Ameaçado por disputas internas e escândalos, partido passa por processo de encolhimento e deve sair ainda menor das eleições municipais. "Sigla precisa mudar programa e renovar sua liderança", diz analista.
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A queda de Dilma Rousseff não encerra as dificuldades do PT. Apesar de não ter figurado sozinho na série de escândalos de corrupção que estouraram nos últimos dois anos, o partido foi a sigla que mais sofreu impacto. Hoje, tem vários nomes na cadeia e está ameaçado por um racha interno.
Mas são as eleições municipais que devem escancarar mais os desafios e o encolhimento do PT pós-impeachment. Em comparação com 2012, o número de candidatos a prefeito filiados ao partido caiu pela metade. Eram 1.829 em 2012. Desta vez, a sigla só vai lançar 992.
Entre os candidatos a vereador, a queda foi similar. Em 2012, o partido lançou quase 41 mil filiados ao cargo. Desta vez, são apenas 21,6 mil. Para efeito de comparação, o PMDB de Michel Temer, que também sofreu acusações de corrupção, vai contar com 2.360 candidatos a prefeito – praticamente o mesmo número de 2012.
A desidratação do partido não está ocorrendo só no número de candidaturas. O PT também vem perdendo quadros que já ocupam cargos. Cerca de um quarto dos 632 prefeitos eleitos pelo PT em 2012 deixaram a sigla, entre eles Luciano Cartaxo, prefeito de João Pessoa, que passou para o PSD. Hoje o partido só governa três capitais. Em 2004, o número chegou a nove.
Ao se desligar do partido, Cartaxo disse que não queria ser penalizado localmente por "questões que acontecem em âmbito nacional". Hoje ele lidera a corrida à prefeitura com 52% das intenções de voto, um número bem melhor do que o de prefeitos ainda filiados ao PT que tentam se reeleger, como Fernando Haddad, que conta com 9% em São Paulo. Pesquisas mostram que o partido só deve manter o governo de uma capital, a pequena Rio Branco, e tem alguma chance de conquistar o Recife.
Entre os que permanecem, tem vigorado uma posição de se distanciar da imagem do partido. Essa crise de identidade é visível em várias campanhas. Diversos candidatos estão escondendo símbolos da sigla, como a estrela e a cor vermelha. A campanha de Haddad recebeu críticas da direção do partido por estampar uma estrela minúscula em seus cartazes eleitorais. Em Maceió e São José dos Campos (SP), os candidatos resolveram esconder o vermelho de sua propaganda política.
Antigo vice-líder do governo Dilma na Câmara e presidente do diretório paranaense do PT, o deputado Enio Verri admite que o cenário é pessimista. Segundo ele, a tendência é que o partido saia com metade do tamanho atual depois das eleições. Ainda de acordo com Verri, o momento também é apropriado para uma autocrítica.
"Nos sempre questionamos tudo, crescemos sendo diferentes, mas no governo passamos a ter o mesmo comportamento de outras legendas, abrindo mão de alguns valores. Não podemos mais fugir desse aspecto", afirma.
Brigas internas
Só que essa autocrítica deve depender de lutas internas. No momento, o partido também está ameaçado por disputas entre as alas que comandaram o PT na última década e setores reformistas, que acusam a velha guarda de ter desmoralizado a sigla com escândalos de corrupção.
Entre os reformistas está o ex-governador Tarso Genro, da tendência Mensagem ao Partido, que nos últimos meses vem propondo uma refundação do PT. O gaúcho não esconde sua insatisfação com o grupo que comanda o PT, encabeçado por Rui Falcão.
Recentemente, Tarso acusou a direção nacional de abandonar Dilma quando os caciques rejeitaram a proposta de novas eleições, que vinha sendo uma bandeira da ex-presidente. "Omitiram todos os erros sem um pio. Agora que Dilma aponta, corretamente, querer responder com a soberania popular, direção do PT diz não", disse Tarso. Na prática, a posição de direção nacional sinalizou um abandono de Dilma.
Outros setores mais à esquerda também não esconderam sua insatisfação com o apoio da direção nacional à candidatura do democrata Rodrigo Maia à Presidência da Câmara, acusando os caciques de insistirem no jogo político que levou o PT à atual crise. A ala reformista até lançou um movimento interno chamado "Muda PT".
"O projeto do PT continua válido, mas o partido precisa passar por uma fase de debates e discutir como renovar seus quadros", afirma Dawid Bartelt, diretor da Fundação Heinrich-Böll no Brasil, ligada ao Partido Verde alemão.
O cientista político Rolf Rauschenbach, da Universidade de St. Gallen, na Suíça, concorda. "O impeachment marca o início de uma terceira fase para o PT, depois de um longo período inicial de oposição e 13 anos no governo. A legenda, que antes tinha um programa e apelo popular, hoje não parece muito diferente de outros partidos que são meros veículos para seus caciques. A sigla traiu a própria origem. Eles precisam reformular o programa e trabalhar pela renovação do quadro de lideranças se não quiserem ser jogados em uma vala comum. Isso é uma coisa que vale até para o PSDB", opina.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.