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O que sobreviveu dos tesouros da Notre-Dame?

16 de abril de 2019

Além da riqueza arquitetônica, catedral abrigava preciosidades religiosas e artísticas, como relíquias, esculturas e pinturas. Após o incêndio, sua estrutura foi preservada, mas há incertezas sobre vitrais e pinturas.

Frankreich, Paris: Brand in der Kathedrale Notre Dame
Foto: Getty Images/AFP/P. Wojazer

Após o incêndio que atingiu parte da Catedral de Notre-Dame nesta segunda-feira (15/04), a fachada principal e as torres dos sinos ainda continuam a impor-se na pequena Île de la Cité, entre as duas margens do rio Sena. A parte norte e o telhado, com a queda da chamada flecha em forma de agulha, foram as partes mais afetadas, e os bombeiros continuam os trabalhos de inspeção na estrutura.

O fogo na catedral – um dos edifícios mais icônicos de Paris, da França e da arte gótica – foi declarado extinto pelas autoridades francesas pouco antes das 10h (hora local) desta terça-feira. O incêndio teve início na segunda-feira por volta das 18h50 e, portanto, só foi extinto após cerca de 15 horas.

A estrutura básica exterior foi considerada salva pelos bombeiros. Sua importância para a França e a capital do país já se inicia na própria praça da catedral, porque dali são calculadas até hoje todas as distâncias francesas, a partir de um ponto definido como marco zero.

Mais antiga que o Louvre ou a Torre Eiffel, a Notre-Dame é considerada um dos monumentos mais emblemáticos de Paris,sendo visitada anualmente por 13 milhões de pessoas. Sua construção começou no século 12, mais precisamente em 1163, e durou mais de 180 anos, tendo sido inaugurada em 1345.

Fachada oeste é um tesouro em si. Preservada após o incêndio, há incerteza em torno dos vitraisFoto: picture-alliance

Dedicada à Virgem Maria (Notre-Dame ou Nossa Senhora), a construção da igreja acompanhou o próprio desenvolvimento de Paris, pois a antiga catedral era pequena demais para a futura metrópole europeia. Além dos sinos, gárgulas, vitrais e rosáceas que também adornam muitas outras catedrais, uma das principais atrações da Notre-Dame é a sua própria arquitetura, que se difere de muitas igrejas góticas da época.

Enquanto no resto da Europa, novas formas de gótico estavam em voga no século 13, Paris não aderiu a essas tendências, resgatando formas do antigo gótico, com elementos horizontais numa proporção calculada e equilibrada.

Fachada harmônica

Marco zero marca início da contagem de distâncias a partir da praça da Notre-DameFoto: picture-alliance/Y. Leemage

Como exemplo, o site oficial da Catedral de Notre-Dame destaca a fachada oeste como o primeiro tesouro do edifício. Felizmente, o fogo que atingiu a torre norte conseguiu ser extinto durante a noite, preservando a fachada e seus cinco portões, construídos entre 1200 e 1250.

As proporções da fachada são baseadas num arranjo especial de quadrados que formam retângulos aproximadamente na relação de lados 2: 3.

Aqui se realizou o ideal de Santo Agostinho: uma arquitetura cujas proporções são baseadas em consonâncias musicais (harmonia de tons), que por sua vez refletem a ordem harmônica do universo.

Paris introduziu uma inovação decisiva no projeto da fachada: a galeria real acima da área do portal como um símbolo da união entre igreja e monarquia. Sobre essa fachada, 28 estátuas representam os reis de Judá e de Israel, ancestrais de Cristo.

Já no século 13 as pessoas pensavam neles como os reis da França. Esta série de estátuas reais em grande formato influenciou algumas das catedrais mais importantes, como Reims e Amiens.

Acima desses personagens, em ambos os lados da fachada, estão as estátuas de Adão e Eva. No centro, uma grande rosácea, cujo diâmetro mede quase 10 metros, forma uma auréola para a estátua da Virgem Maria com seu filho, Jesus, que é emoldurada por dois anjos.

Três grandes rosáceas adornam fachadas da Notre-Dame, mas liga que une peças suporta mal variações de calorFoto: picture-alliance/E. Bömsch

Vitrais do século 13

A Notre-Dame de Paris abrigava três grandes vitrais, construídos no século 13, representando as flores do paraíso, como rosas com pétalas de vidros coloridos. As rosáceas norte e sul são maiores, com 13 metros de diâmetro.

Cada medalhão representa um personagem: profetas, santos, anjos, reis, cenas da vida dos santos, obras de canto, virtudes – todos girando em torno do medalhão central: duas rosáceas apresentam a Virgem e o Menino Jesus, a outra, Cristo em majestade.

Ainda há incertezas quanto aos vitrais da catedral. Com o calor do fogo e a queda da estrutura de madeira do telhado, partes dos medalhões podem ter sido destruídas, assim como o chumbo que as liga pode ter derretido. Philippe Marsset, vigário-geral da arquidiocese de Paris e um dos primeiros a entrar na catedral à noite, descreveu cenas de "bombardeio" e "vitrais explodidos".

No entanto, as rosáceas na fachada norte parecem ter sido poupadas, de acordo com várias testemunhas. Uma delas deve ser desmontada rapidamente para que não caia, escreveu o Le Figaro nesta terça-feira.

Flecha projetada por Viollet-le-Duc foi um dos tesouros a sucumbir ao fogoFoto: Getty Images/AFP/G. van der Hasselt

Torres e estátuas

Em forma de agulha, a flecha sobre o telhado da catedral foi logo consumida pelo fogo. Essa torre, com 93 metros de altura, havia sido construída em 1860 por Eugène Viollet-le-Duc, um dos arquitetos mais importantes do século 19, durante a longa restauração pela qual a igreja passou a partir de 1844.

As 16 estátuas de cobre que adornavam a torre, representando os doze apóstolos e os quatro evangelistas, escaparam das chamas. Elas haviam sido removidas de sua base há apenas alguns dias para serem restauradas.

Os sinos também são considerados um importante tesouro da catedral e fazem parte da história de Paris. São 13 no total, com nomes de santos. Três estavam na torre que desabou no incêndio, a chamada "flecha", em forma de agulha. De acordo com Le Figaro, o sino Bourdon, com 13 toneladas, e os outros sinos restaurados em 2013 escaparam intactos.

Estátuas de cobre foram retiradas para restauração poucos dias antes do incêndioFoto: Getty Images/AFP/M. Bureau

Tesouros religiosos e artísticos

Além de sua riqueza arquitetônica, a Notre-Dame de Paris abrigava tesouros religiosos e artísticos, como relíquias, esculturas e pinturas. Embora ainda haja incerteza sobre a extensão das perdas, muitos deles puderam ser salvos, como a coroa de espinhos que se acredita ter sido usada por Jesus Cristo antes da crucificação. Outros, no entanto, foram provavelmente perdidos para sempre no ardor das chamas, como as "grandes pinturas" do século 17 e 18, os chamados Mays.

Existiam 76 Mays no total. Treze deles eram rotineiramente expostos ao público na Notre-Dame, entre eles a Lapidação de Saint Etienne, do pintor Charles Le Brun. Segundo o reitor da catedral, quadros com grandes dimensões, como é o caso dos Mays, não puderam ser retirados durante o incêndio.

Manto de São Luís foi retirado a tempo, disse reitor da catedralFoto: picture-alliance/dpa/AKG

A preocupação também diz respeito a outro tesouro da Notre-Dame: os seus três órgãos e, em particular, ao grande órgão, com seus cinco teclados, seus 109 jogos e seus quase 8 mil tubos. Construído a partir do século 15, ele foi ampliado gradualmente, até atingir o tamanho atual no século 18.

Segundo o site da catedral, ele sobreviveu à Revolução Francesa sem danos, "graças provavelmente à interpretação da música patriótica". Seus tubos são feitos de uma liga de estanho e chumbo, que suporta mal variações de calor e umidade.

No entanto, o grande órgão ainda estaria salvo, disse à emissora France Info Vincent Dubois, organista titular do grande órgão da catedral de Notre-Dame de Paris.

Coroa de espinhos que se acredita ter sido usada por Cristo antes da crucificação foi um dos tesouros salvos do incêndioFoto: picture-alliance/dpa/Godong/P. Deliss

Já na noite de segunda-feira, o reitor da catedral, Patrick Chauvet, afirmou que a coroa de espinhos e a túnica de São Luís, duas relíquias de valor inestimável para o catolicismo, puderam ser salvas das chamas. A coroa foi adquirida pelo rei Luís 9° em 1238, tendo sido transferida para Notre-Dame durante a regência de Napoleão em 1806.

Além da coroa e da túnica do próprio Luís 9°, a Notre Dame conserva outras duas relíquias da Paixão: um prego e um pedaço da cruz. Segundo o jornal Le Figaro, uma cena da Paixão de Cristo, que os católicos relembram justamente nesta Semana Santa, também pôde ser salva de dentro sacristia. A Notre-Dame também tem relíquias da Santa Genoveva, padroeira de Paris, e de São Denis.

Alguns dos tesouros ainda poderão ser restaurados, como os quadros que por seu tamanho não puderam ser retirados das naves. Mas, no total, calcula-se que a catedral tenha perdido de 5% a 10% das obras do seu interior, informou o diário Le Figaro.

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