Decisão eleva as dificuldades de Dilma, mas cientistas políticos afirmam que não é possível concluir que o partido vá apoiar em peso o impeachment e que é necessário esperar para ver como os filiados vão reagir.
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Após meses de especulações, o diretório nacional do PMDB oficializou, durante uma reunião na tarde desta terça-feira (29/03), a saída do partido da base aliada do governo Dilma Rousseff, encerrando uma parceria de 12 anos com as administrações petistas.
Para a presidente, a saída representa mais um golpe nas tentativas de estabilizar a sua relação com o Congresso e frear o processo de impeachment. Já para o PMDB, levanta questões sobre como os membros da sigla vão agir nos próximos dias, à medida em que a sustentação do governo se esfarela e cresce a expectativa de que o vice-presidente Michel Temer possa assumir a Presidência.
Antes mesmo da reunião, diversas alas rebeldes do PMDB já vinham pressionando pelo rompimento. O golpe determinante ocorreu na semana passada, quando o diretório do Rio de Janeiro, que vinha sendo o principal bloco de sustentação de Dilma dentro do seu maior aliado, também decidiu apoiar a saída.
Nos último dias, Dilma iniciou tentativas de frear o processo de afastamento, como o oferecimento de cargos, mas prevaleceu a articulação da facção antigovernista, que contou com apoio explícito de Temer. Por fim, a opção pela saída se deu por aclamação apenas três minutos após o início da reunião, que foi conduzida por um dos vice-presidentes do PMDB, o senador Romero Jucá.
"Essa tendência pró-saída não era novidade. Ela mostrou que a ala governista do PMDB se tornou mesmo minoritária", afirmou o cientista político Rafael Cortez, da Consultoria Tendências.
Oficialmente, o PMDB proibiu que qualquer membro da sigla continue no governo. Assim, peemedebistas que ocupam ministérios terão que deixar as pastas. Um acordo está sendo negociado para que isso ocorra até 12 de abril. Apenas Temer permanecerá no governo, por ter sido eleito para o cargo, e não nomeado.
Esperar para ver
A decisão da direção nacional do PMDB eleva as chances de o processo de impeachment da presidente Dilma prosperar, já que fortalece os rebeldes antigovernistas do PMDB, que agora podem convencer outros filiados a aderirem ao processo.
No Planalto, o temor é que, após a saída do PMDB, aconteça também uma debandada de outros partidos, como o PSD, PP e PR, diminuindo ainda mais o poder de manobra do governo. "Esse gesto do PMDB é um incentivo para que outras siglas parecidas sigam o mesmo caminho", afirma Cortez.
Só que ao mesmo tempo, cientistas políticos advertem que a decisão do partido não significa que a sua própria bancada, de 68 deputados federais, vá abraçar publicamente e de imediato a saída do governo Dilma.
"Mesmo com uma decisão dessas, não gosto de cravar que esse é um movimento definitivo. É difícil de avaliar como eles vão botar isso em prática. Todos os anos, por exemplo, o PMDB gosta de falar que vai ter candidato próprio à Presidência, que vai ter um programa para unificar o partido, mas nada disso é executado. O PMDB não gosta de se unificar de fato diante de uma determinada pauta", afirma o cientista político Rafael Moreira, que estuda a dinâmica do partido em sua tese de doutorado.
Segundo ele, é necessário esperar para ver se a saída implica que a sigla tenha se voltado em peso para o impeachment e até mesmo para ver se a ordem de abandonar o governo vai ser cumprida à risca. Para Moreira, a a reunião desta terça-feira tentou jogar um verniz de unidade numa sigla que é tradicionalmente fragmentada.
Todos os ministros vão mesmo sair?
Até a noite desta segunda-feira, o PMDB ocupava sete ministérios. Com a decisão pela saída, o diretório nacional espera que todos os ministros abandonem as pastas nos próximos dias. Mas, até o momento, só Henrique Alves, do Turismo, deixou o governo, e ao menos três peemedebistas já deram mostras que pretendem ficar, entre eles a ministra Kátia Abreu, da Agricultura, que foi escolhida numa cota pessoal da presidente.
No mês passado, o partido já havia proibido seus filiados de assumirem novos cargos no governo, mas isso não impediu que o deputado Mauro Lopes tomasse posse como ministro da Aviação Civil, ignorando a decisão.
Também nesta terça-feira, membros do partido especularam que podem ser feitos arranjos para agradar os ministros que decidirem ficar no governo, como uma autorização para que eles se licenciem do partido.
Para Moreira, a questão envolvendo os ministérios é um dos maiores empecilhos para entender o movimento desta terça-feira como uma ruptura drástica e para ver o partido unido como oposição ao governo. "Esses ministros podem simplesmente ir para outro partido. Ou o partido ainda pode esticar o prazo para que eles saiam do governo. E aí, como ficaria esse discurso do PMDB?", disse.
"Não dá para falar que todo o PMDB abraçou essa decisão. O partido nunca tomou decisões drásticas. Ele é um mestre de tomar decisões para não tomar decisões. É o caso de observar como as várias facções vão abraçar esta decisão."
É o começo do fim?
Na segunda-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vem comandando a articulação política do governo Dilma, afirmou lamentar uma eventual saída do PMDB, mas disse que ainda mantinha a esperança de negociar individualmente, com cada deputado, as questões de interesse do Planalto, como ocorreu nos primeiros meses de 2003, quando a sigla ainda não fazia parte da base aliada.
Só que, segundo Cortez, a decisão da direção nacional mostra que agora existem mais motivos para especular sobre uma mudança de governo do que para acreditar no sucesso da negociação de concessões na administração Dilma, mas, ainda assim, é difícil avaliar se o episódio desta terça-feira vai realmente marcar o começo do fim do governo Dilma, como afirma a oposição.
"Isso definitivamente gerou um incentivo para viabilizar um eventual governo Temer. Os antigovernistas também aumentaram o custo político para quem quiser continuar a apoiar o governo. No entanto, isso ainda não significa que todos os votos do PDMB serão contatos para o impeachment. As dinâmicas desse processo são mais complexas, e ainda há divergências no partido sobre o que deve ser feito, mesmo com a saída. Basta observar que o partido saiu do governo, mas ainda não se posicionou oficialmente sobre impeachment", afirma.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.