O silêncio do mundo árabe sobre um possível ataque à Síria
Bachir Amroune md
13 de abril de 2018
Enquanto o restante do mundo discute investida anunciada por Trump, Estados árabes se mantêm reticentes. Relações e interesses entre governos e partes envolvidas no conflito sírio dificultam tomada de posição.
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Nos últimos dias, a ameaça do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de atacar a Síria com mísseis em resposta a um suposto ataque químico contra civis executado pelo regime de Bashar al-Assad agitou o cenário internacional e provocou reações de uma série de potências, como Rússia e França.
Dos Estados árabes, no entanto, somente o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, disse, durante uma visita à França nesta semana, que seu país está pronto para participar de uma ação militar na Síria.
Dois dias antes, o principal aliado da Arábia Saudita em território sírio, o grupo rebelde islâmico Jaysh al-Islam, havia capitulado diante do Exército em Ghouta Oriental, nos arredores de Damasco. E a própria Riad já abandonou há tempos seu objetivo inicial de derrubar Assad e substituí-lo por um governo pró-saudita. A meta mais importante da Arábia Saudita na Síria é agora reprimir a influência iraniana na região.
Se realmente ocorrer um ataque americano, é provável que este seja apoiado pelos aliados da Arábia Saudita, pelo menos verbalmente. Quando os EUA bombardearam uma base aérea síria com cerca de 60 mísseis em abril do ano passado, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Kuwait e Jordânia, juntamente com a Arábia Saudita, também aprovaram a medida.
O Catar, que também apoiou o ataque, pertencia a essa aliança na época, mas agora é abertamente hostil à Arábia Saudita. No entanto, considerando que o Catar abriga a maior base militar dos EUA na região e conta com o apoio de Trump contra o bloqueio imposto pela Arábia Saudita e os Emirados, é improvável que o emirado se oponha à ação militar desta vez.
As coisas se tornam mais complicadas no caso do Egito e do Iraque. Bagdá é basicamente capaz de se equilibrar na corda bamba diplomática entre o Irã e os Estados Unidos. Por isso, o governo iraquiano mantém oficialmente neutralidade em relação à guerra na Síria, mas não impede que milhares de cidadãos do país se juntem às milícias pró-iranianas envolvidas de forma fundamental em operações para reverter a guerra em favor de Assad.
O regime egípcio, por sua vez, depende da ajuda econômica da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes para sua sobrevivência, mas ao mesmo tempo coopera com Damasco em questões de inteligência e mantém uma parceria estratégica com a Rússia. Nem o apoio público nem a condenação de um novo ataque à Síria devem, portanto, ser esperados dos egípcios e dos iraquianos.
A posição oficial do Líbano, cujo poder é dividido entre os principais grupos religiosos, não é uniforme. O presidente do país, o maronita Michel Aoun, encontrou palavras incomumente claras e se referiu a Assad como o "presidente legítimo" e "único representante da Síria".
O presidente do Parlamento, o xiita Nabih Berri, disse que o Líbano rejeita a agressão contra a Síria planejada por alguns países ocidentais e que qualquer uso do espaço aéreo libanês é uma "violação flagrante da soberania do Líbano". Por outro lado, o primeiro-ministro, o sunita Saad al-Hariri, afirma que seu país permanecerá neutro em caso de um ataque americano.
De um total de 22 Estados árabes, talvez a Argélia possa emitir uma declaração crítica sobre um ataque. Argel mantém excelentes relações com o regime de Assad desde o início do conflito sírio, há sete anos. E o governo argelino nunca perde a oportunidade de expressar sua rejeição à intervenções militares estrangeiras: das guerras do Golfo de 1990 e 2003 ao ataque da Otan na Líbia e à guerra da Arábia Saudita no Iêmen.
No entanto, nem a posição da Liga Árabe nem a de Estados árabes individuais são relevantes para qualquer ataque contra a Síria. Em última análise, as decisões são tomadas nas capitais ocidentais e dependem, quando muito, das reações de Moscou.
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Cronologia da guerra na Síria
O que se iniciou com protestos pacíficos em 2011 virou uma guerra civil brutal que já matou centenas de milhares de pessoas e fez milhões de refugiados. Reveja os principais acontecimentos.
Foto: Reuters/Stringer
2011: O início
Em 15 de março de 2011, protestos pacíficos contra a detenção de jovens acusados de fazer pichações antigoverno em sua escola, na cidade de Daraa, são reprimidos por forças de segurança, que abrem fogo contra manifestantes desarmados, matando quatro. Os protestos continuam por vários dias, fazendo 60 mortos e se espalham por todo o país. Segue-se um período de repressão violenta.
Foto: Anwar Amro/AFP/Getty Images
2011/2012: Isolamento internacional
O ex-presidente Barack Obama insta o presidente Bashar al-Assad a renunciar, e os EUA anunciam sanções a Assad em maio e congelam bens do governo sírio nos EUA em agosto de 2011. A União Europeia também anuncia sanções, em setembro. Em novembro, a Liga Árabe suspende a Síria e impõe sanções ao regime. Também a Turquia anuncia uma série de medidas, incluindo sanções, em dezembro.
Foto: AP
2012: Observadores internacionais desistem
Em dezembro de 2011, a Síria permite a entrada de observadores da Liga Árabe para monitorar a retirada de tropas e armas de áreas civis. A missão é suspensa em janeiro de 2012. Em fevereiro, os EUA fecham sua embaixada em Damasco. Em abril de 2012, chegam observadores da ONU, que partem dois meses depois por falta de segurança.
Foto: REUTERS
2013: Ataque com gás
Em março, um ataque com gás mata 26 pessoas, ao menos a metade deles soldados do governo, na cidade de Khan al-Assal. Investigação da ONU conclui que foi usado gás sarin. Em agosto, outro ataque com gás mata centenas em Ghouta Oriental, um subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. A ONU afirma que mísseis com gás sarin foram lançados em áreas civis. Os EUA e outros países culpam regime sírio.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2013: Destruição de armas químicas
Em agosto, investigadores da ONU chegam à Síria para averiguar o uso de armas químicas, em meio a denúncias de médicos e ativistas. EUA afirmam que 1.429 pessoas morreram num ataque, e Obama pede ao Congresso autorização para ação militar. Em setembro, o Conselho de Segurança da ONU ameaça usar a força e, em outubro, Damasco inicia a destruição de seu arsenal declarado de armas químicas.
Foto: AFP/Getty Images
2014: EUA atacam "Estado Islâmico"
Em setembro, os EUA iniciam ataques aéreos a alvos do "Estado Islâmico" na Síria. Em outubro, o mediador da ONU, Staffan de Mistura, começa a negociar uma trégua ao redor de Aleppo, mas o plano fracassa meses depois.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Ghirda
2015: Rússia entra no conflito
Em setembro, a Rússia, que desde o início fornecera ajuda militar ao governo sírio nos bastidores, entra ativamente no conflito, bombardeando opositores do regime. A ajuda se mostra decisiva, e a guerra civil passa a pender para o lado de Assad, que nos meses seguintes recupera território perdido para os rebeldes.
Foto: Reuters/Rurtr
2016: Governo controla Aleppo
A ONU e a Opac afirmam que tanto militares sírios quanto o "Estado Islâmico" usaram gás em ataques a opositores. O ano é marcado por várias tentativas de tréguas. Em setembro, a cidade de Aleppo é alvo de 200 ataques aéreos por forças pró-Assad num fim de semana. Em dezembro, as forças governamentais assumem controle de Aleppo, encerrando quatro anos de domínio dos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2017: Ataque em Idlib
Em fevereiro, Rússia e China vetam resolução do Conselho de Segurança da ONU pedindo sanções ao governo sírio pelo uso de armas químicas. Em abril, ao menos 58 pessoas morrem na província de Idlib, dominada pelos rebeldes, no que aparenta ser um ataque com gás. Testemunhas afirmam que o ataque foi executado por jatos sírios e russos, mas tanto Moscou quanto Damasco negam bombardeio.
Foto: Getty Images/AFP/O. H. Kadour
2017: Resposta dos EUA
Em abril, os EUA lançam dezenas de mísseis sobre a base militar de onde se acredita ter saído o ataque em Idlib. Em maio, o presidente Donald Trump aprova planos para armar combatentes das milícias curdas YPG na luta contra o "Estado Islâmico". A medida enfurece a Turquia, que vê as YPG como um grupo terrorista. Em outubro, o "Estado Islâmico" perde o controle de Raqqa, sua autoproclamada capital.
Em janeiro, aviões turcos bombardeiam a região curda de Afrin, dando início à operação contra as YPG intitulada "Ramo de Oliveira". A Turquia anuncia a morte de centenas de "terroristas", mas entre os mortos estão dezenas de civis, dizem ativistas. Em fevereiro, as milícias YPG chegam a acordo com o regime sírio para o envio de tropas pró-governo para auxiliar no combate aos turcos em Afrin.
Foto: picture alliance/AA/E. Sansar
2018: Ofensiva em Ghouta Oriental
Em 21 de fevereiro, tropas pró-regime executam ofensiva em larga escala contra enclave rebelde localizado ao leste de Damasco. Em torno de 400 mil civis ficam sitiados, com acesso limitado a alimentos e cuidados médicos. Os ataques matam centenas de pessoas. No dia 24 de fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU aprova trégua humanitária de 30 dias vigente em todo o território sírio. Ela fracassa.
Foto: Reuters/B. Khabieh
2018: O bombardeio ocidental
Após dias de ameaça, em 14 de abril Trump anuncia o lançamento de mais de cem mísseis, em conjunto com França e Reino Unido, na Síria. O ataque é uma retaliação ao ataque químico na cidade de Duma, que matou dezenas de civis e que o Ocidente atribui ao regime de Bashar al-Assad.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Matthews
2019: Estados Unidos começam a se retirar da Síria
Em janeiro de 2019, os Estados Unidos começaram a se retirar da Síria. O presidente americano afirmou que o Estado Islâmico havia sido derrotado e, por isso, a presença dos EUA não seria mais necessária. A decisão foi contestada dentro do próprio governo e também pelas milícias curdas na Síria, aliadas dos EUA, que temiam enfraquecer-se.
Foto: Getty Images/AFP/D. Souleiman
2019: fim do autoproclamado califado do EI
Em março de 2019, as Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança liderada por curdos, anunciaram que o autoproclamado califado do Estado Islâmico foi totalmente eliminado, após combates em Baghouz, considerado o último reduto jihadista na Síria. Militantes curdos e árabes das FDS, apoiados pela coalizão internacional liderada pelos EUA, combatiam há várias semanas os jihadistas.