O que se sabe sobre o assassinato de jornalista na Palestina
14 de maio de 2022
Shireen Abu Akleh foi baleada quando trabalhava na Cisjordânia, e Israel e Autoridade Palestina trocam acusações sobre a culpa. Vídeo divulgado por Israel não é do local da morte, afirma ONG israelense à DW após análise.
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Shireen Abu Akleh só viveu até os 51 anos. A experiente repórter da rede de televisão Al Jazeera foi morta na quarta-feira (12/05) em Jenin, na Cisjordânia. Ela estava no local para cobrir uma incursão de militares israelenses, e usava um capacete e um colete de proteção que a identificavam claramente como membro da imprensa.
Tanto o governo israelense quanto a Autoridade Palestina afirmaram que a morte da jornalista é uma tragédia. Mas a concordância termina aí. Nos últimos dias, autoridades palestinas, assim como a Al Jazeera, que é sediada no Qatar, fizeram duras acusações contra o governo israelense.
No funeral em Ramallah, na quinta-feira, que foi precedido por uma repressão violenta por forças israelenses, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, disse: "Consideramos as autoridades de ocupação israelenses totalmente responsáveis pelo assassinato, e não será possível esconder a verdade sobre este crime".
O primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, já havia rejeitado as acusações na véspera. "Com base em informações preliminares que temos, há uma possibilidade significativa que a jornalista tenha sido baleada por palestinos armados. No entanto, para descobrir a verdade, deve haver uma investigação real", disse Bennett na quarta-feira.
Nenhuma investigação conjunta
A Autoridade Palestina, entretanto, rejeita uma investigação conjunta com as autoridades israelenses por causa de uma "falta de confiança" e disse que, em vez disso, pretende acionar o Tribunal Penal Internacional.
A Autoridade Palestina também não quer entregar a bala que matou Abu Akleh a Israel para exame forense.
De acordo com o jornal israelense Haaretz, Abu Akleh foi aparentemente atingida por uma bala de 5,56 milímetros, provavelmente disparada por um fuzil M16. O jornal afirma que tais armas são utilizadas tanto pelo exército israelense quanto por militantes palestinos.
Abu Akleh estava acompanhada por vários jornalistas. Um colega palestino dela, Ali Al-Samoudi, também sofreu ferimentos a bala. Ele fez sérias acusações contra o exército israelense e disse que não havia combatentes palestinos por perto quando os jornalistas foram alvejados.
Al-Samoudi disse à Al-Jazeera: "Nós íamos filmar a operação do Exército israelense e de repente eles atiraram em nós sem nos pedir para sair ou parar de filmar."
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Versões contraditórias
Os militares israelenses rechaçaram esse relato. A operação em Jeni era anti-terrorista e os soldados estavam sob fogo pesado de palestinos armados, afimaram as Forças Armadas de Israel em um comunicado no Twitter. E acrescentaram: "As Forças de Defesa de Israel nunca irão deliberadamente mirar em não combatentes. Estamos comprometidos com a liberdade de imprensa e com a santidade das vidas humanas".
Na quarta-feira, poucas horas após a morte de Abu Akleh, o Ministério das Relações Exteriores israelense havia divulgado um vídeo sugerindo que os palestinos haviam disparado o tiro fatal. No Twitter, a pasta escreveu: "Nesta manhã, em Jenin, terroristas ouvidos dizendo: 'Eles acertaram um, acertaram um soldado, ele está deitado no chão'. Mas nenhum soldado [israelense] do IDF foi ferido em Jenin. Os terroristas palestinos, disparando indiscriminadamente, provavelmente atingiram a jornalista Shireen Abu Akleh, da Al Jazeera."
Várias embaixadas israelenses, incluindo as localizadas em Washington e em Berlim, traduziram a mensagem e a publicaram.
Sem respostas ainda
A organização não-governamental israelense B'Tselem, que é crítica ao governo, examinou o vídeo divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores israelense. E concluiu que o vídeo mostra uma cena que ocorreu longe do local onde Abu Akleh foi morta.
Em entrevista à DW, Dror Sadot, da B'Tselem, disse que a organização, por meio de seu pesquisador em Jenin, identificou os dados exatos do GPS do homem armado, assim como do local onde Abu Akleh foi baleada: "Fomos e obtivemos essas imagens em vídeo desses dois locais, e mostramos como não podem se tratar do mesmo incidente."
Entretanto, isso não explica quem atirou em Shirin Abu Akleh.
Ainda não é possível esclarecer isso de forma definitiva, disseram os militares israelenses em uma declaração divulgada na sexta-feira à tarde. E mencionaram duas possibilidades: ou palestinos armados atiraram acidentalmente em Abu Akleh enquanto miravam em soldados israelenses, ou militares israelenses acidentalmente a atingiram enquanto disparavam contra um atirador próximo a ela.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.