmou ao Amazônia Real que indígenas estiveram envolvidos no incidente.

"Um grupo de indígenas armados atacou essa família que ia à Unidade [de Saúde]. Os garimpeiros estão aliciando os indígenas do Xitei, Parima, Aracaça, Tirei, Wathóu, que estão recebendo muitas armas, eu vi, só não deixaram eu tirar fotos. Eles falam que os garimpeiros dão as armas para que eles se defendam", disse.

Os indígenas envolvidos seriam supostamente das aldeias yanomami Whaputa e Castelo. O ataque teria sido causado por um conflito entre as comunidades, cuja motivação ainda não é conhecida, de acordo com investigações da Polícia Federal (PF).

A PF aponta que garimpeiros estão armando e aliciando indígenas na TI. Um relatório da Hutukara Associação Yanomami de abril deste ano também indicou que garimpeiros estavam tentando aliciar especialmente jovens indígenas, incentivando-os a se envolver com o garimpo.

Em nota divulgada no dia seguinte ao ataque, o governo federal afirmou estar atuando para que os envolvidos fossem identificados e responsabilizados. O Ministério dos Povos Indígenas afirmou que "os agressores se evadiram" e que a situação estava sob controle.

Houve mais vítimas?

Além da menina de sete anos que morreu, o ataque deixou os outros cinco indígenas que a acompanhavam feridos: duas crianças, de cinco e nove anos de idade, uma adolescente de 15 anos, uma mulher de 24 e uma liderança indígena de 48 anos.

Segundo Júnior Hekurari, citado pelo G1, a criança que morreu era irmã das meninas de nove e 15 anos que foram feridas por disparos.

De acordo com a Folha de S. Paulo, um dos adultos atingidos foi ferido no tórax, e o outro, no abdômen. Duas das crianças teriam sido atingidas no braço, e a outra, no glúteo.

Após o ataque, os feridos foram transportados por aeronaves da Marinha e da Força Aérea Brasileira (FAB) até Surucucu e Boa Vista. Na capital do estado, foram encaminhados para o Hospital Geral de Roraima (HGR) e Hospital da Criança Santo Antônio.

Como foram as operações de busca pelo corpo da menina?

As buscas pelo corpo, que havia caído no rio Parima, tiveram início dois dias após o ataque. Quatro mergulhadores do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima participaram das operações.

A missão durou três dias e contou com o apoio do Exército Brasileiro, da Marinha e da Polícia Militar de Roraima.

Inicialmente, a correnteza provocada por um grande volume de água dificultou os trabalhos. O corpo foi localizado durante buscas superficiais às margens do rio, a cerca de 25 metros do ponto em que havia desaparecido, na região de Alto Alegre, no norte de Roraima.

Segundo os Bombeiros, o corpo foi da menina foi entregue à família para realização dos rituais fúnebres indígenas.

Como o governo reagiu?

Na nota divulgada no dia seguinte ao ataque, o governo federal afirmou lamentar o ato violento, solidarizar-se com a comunidade indígena Parima e reiterar "o compromisso de reestruturar as políticas voltadas à promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas, como saúde indígena, segurança alimentar e proteção territorial na TI Yanomami".

"Por meio dos ministérios da Saúde, dos Povos Indígenas, da Defesa e da Justiça e Segurança Pública, e da Secretaria Especial de Saúde Indígena e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, o Governo Federal tem agido para garantir a assistência adequada aos indígenas feridos no ataque às crianças e adultos", diz a nota.

"O Governo Federal trabalha de maneira articulada em ações de planejamento e execução de operações promovidas no âmbito da expulsão de garimpeiros da TI Yanomami."

Equipes da PF e servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Força Nacional e da Força Nacional de Saúde Pública foram enviados para a região após o ataque.

Qual é a situação atual na Terra Indígena Yanomami?

Maior terra indígena do país, o território yanomami foi demarcado em 1992 e fica nas florestas de Roraima e Amazonas, colado à fronteira com a Venezuela.

A região virou terra dominada por garimpeiros a partir de 2016 – a Hutukara Associação Yanomami estimou, no início deste ano, a presença de 20 mil garimpeiros dentro da TI, agindo com financiamento do crime organizado e tráfico de drogas.

A PF apontou um crescimento de 76% da área de garimpo ilegal no território somente entre 2021 e 2022, de 23,7 km² para 41,8 km². Entre 2020 e 2022 – sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, marcado por um incentivo à atividade e enfraquecimento dos mecanismos para combatê-la –, a área quase triplicou.

A crise humanitária causada pelo garimpo – que leva doenças, violência e danos ambientais ao território yanomami – ganhou as manchetes no início de 2023, após as lideranças indígenas passarem anos tentando chamar atenção para a grave situação.

No fim de janeiro, um levantamento do Ministério da Saúde apontou que ao menos 570 crianças morreram no território nos últimos quatro anos – na sua maioria de doenças curáveis, como desnutrição, malária e diarreia. Além disso, cerca de 40% da população yanomami teve diagnóstico confirmado de malária em 2022.

A ida de profissionais de saúde às aldeias yanomami foi bloqueada por garimpeiros nos últimos anos, que assumiram o controle de polos de saúde e de pistas de pouso,  apontou Junior Hekurari Yanomami.

A TI está em situação de emergência desde janeiro, quando o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou o Decreto n° 11405, que dispõe sobre medidas para enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e de combate ao garimpo ilegal no território Yanomami a serem adotadas por órgãos da administração federal.

Para enfrentar a crise, o governo enviou profissionais de saúde e cestas básicas à região, e atua – com ajuda da PF, Força Nacional, Ibama e Polícia Rodoviária Federal – para desmantelar a estrutura usada por garimpeiros no território.  O governo Lula editou neste mês um decreto autorizando as Forças Armadas a também atuarem contra a atividade na região.

Houve outros ataques recentemente?

O ataque a tiros da semana passada é o mais recente de uma série de incidentes violentos na TI Yanomami nos últimos meses. No total, 15 pessoas morreram desde que o governo federal deu início às operações de desintrusão do garimpo ilegal na Terra Indígena, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo.

No fim de abril, um yanomami morreu e outros dois foram feridos por disparos de garimpeiros na comunidade Uxiú, no auge das tensões desde o início das operações. Nos dias seguintes, outros nove corpos foram encontrados na região.

Em maio, o corpo de uma mulher, com sinais de violência sexual e enforcamento, foi encontrado dentro da Terra Indígena Yanomami.

lf/bl (DW, ots)

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