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O recado das urnas europeias contra o establishment político

27 de maio de 2019

Com avanço de verdes e populistas, conservadores e social-democratas devem perder maioria no Parlamento Europeu, e alianças devem ser cruciais. Comparecimento às urnas foi o maior das últimas duas décadas.

Wiesbaden Europawahl Stimmauszählung
Foto: picture-alliance/dpa/A. Arnold

A maior surpresa das eleições para o Parlamento Europeu foi a grande participação nas urnas. Entre 23 e 26 de maio, cerca de 51% dos 420 milhões de eleitoras e eleitores da União Europeia (UE) entregaram seu voto, oito pontos percentuais a mais do que no último pleito, cinco anos atrás, e do que nas últimas duas décadas.

Protestos contra a política climática, estudantes em greve e rechaço aos partidos populistas de direita e antieuropeus aparentemente mobilizaram a população, avaliou Janis Emmanouilidis, especialista em política do European Policy Centre de Bruxelas, em entrevista à DW.

Na opinião da liberal dinamarquesa Margrethe Vestager, atual comissária europeia para a Concorrência, os cidadãos reconheceram que votar é poder. "Deve-se utilizar esse poder e dizer que há coisas em jogo. Candidatam-se partidos que querem destruir a UE, partidos que se denominam nacionalistas, mas vendem seu país aos russos. Isso fez as pessoas pensarem que desta vez é preciso realmente ir votar."

O principal candidato dos social-democratas europeus, Frans Timmermans, se disse feliz, pois a grande participação é "um ótimo sinal de uma democracia funcional".

Liberais e verdes terão maior presença no Parlamento Europeu. Na Alemanha, o Partido Verde conquistou 20% dos votos, ficando em segundo lugar atrás dos conservadores da União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, e da União Social Cristã (CSU), e à frente do Partido Social-Democrata (SPD). Esse foi o melhor resultado já obtido pela legenda ambientalista numa eleição de âmbito nacional.

Decepcionado, o chefe da bancada social-democrata europeia, Udo Bullmann, admitiu que seu partido subestimou o tema da política climática, e prometeu corrigir a falha.

Também a presidente da CDU, Annegret Kamp-Karrenbauer, admitiu déficits quanto à política ambiental. Apesar das perdas, ela se disse feliz por a união conservadora se manter como grupo mais forte na Alemanha e no Parlamento Europeu.

Business as usual  em Bruxelas?

Após o fechamento das urnas, o alemão Manfred Weber, principal candidato da aliança conservadora Partido Popular Europeu (PPE), anunciou a intenção de se tornar chefe da Comissão Europeia: "Não conseguimos uma grande vitória, mas somos o grupo mais forte."

O social-cristão alemão conclamou os demais partidos pró-europeus a cooperarem, dirigindo-se expressamente aos ambientalistas da política: "Os verdes são também os vencedores do dia, pois isso são os possíveis parceiros. Devemos nos sentar juntos e esboçar um mandato para os próximos cinco anos."

Segundo resultados preliminares, o PPE de Weber dispõe de 180 assentos no Parlamento Europeu, 42 a menos do que antes. A Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) igualmente perdeu espaço, detendo agora 146 vagas.

A Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa (ALDE) ficou com 109 mandatos, incluído o novo partido do presidente francês, Emmanuel Macron. O Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia saltou de 52 para 69 vagas.

Os populistas de direita se mostraram fortes em alguns dos 28 países-membros da UE, como a Itália e a França, mas no geral tiveram desempenho abaixo dos prognósticos. Juntos, concentram 150 assentos, porém divididos em três diferentes facções. Os nacionalistas da Alternativa para a Alemanha (AfD) não cresceram tanto quanto previsto. Nos estados de Brandemburgo e da Saxônia, no leste alemão, contudo, obtiveram maioria, ainda à frente das conservadoras CDU/CSU.

Emmanouilidis ressalta que as legendas pró-europeias ainda detêm cerca de 80% dos assentos. "Como grupo, os populistas de direita não são tão fortes quanto alguns advertiram antes. Já sabíamos que não obteriam maioria, mas eles são talvez ainda mais fracos do que pensávamos", afirma o especialista em política da UE.

Na Itália, a ultradireitista Liga, do ministro do Interior Matteo Salvini, abocanhou a maior parte dos votos. Na França, a extremista de direita Marine Le Pen venceu o partido do presidente. "Macron realmente tentou colocar seu peso político na balança para tentar evitar que Le Pen e o partido dela ganhassem dianteira. E não conseguiu", resume Emmanouilidis.

Em muitos dos Estados-membros da UE observa-se que os até então dominantes grupos centristas encolheram. Liberais, verdes e direitistas se fortaleceram. Peritos eleitorais de Bruxelas falam de uma fragmentação crescente.

"Vemos que os grandes partidos devem engolir alguns sapos, e que precisa se formar uma coalizão ampla para encontrar uma maioria", afirma Emmanouilidis.

No futuro Parlamento Europeu, conservadores e social-democratas não terão mais maioria como "grande coalizão" informal, como até então, precisando se associar aos liberais e talvez também à bancada verde. Uma coalizão de centro-esquerda, formada por esquerdistas, social-democratas, verdes e liberais não basta para a maioria. Uma maioria de centro-direita tampouco é viável, já que os democratas-cristãos descartam associar-se aos nacionalistas e populistas de direita.

"A partir de agora vai ficar complicado, porque ninguém consegue juntar uma maioria que baste sem o outro", observou Vestager, que concorre a presidente da Comissão Europeia pelos liberais. "Então vai ser bem interessante nos próximos dias, ver quem fala com quem, para colocar as coisas em andamento."

Efeitos colaterais

No Reino Unido, a eleição europeia foi especialmente incomum, pois, embora pretenda abandonar a UE, o país não conseguiu organizar o Brexit a tempo, antes da votação. Por isso, na sexta-feira a primeira-ministra britânica, Theresa May, apresentou sua renúncia. Como previsto, o novo Partido do Brexit, do eurocético Nigel Farage, venceu o pleito com folga, obtendo 31,5%, e os conservadores no governo foram duramente castigados.

Na Grécia, a legenda populista de esquerda Syriza perdeu para a oposição conservadora, levando o premiê Alexis Tsipras a anunciar novas eleições.

Na Áustria, o conservador Partido Popular (ÖVP), do chanceler federal Sebastian Kurz, ganhou novas forças, embora nesta segunda-feira ele deva se apresentar ao parlamento em Viena para uma moção de confiança.

Por sua vez, os populistas de direita do Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) ficaram em terceiro lugar, atrás dos social-democratas e alguns pontos percentuais a menos do que previsto antes do recente "caso Ibiza".

Num encontro na ilha espanhola com a suposta sobrinha de um oligarca russo, em 2017, o ex-chefe do FPÖ e agora ex-vice-chanceler federal Heinz-Christian Strache prometeu-lhe vultosos contratos públicos em troca de apoio financeiro para sua campanha eleitoral. A recente divulgação do vídeo do encontro por dois veículos de imprensa alemães desencadeou um escândalo político, forçando os populistas de direita a abandonarem a coalizão governamental e Strache a renunciar a seus cargos.

Na Alemanha, quem ficou especialmente feliz com o resultado das urnas foi  Martin Sonneborn, fundador do Die PARTEI: o partido agora possui dois mandatos em Estrasburgo, mas ainda nenhum programa. Die PARTEI é acrônimo para "Partido do Trabalho, Estado de Direito, Proteção dos Animais, Incentivo às Elites e Iniciativa Democrática de Base", em alemão.

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Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.
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