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"O segundo ato de Lula": petista é destaque na capa da Time

4 de maio de 2022

Em entrevista a revista americana, ex-presidente afirma que Bolsonaro estimula racismo, argumenta ser irreal Brasil deixar de usar petróleo e diz que Zelenski é "tão responsável quanto Putin" pela guerra na Ucrânia.

Luiz Inacio Lula da Silva
"Tenho clareza de que posso resolver os problemas [do Brasil]", disse LulaFoto: Ricardo Stuckert/DW

A revista americana Time divulgou nesta quarta-feira (04/05) uma capa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "O segundo ato de Lula: o líder mais popular do Brasil busca retornar à Presidência", diz o título da publicação, que contém uma longa entrevista com o petista. Ela aborda temas como a Presidência de Jair Bolsonaro, a guerra na Ucrânia, o uso de combustíveis fósseis e os eventuais planos de Lula caso ele conquiste o Planalto nas eleições de outubro.

No texto de introdução, a revista lembra que Lula deixou a Presidência no final de 2010 com uma taxa de aprovação de 83% e que atualmente o ex-presidente lidera as pesquisas de intenção de voto para a eleição de 2022.

A Time ainda menciona que o retorno de Lula à política ocorreu graças ao Supremo Tribunal Federal, que no ano passado anulou as condenações do petista. O tribunal também reconheceu a parcialidade de Sergio Moro ao condenar Lula, avaliando que o ex-juiz violou a garantia do ex-presidente a um julgamento justo. "A decisão preparou o terreno para um duelo entre Lula e o atual presidente de extrema direita Jair Bolsonaro nas eleições de outubro de 2022", diz a revista.

"Posso resolver os problemas do Brasil"

Na entrevista que concedeu à revista Time, Lula afirmou que políticas de inclusão social começaram a ser destruídas após a saída de Dilma Rousseff da Presidência.

"Quando deixei a Presidência em 2010, efetivamente eu não pensava mais em ser candidato à Presidência da República. Entretanto, o que eu estou vendo, 12 anos depois, é que tudo aquilo que foi política para beneficiar o povo pobre – todas as políticas de inclusão social, o que nós fizemos para melhorar a qualidade das universidades, das escolas técnicas, melhorar a qualidade do salário, melhorar a qualidade do emprego –, tudo isso foi destruído, desmontado", disse o petista.

"Há uma expectativa de que eu volte a presidir o país porque as pessoas têm boas lembranças do tempo em que eu fui presidente. As pessoas trabalhavam, as pessoas tinham aumento de salário, os reajustes salariais eram acima da inflação. Então eu penso que as pessoas têm saudades disso e as pessoas querem isso melhorado."

Lula ainda disse acreditar ser "capaz de fazer mais e fazer melhor" do que o que foi feito em seu governo.

"Tenho clareza de que eu posso resolver os problemas [do Brasil]. Eu tenho a certeza de que esses problemas só serão resolvidos quando os pobres estiverem participando da economia, quando os pobres estiverem participando do orçamento, quando os pobres estiverem trabalhando, quando os pobres estiverem comendo. Isso só é possível se você tiver um governo que tenha compromisso com as pessoas mais pobres."

Sobre o tema da política econômica, Lula afirmou ser "o único candidato com quem as pessoas não deveriam ter essa preocupação".

"Quem tiver dúvida sobre mim olhe o que aconteceu neste país quando eu fui presidente da República: o crescimento do mercado. O Brasil tinha dois IPOs. No meu governo fizemos 250 IPOs. O Brasil devia 30 bilhões, o Brasil passou a ser credor do FMI, porque emprestamos 15 bilhões. O Brasil não tinha um dólar de reserva internacional, o Brasil tem hoje 370 bilhões de dólares de reserva internacional."

Uso de petróleo

A revista questionou Lula sobre o uso de combustíveis fósseis e mencionou uma proposta do candidato à Presidência na Colômbia Gustavo Petro sobre a formação de um bloco antipetróleo cujos países-membros deixariam imediatamente de explorar o petróleo.

Lula avaliou que a proposta, tanto no caso do Brasil quanto do mundo, é "irreal". "Você ainda precisa do petróleo por um tempo (...) Enquanto você não tiver energia alternativa, você vai utilizar a energia que você tem. Isso vale para o Brasil e vale para o mundo inteiro. Veja a dependência da nossa querida Alemanha agora. [A ex-chanceler federal] Angela Merkel tomou a decisão de fechar todas as usinas nucleares, não contava com a guerra da Ucrânia. Hoje a Europa é muito dependente dos russos para poder ter energia. O que você pode estabelecer é um plano de longo prazo para você diminuir [o consumo de petróleo] na medida em que você vai criando alternativas."

"Bolsonaro estimula o racismo"

Ao ser questionado sobre a situação da população negra do Brasil, que sofre com índices mais altos de desemprego e violência policial do que a branca, Lula afirmou que leu "muito sobre a escravidão" quando estava preso.

"Eu às vezes tenho dificuldade de compreender o que foram 350 anos de escravidão. Eu tenho mais dificuldade de compreender que a escravidão está dentro da cabeça das pessoas, o preconceito está dentro da cabeça das pessoas."

Em seguida Lula afirmou que Bolsonaro "despertou o ódio, despertou o preconceito" e mencionou que há líderes na Europa que fazem o mesmo. "Está aparecendo muito fascista, muito nazista no mundo."

"Eu não diria que ele [Bolsonaro] tem culpa pelo racismo porque o racismo é crônico no Brasil. Mas ele estimula", completou o ex-presidente.

Bolsonaro está atrás de Lula nas pesquisas, mas presidente de extrema direita vem diminuindo desvantagemFoto: Adriano Machado/REUTERS/Nelson Almeida/AFP

Guerra na Ucrânia

Na sequência de perguntas mais longas sobre um mesmo tema, Lula fez severas críticas ao presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e ainda desaprovou a forma como as potências ocidentais vêm lidando com a guerra de agressão russa no leste da Europa. O petista também criticou as ações do presidente russo, Vladimir Putin, mas afirmou que o líder do Kremlin não é o único "culpado".

Durante seu governo (2003-2010), Lula foi um dos articuladores, junto com Putin, da formação dos Brics, o mecanismo de cooperação entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Sob Lula, o Brasil também reforçou sua tradicional posição diplomática de "honest broker", mantendo uma política independente de cultivar boas relações com países rivais.

"Putin não deveria ter invadido a Ucrânia. Mas não é só Putin que é culpado, são culpados os Estados Unidos e é culpada a União Europeia. Qual é a razão da invasão da Ucrânia? É a Otan? Os Estados Unidos e a Europa poderiam ter dito: 'A Ucrânia não vai entrar na Otan'. Estaria resolvido o problema", disse Lula.

No entanto, a candidatura da Ucrânia à Otan já havia sido efetivamente bloqueada pela Alemanha e pela França ainda em 2008, ainda que diferentes governos em Kiev tenham insistido em continuar a buscar se juntar à aliança, especialmente depois da anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.

Lula também argumentou que a União Europeia deveria ter feito o mesmo em relação à Ucrânia para aplacar Putin. "Os europeus poderiam ter resolvido e dito: 'Não, não é o momento de a Ucrânia entrar na União Europeia, vamos esperar'. Eles não precisariam fomentar o confronto!"

Segundo Lula, Vladimir Putin e Volodimir Zelenski compartilham culpa por guerra na UcrâniaFoto: A. Gorshkov/SPUTNIK/AFP/Getty Images/Presidency of Ukraine/AA/picture alliance

O ex-presidente ainda avaliou que a diplomacia ocidental falhou em negociar com Putin. "Não tentaram. As conversas foram muito poucas. Se você quer paz, você tem que ter paciência. Eles poderiam ter sentado numa mesa de negociação e passado dez dias, 15 dias, 20 dias, um mês discutindo para tentar encontrar a solução. Então eu acho que o diálogo só dá certo quando ele é levado a sério", disse Lula.

"Eu, se fosse presidente hoje, teria ligado para o [Joe] Biden, teria ligado para o Putin, para a Alemanha, para o [Emmanuel] Macron, porque a guerra não é saída. Eu acho que o problema é que, se a gente não tentar, a gente não resolve. É preciso tentar."

Críticas a Zelenski

Ainda durante a entrevista, Lula dirigiu críticas diretas ao presidente Zelenski, afirmando que o líder ucraniano "quis a guerra" e que os países ocidentais deveriam pressionar Kiev a negociar.

"Às vezes fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado. O Saddam Hussein era tão culpado quanto o Bush. Porque o Saddam Hussein poderia ter dito: 'Pode vir aqui visitar e eu vou provar que eu não tenho armas'. Ele ficou mentindo para o seu povo. Agora, esse presidente da Ucrânia poderia ter dito: 'Olha, vamos deixar para discutir esse negócio da Otan e esse negócio da Europa mais para frente. Vamos primeiro conversar um pouco mais'."

"Eu não conheço o presidente da Ucrânia. Agora, o comportamento dele é um comportamento um pouco esquisito, porque parece que ele faz parte de um espetáculo. Ou seja, ele aparece na televisão de manhã, de tarde, de noite, aparece no Parlamento inglês, no Parlamento alemão, no Parlamento francês como se estivesse fazendo uma campanha. Era preciso que ele estivesse mais preocupado com a mesa de negociação."

"Ele [Zelenski] quis a guerra. Se ele [não] quisesse a guerra, ele teria negociado um pouco mais. É assim. Eu fiz uma crítica ao Putin quando estava na Cidade do México, dizendo que foi errado invadir. Mas eu acho que ninguém está procurando contribuir para ter paz. As pessoas estão estimulando o ódio contra o Putin. Isso não vai resolver!", disse o petista.

Lula ainda afirmou que é preciso "estimular um acordo". "Mas há um estímulo [ao confronto]! Você fica estimulando o cara [Zelenski] e ele fica se achando o máximo. Ele fica se achando o rei da cocada, quando na verdade deveriam ter tido conversa mais séria com ele: 'Ô, cara, você é um bom artista, você é um bom comediante, mas não vamos fazer uma guerra para você aparecer'. E dizer para o Putin: 'Ô, Putin, você tem muita arma, mas não precisa utilizar arma contra a Ucrânia. Vamos conversar!'", argumentou Lula.

Posição dos EUA

O ex-presidente brasileiro também avaliou que Joe Biden "não tomou a decisão correta nessa guerra Rússia e Ucrânia". "Os Estados Unidos têm um peso muito grande e ele poderia evitar isso, e não estimular. Poderia ter falado mais, poderia ter participado mais, o Biden poderia ter pegado um avião e descido em Moscou para conversar com o Putin. É esta atitude que se espera de um líder. Que ele tenha interferência para que as coisas não aconteçam de forma atabalhoada. E eu acho que ele não fez."

Por outro lado, Lula destacou que sua crítica a Biden não implicava que os EUA deveriam fazer mais concessões a Putin. "Da mesma forma que os americanos convenceram os russos a não colocar mísseis em Cuba em 1961, o Biden poderia falar: 'Vamos conversar um pouco mais. Nós não queremos a Ucrânia na Otan, ponto'. Não é concessão. Deixa eu lhe contar uma coisa: se eu fosse presidente da República e me oferecessem 'o Brasil pode entrar na Otan', eu não ia querer."

jps (ots)

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