O que significam os cortes anunciados no Bolsa Família
Roberta Jansen18 de maio de 2016
Especialistas consultados pela DW destacam que reavaliação dos cadastros é normal e que reduzir o programa não é eficiente para economizar verbas. Debate estaria sendo utilizado para fins políticos por ambos os lados.
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O anúncio da revisão do programa Bolsa Família, que poderia levar ao desligamento de pelo menos 10% dos beneficiários, divide a opinião de especialistas. Enquanto alguns veem na medida apenas uma prática corriqueira em qualquer programa social, outros apontam um cunho político nas alterações propostas.
O novo ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, anunciou na última semana um pente-fino no Bolsa Família – menina dos olhos dos governos do PT. Atualmente, 14 milhões de famílias recebem o benefício. A proposta do governo interino é fazer um cruzamento de diferentes bases de dados disponíveis, com o objetivo de checar se todos os inscritos cumprem, de fato, as condições de baixa renda e as contrapartidas exigidas. Estudos indicam que 10% não se enquadrariam mais nos critérios; mas, segundo o ministro, esse percentual poderia chegar a 30%.
"Acho que o processo de aprimoramento dos programas sociais é sempre algo bem-vindo. Minha leitura é de que não vai haver corte, mas um pente-fino mesmo, um cruzamento com outros bancos de dados para refinar o perfil dos beneficiários, coisa que já foi feita em outros lugares, inclusive no Rio de Janeiro", explica o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas.
O economista – que já foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do governo e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – ressalta, no entanto, que o Bolsa Família é um dos melhores programas sociais já implementados, responsável por 20% da redução da desigualdade no país desde 2001. A vantagem do programa, segundo o economista, é que ele custa pouco (menos de 0,6% do PIB) e é muito eficiente.
"É o programa social mais eficiente que temos"
Um estudo do Ipea mostra que o programa estimula a economia do país por meio do aumento do consumo na camada mais pobre da população. Para cada R$ 1 aplicado pelo governo no programa de transferência de renda há um aumento de R$ 1,78 do PIB.
"O dinheiro do Bolsa Família é fundamental ponto de vista econômico, porque ele é gasto na periferia, fazendo o comércio local girar", explica o presidente do Instituto Data Popular, Renato Meirelles. Os números mostram que o programa reduz a taxa de natalidade, a mortalidade infantil e a evasão escolar, pois condiciona o recebimento do benefício a uma série de fatores, como a vacinação das crianças e a frequência escolar.
"Não é uma revolução, mas é o programa social mais eficiente que temos", afirma Neri. "Agora, o que me parece é que no calor do debate, com o acirramento da polarização política, está havendo muito ruído na comunicação. Muitas pessoas estão olhando para o Bolsa Família como se ele fosse um problema, quando, na verdade, ele é parte da solução. Ele reduz a pobreza muito mais do que qualquer outra medida; é 400% mais eficiente do que o aumento do salário mínimo ou das aposentadorias, por exemplo; não é pouca coisa." Isso ocorre porque o Bolsa Família alcança uma parcela muito pobre da população que, em geral, vive de subempregos e não é contemplada nem com o salário mínimo nem com a aposentadoria.
Instrumentalização política
Para o professor de economia da PUC-RJ José Márcio Camargo, a reavaliação do cadastro vem sendo feita desde a implementação do programa e não significa que ele será reduzido. Camargo vê um uso político das críticas à reavaliação do perfil dos beneficiários.
"Os ânimos estão exaltados, e o governo (do PT) está tentando usar politicamente qualquer coisa que possa tornar o novo governo de Michel Temer mais difícil. Então, na minha opinião, essa propalada redução do programa tem um componente político."
Camargo frisa ainda que reduzir significativamente o programa com o intuito de economizar verbas não seria eficiente, uma vez que o Bolsa Família gasta poucos recursos e de forma bastante focalizada na parcela mais pobre da população.
Mudança de enfoque
Já o presidente do Instituto Data Popular vê uma mudança de perspectiva sobre o programa no governo interino de Michel Temer. "Pelas declarações dadas, me parece que o atual governo tem uma visão do Bolsa Família como um programa assistencial, que garanta apenas que ninguém passe fome, enquanto que o governo anterior o via como um programa de inclusão, com o objetivo de manter as crianças na escola e construir um país melhor", sustenta Renato Meirelles. "Se o programa é visto meramente como assistencial, a redução faz algum sentido."
Para Meirelles, a verdadeira questão por trás da discussão é quem vai pagar a conta do ajuste fiscal que precisa ser feito para botar a economia em ordem e fazer o país voltar a crescer: os que têm mais dinheiro ou os que têm menos dinheiro.
"As decisões sobre como e onde cortar vão refletir essa escolha. Cortando do Bolsa Família, vai tirar pessoas lá da base da pirâmide, cujos filhos estão estudando graças ao benefício. Mesmo que dê certo, que o país volte a crescer, vamos ter mais crianças analfabetas. Então, na minha opinião, esses cortes não podem ser feitos às custas do futuro. O aumento da escolaridade é um sinalizador imediato do futuro que vamos ter."
Os ministros do governo Temer
Gabinete do presidente interino tem nomes conhecidos da política, vários alvos da Justiça e nenhuma mulher. Confira uma minibiografia de cada um deles.
Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Gilberto Kassab
Ministro das Cidades até abril de 2016 e prefeito de São Paulo por dois períodos, Gilberto Kassab foi escolhido para comandar o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. O fundador do Partido Social Democrático (PSD) é réu em processo de improbidade administrativa e foi condenado em 2014 por não pagar precatórios judiciais previstos em leis, mas recorre da decisão.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Raul Jungmann
O deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) é o novo ministro da Defesa. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foi o principal responsável por questões fundiárias, presidindo o Incra e comandando o Ministério de Desenvolvimento Agrário. Jungmann é alvo de ações movidas pelo Ministério Público por improbidade administrativa e por dano ao erário na época que chefiava o Incra.
Foto: Edilson Rodrigues/Agencia Senado
Geddel Vieira Lima
Figura próxima de Temer, Geddel Vieira é o novo ministro-chefe da Secretaria de Governo. Em sua carreira política, foi deputado federal por cinco mandatos consecutivos, além de ministro da Integração Nacional no segundo mandato de Lula. O peemedebista é investigado na Operação Lava Jato e, em 2014, foi condenado por realizar propaganda eleitoral irregular.
Foto: Valter Campanato/Agencia Brasil
Bruno Araújo
Sem experiência ministerial, o deputado federal Bruno Araújo (PSDB-PE) foi escolhido para comandar o Ministério das Cidades. Responsável por proferir o voto que selou a votação do impeachment na Câmara, o parlamentar teve seu nome citado na lista da Odebrecht, apreendida pela Polícia Federal, que mostra centenas de políticos que receberam doações da empreiteira.
Foto: Gustavo Lima/Camara dos Deputados
Blairo Maggi
Ex-governador do Mato Grosso, o senador Blairo Maggi (PR-MT) assume o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Dono do grupo que é um dos principais exportadores de soja do país, é considerado por ambientalistas um dos grandes promotores do desmatamento. Maggi é alvo de inquérito que apura lavagem de dinheiro e também de ações do Ministério Público por improbidade administrativa.
Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Henrique Meirelles
O novo ministro da Fazenda foi eleito deputado federal pelo PSDB em 2002, mas abriu mão de assumir a cadeira quando foi chamado pelo então presidente Lula para presidir o Banco Central – ele permaneceu no cargo entre 2003 e 2011. Atualmente, Meirelles vinha presidindo o Conselho de Administração da holding J&F, que controla a empresa de alimentos JBS.
Foto: Antonio Cruz/ABr
Mendonça Filho
O deputado federal assume o Ministério da Educação e Cultura. Ex-governador de Pernambuco – depois da renúncia do titular Jarbas Vasconcelos –, Mendonça Filho (DEM-PE) é parte em processos relacionados a contas eleitorais de seu partido e está entre as centenas de políticos citados na lista da Odebrecht, apreendida pela Lava Jato.
Foto: Gustavo Lima/Camara dos Deputados
Eliseu Padilha
Novo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha comandou o Ministério dos Transportes no governo FHC e a Aviação Civil durante a gestão Dilma. Pediu demissão um dia antes de o deputado Eduardo Cunha aceitar o pedido de impeachment da presidente petista. Indiciado por formação de quadrilha em 2011, Padilha foi recentemente citado na delação de Delcídio do Amaral.
Foto: Wilson Dias/Agencia Brasil
Osmar Terra
Sem experiência ministerial, Osmar Terra é deputado federal (PMDB-RS) e agora assume o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, responsável pelo Bolsa Família. Também citado na lista da Odebrecht, o político teve suas contas contestadas pelo TCE quando chefiava a Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Leonardo Picciani
Também sem experiência ministerial, o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB-RJ) foi escolhido para comandar o Ministério do Esporte. Aos 36 anos, ele está em seu quarto mandato na Câmara e ocupa o posto de líder da bancada do PMDB da Casa. Picciani é alvo de representação (sob segredo de Justiça) por captação e gastos ilícitos na campanha de 2014, com pedido de cassação de diploma.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Ricardo Barros
Novo ministro da Saúde, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) não tem experiência comandando ministérios, mas foi secretário de Indústria e Comércio e Assuntos do Mercosul no Paraná. Também citado na lista da Odebrecht, Barros foi condenado por fraude em venda de equipamentos e por danos causados aos cofres públicos referentes ao período em que foi prefeito de Maringá.
Foto: Antonio Cruz/Agencia Brasil
José Sarney Filho
Filho do ex-presidente José Sarney, o deputado federal (PV-MA) assume o Ministério do Meio Ambiente. No governo tucano, foi ministro da mesma pasta entre 1999 e 2002. No passado, Sarney Filho chegou a ser condenado ao pagamento de uma multa em representação movida pelo Ministério Público Eleitoral por prática de conduta vedada.
Foto: Agência Brasil/M. Camargo
Henrique Alves
Figura muito próxima a Temer, Henrique Alves foi escolhido para o Ministério do Turismo. Foi ministro da pasta durante o governo Dilma, mas renunciou ao cargo duas semanas antes da aprovação do processo de impeachment pelo Senado. Alves foi deputado federal pelo Rio Grande do Norte por 11 mandatos consecutivos, chegando à presidência da Câmara. Ele é investigado pela Operação Lava Jato.
Foto: Tomaz Silva/Agencia Brasil
José Serra
Novo ministro da Relações Exteriores, o senador José Serra (PSDB-SP) comandou o Ministério da Saúde no governo FHC e foi prefeito e governador de São Paulo, sendo derrotado nas eleições presidenciais de 2002 e 2010. É alvo de ação civil pública por improbidade administrativa de quando era ministro tucano, e teve seu nome associado ao escândalo das licitações no transporte público paulista.
Foto: Moreira Mariz/Agencia Senado
Ronaldo Nogueira
Com breve carreira política, o deputado federal Ronaldo Nogueira (PTB-RS) foi escolhido por Temer para chefiar o Ministério do Trabalho. Administrador por formação, ele exercia seu primeiro mandato na Câmara quando foi convidado pelo vice-presidente. Nogueira teve reprovadas as contas referentes à campanha eleitoral de 2014.
Foto: Lucio Bernardo Junior/Câmara dos Deputados
Alexandre de Moraes
O advogado e consultor jurídico Alexandre de Moraes, ligado ao PSDB, ocupava a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo quando foi escolhido para assumir o Ministério da Justiça e Cidadania. Teve carreira de destaque no Ministério Público paulista, tendo chegado ao posto de procurador-geral da Justiça. Moraes atuou como advogado do deputado Eduardo Cunha.
Foto: Elza Fiuza/Agencia Brasil
Maurício Quintella Lessa
Quem assume o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil é o deputado federal Mauricio Quintella (PR-AL), ex-líder do partido na Câmara. O político foi condenado em 2014 por ter participado, enquanto secretário de Educação de Alagoas, de um esquema que desviou dinheiro destinado ao pagamento de merenda escolar. Quintella foi multado pela Justiça em 4,2 milhões de reais.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Fabiano Augusto Martins Silveira
O advogado foi escolhido para comandar o Ministério da Fiscalização, Transparência e Controle, recém-criado por Temer para substituir a Controladoria-Geral da União. Fabiano Augusto Martins Silveira é doutor em Direito e conselheiro no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo segundo mandato, além de consultor legislativo do Senado Federal desde 2002.
Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Fábio Osório Medina
O substituto de José Eduardo Cardozo no comando da Advocacia-Geral da União é Fábio Osório Medina. Advogado e professor, ele é ex-promotor de Justiça do Rio Grande do Sul e especializado em leis sobre combate à corrupção. No início de maio, Medina foi um dos convidados pela oposição para falar em sessão da comissão especial do impeachment no Senado.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Sérgio Etchegoyen
O novo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Temer é chefe do Estado-Maior do Exército (EME) desde março de 2015. Assinou, junto a outros familiares, uma carta em que critica a Comissão Nacional da Verdade – o pai de Etchegoyen foi denunciado por graves violações aos direitos humanos durante o regime militar brasileiro.
Foto: cc-by-Neal Snyder/US Army
Marcos Pereira
Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e ex-executivo da rede Record de Televisão, Marcos Pereira é o novo ministro da Indústria, Comércio e Serviços. Cotado para a Ciência e Tecnologia, o evangélico enfrentou forte resistência entre acadêmicos. O presidente do Partido Republicano Brasileiro (PRB) é advogado e foi sócio de escritórios de contabilidade e advocacia.
Foto: Imago
Fernando Coelho Filho
Deputado federal há três mandatos com apenas 32 anos, o novo ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho (PSB-PE) é herdeiro político do senador Fernando Bezerra Coelho, seu pai, que ocupou a pasta de Integração Nacional no governo Dilma e está sob investigação na operação Lava Jato. Foi o mais jovem parlamentar eleito no Brasil, com apenas 22 anos.
Foto: Agencia Brasil/M. Camargo
Helder Barbalho
À frente da cobiçada pasta de vasto orçamento e impacto na região Nordeste está outro herdeiro político, filho de Jader e Elcione Barbalho. O novo ministro da Integração Nacional Helder Barbalho (PMDB-PA) comandou a Secretaria de Portos do governo Dilma até abril. Também foi secretário da Pesca e Aquicultura. Na saída, afirmou acreditar na inocência da presidente.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Lacerda
Dyogo Oliveira
O economista ocupou vários cargos no Ministério da Fazenda, desde 2006, até chegar a secretário-executivo. Mais tarde, assumiu a posição equivalente no Planejamento. Ele se manteve no cargo durante o governo interino. É citado em investigações da Operação Zelotes e teve seus sigilos bancário e fiscal entre 2008 e 2015 quebrados a pedido do Ministério Público Federal.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Marcelo Calero
O posto foi recriado seis dias após ser extinto no primeiro dia do governo interino. Marcelo Calero é formado em direito, trabalhou na Petrobras, em empresas privadas e no setor de energia do Itamaraty. Candidatou-se a deputado federal pelo PSDB-RJ em 2010, mas não foi eleito. Foi secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro de 2013 até assumir o ministério.
Foto: Agência Brasil/ V. Campanato
Romero Jucá
Foi ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão por 11 dias no governo interino. Senador do PMDB, ele teve uma conversa gravada, em que defendia uma mudança de governo para "estancar a sangria" de políticos citados na Lava Jato. Foi líder dos governos FHC, Lula e Dilma no Congresso e é investigado por formação de quadrilha, além de ter seu nome envolvido na Operação Zelotes.