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"O que se vê hoje é um novo grau de brutalidade"

Soraia Vilela15 de maio de 2006

Especialista alemão comenta os ataques nas ruas de São Paulo e observa um aumento da criminalidade em toda a América Latina.

Criminalidade e violência: fenômeno latino-americanoFoto: AP

Klaus Bodemer, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos, sediado em Hamburgo, e autor, entre outros, do volume Violência e (In)Segurança Pública. Experiências na América Latina e Europa, analisa em entrevista à DW-WORLD a violência dos últimos dias nas ruas de São Paulo.

Os conflitos no Brasil deixaram até agora dezenas de mortos. Como se consolida o poder dos traficantes nas grandes cidades?

Há razões estruturais e conjunturais. O crescimento da violência e criminalidade em ligação com o tráfico de drogas não é um fenômeno recente na América Latina. No Brasil, ele está concentrado no Rio de Janeiro e em São Paulo e espelha a enorme desigualdade social.

O Brasil ocupa uma posição muito baixa no índice de desenvolvimento humano e no volume de receitas é um dos primeiros em todo o mundo. Isso repercute na população de forma geral e provoca principalmente um desequilíbrio em relação à cor da pele, com uma clara desvantagem para os negros. Este é certamente um fator. O outro é o de que em toda a América Latina houve um aumento da violência e da criminalidade. E a ligação com as drogas se dá em função do fato de que com a droga se ganha muito dinheiro de maneira fácil.

Houve um aumento real do crime organizado no Brasil nos últimos anos?

Controle policial nas ruas de São PauloFoto: AP

Sem dúvida. Não apenas no Brasil, mas em outras cidades latino-americanas. E não só do crime organizado, mas também da criminalidade comum. O dado novo é a brutalidade destes atos criminosos. Assaltos, seqüestros, ameaças. E também o fato de que não se pode mais avaliar o grau da criminalidade. Não se trata mais de lutas de bandos, mas a própria polícia envolve-se com cada vez mais freqüência em atos ilícitos.

Podem ser traçados paralelos entre as revoltas nas ruas brasileiras e os recentes conflitos na França, em novembro último? O desemprego dos jovens é uma palavra-chave nos dois casos?

Deve-se tomar cuidado com tais paralelos, mas a falta de ocupação dos jovens é certamente um ponto em comum. Embora seja possível dizer que os jovens, no caso do Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo, servem apenas de forro para a violência e a criminalidade, que são coordenadas por grupos poderosos. Na França, a falta de perspectivas dos jovens exerceu um papel importante no caso das revoltas, embora estes jovens vivam em condições diferentes das que se vê no Brasil.

Como o senhor analisa os papéis desempenhados pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) em São Paulo e pelo Comando Vermelho, no Rio?

Estes são os mais conhecidos. Seus papéis vão também sendo propagados pela mídia. Há até filmes sobre rebeliões em presídios. O "efeito de propaganda", neste caso, é enorme.

Uma dupla que faz música funk e usa em suas letras referências a traficantes conhecidos colocou à venda um álbum chamado "Taleban – Parque dos Monstros". Na capa, pode-se ver o World Trade Center em chamas ao fundo. O terrorismo internacional se tornou uma fonte de inspiração para a criminalidade cotidiana?

As ligações são feitas com freqüência, pois sabe-se que isso chama a atenção e o mundo reage de forma sensível ao assunto. Acredito, contudo, que as ligações entre os dois fenômenos sejam limitadas. O exemplo mais conhecido é o de querer estabelecer ligações entre o triângulo de países no cone sul e a Al Qaeda, mas as provas disso são, na verdade, insuficientes.

A sociedade brasileira pode se desenvolver ao ponto de se assemelhar à Colômbia, com a criação de poderes paralelos, aos moldes dos paramilitares?

Paramilitares na Colômbia: destino brasileiro?Foto: AP

É claro que a história da Colômbia é outra, com outros aspectos. Mas há o risco de que os limites entre a polícia, o poder militar e forças privadas de segurança se tornem cada vez mais fluidos. Trata-se de um fenômeno comum em outros países latino-americanos e muito perigoso. Na Venezuela de Chávez, a participação da polícia em atos criminosos, entre outros envolvendo o tráfico de drogas, aumentou sensivelmente. Este é um dos problemas centrais dos países latino-americanos e de difícil solução.

Quais soluções existem a médio e longo prazo para o problema da violência urbana no país?

Acaba-se sempre falando dos mesmos problemas: a enorme desigualidade social. Enquanto os problemas sociais não forem solucionados, será difícil reduzir o grau de violência. Há programas no Brasil que tentam minimizar esses problemas, mas não são suficientes. Não acredito na eficácia de medidas de represália a longo prazo.

Há de se notar que o que se vê agora é a chegada de um novo nível de violência, muito perigoso. Isso também é um fenômeno latino-americano. Na Venezuela sob o governo Chávez, a violência e a criminalidade triplicaram. Temos aí também um fenômeno semelhante de mistura do poder policial, forças privadas de segurança e tráfico de drogas.

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