Apesar de defesa do ex-presidente afirmar que efeito é obrigatório, pedido tem peso meramente simbólico e, segundo especialistas, não garante que ele poderá fazer campanha. Entenda.
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O Comitê de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidos informou nesta sexta-feira (17/08) que pediu ao Estado brasileiro que "tome todas as medidas necessárias” para que o ex-presidente Lula possa exercer seus direitos políticos enquanto estiver preso e não tenha sua candidatura à Presidência barrada até que todos os recursos tenham sido esgotados.
Entre os direitos políticos citados pelo comitê está o "acesso apropriado à imprensa e a integrantes de seu partido político”.
Logo após a divulgação desse comunicado, a defesa do ex-presidente afirmou em nota que o comitê acolheu um "pedido liminar” e apontou que como o Brasil "reconhece a jurisdição do Comitê”, "nenhum órgão do Estado Brasileiro poderá apresentar qualquer obstáculo para que Lula possa concorrer” e ter "acesso irrestrito à imprensa” e membros da sua coligação durante a campanha. Dessa forma, a defesa apontou que o Brasil é obrigado a acatar a decisão do comitê.
Mas, apesar do tom da nota da defesa, a decisão do comitê não tem efeito vinculante ou obrigatório. Segundo especialistas, seu efeito prático é reduzido e não garante que Lula possa ter acesso à imprensa ou não tenha sua candidatura barrada até o fim dos recursos judiciais.
"Essa decisão não quer dizer muita coisa. Está mais para uma comunicação ou recomendação. Não tem um efeito obrigatório”, avalia Oliver Stuenkel professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "A decisão também não representa a posição da ONU ou é um retrato do que pensam os países que fazem parte do Conselho de Direitos Humanos.”
O comitê que fez o pedido é composto por 18 especialistas independentes, que não são funcionários da ONU. O grupo não deve ser confundido com outros órgãos de maior influência da organização. Seus membros se reúnem três vezes ao ano para analisar relatórios enviados pelos Estados-membros da ONU e analisar petições individuais, como foi o caso de Lula.
O próprio comitê salienta ainda não ter constatado violações contra os direitos de Lula e destaca que sua opinião não representa o Escritório de Direitos Humanos da ONU, mas apenas os especialistas, sinalizando a intenção de evitar algum tipo de confusão sobre sua autoridade. É comum que ONGs, partidos ou parlamentares façam lobby junto a esses comitês para obter alguma recomendação ou pedido.
"Mas o efeito é apenas político. Ele gera entre apoiadores ou simpatizantes de uma causa ou pessoa que existe algum apoio internacional. O público vai ouvir a sigla ONU, mesmo que a decisão do comitê não crie nenhuma obrigação”, comenta.
O especialista em direito eleitoral Antônio Augusto Mayer dos Santos também aponta que o comitê não tem nenhuma força para influenciar em decisões eleitorais.
"Não há jurisdição eleitoral fora do território nacional. A ONU não detém competência alguma em torno de candidaturas nacionais. É mais uma aventura jurídica. Mais uma chicana", afirma.
Francisco Rezek, ex-ministro do STF e ex-integrante da Corte Internacional de Justiça, também aponta que recomendações de comitês da ONU não têm qualquer poder de lei sobre o Brasil.
"Essa recomendação é vaga e não tem destinatário, pode ser o presidente Temer ou a ministra Carmem Lúcia. Quem responde?”, questiona. "O máximo que pode acontecer é os advogados do ex-presidente tentarem apresentar isso à Justiça Eleitoral, que não tem qualquer obrigação de aceitar.”
O ex-ministro também lembra que o Brasil já ignorou até mesmo decisões com mais peso, como condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violações durante a ditadura. "Em alguns, como as decisões para pagar indenização a parentes de pessoas desaparecidas ou assassinadas, o Brasil atendeu. Mas, por exemplo, não derrubou a Lei da Anistia. E, na prática, não foi punido por isso", afirma Rezek.
Em nota, o Itamaraty disse que tomou conhecimento da deliberação do comitê e afirmou que as conclusões do grupo "têm caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante".
Desde à época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff há manifestações de grupos e entidades internacionais sobre a situação política do Brasil que geram confusão sobre seu poder e influência.
Em maio de 2016, um grupo de deputados do Parlamento Europeu pediu que União Europeia suspendesse negociações com Mercosul sob a alegação de que Dilma havia sofrido “um golpe branco”. Mas apesar do caso ter ganhado destaque no noticiário, o pedido teve apenas importância simbólica, já que os autores do pedido não tinham força política – eram 34 entre 751 membros do Parlamento.
Lula está preso desde 7 de abril na sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. No período, Lula foi escolhido como candidato do PT à Presidência. Seu pedido de registro ainda aguarda análise pela Justiça Eleitoral. O Ministério Público já pediu a impugnação da candidatura com base na Ficha Limpa, já que o ex-presidente foi condenado em 2° instância. Na condição de preso, tem sido impedido pela Justiça de participar de sabatinas e debates.
Para contornar as restrições às visitas – limitadas a membros da defesa, amigos e familiares, entre outros – o ex-presidente nomeou seu candidato a vice, Fernando Haddad, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, como advogados. O Ministério Público questionou a estratégia e acusou o petista de ludibriar as regras e de ter transformado sua cela em "comitê de campanha”. Os procuradores pediram ainda que Gleisi tenha sua atuação como advogada indeferida, já que ela está impedida de exercer advocacia por ocupar cargo de senadora.
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Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.