1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

O sonho realizado que virou pesadelo na seleção alemã

Gerd Wenzel
Gerd Wenzel
24 de novembro de 2020

A goleada de 6 a 0 sofrida para a Espanha expôs ao mundo a fraqueza de um projeto que, desde o título mundial do Brasil, falhou sucessivamente em se renovar. É uma história de arrogância, erros e omissão.

Manuel Neuer, ao fundo: retrato da apatia alemã na goleada sofrida contra a EspanhaFoto: Marcelo Del Pozo/REUTERS

Tudo começou em 2004. Naquele ano, logo após uma desastrosa Eurocopa com eliminação da Alemanha já na fase de grupos, a Federação Alemã de Futebol decidiu montar uma nova estrutura técnica e administrativa. O objetivo era levar o futebol do país de volta à primeira prateleira do esporte mais popular do mundo. Fazia sentido: dois anos mais tarde, o país sediaria a Copa do Mundo, passar por um novo vexame estava fora de cogitação.

Oliver Bierhoff como manager e Jürgen Klinsmann e Joachim Löw na direção técnica assumiram os destinos da Mannschaft, que na Copa de 2006 mostrava claros sinais de recuperação e acabou chegando em terceiro lugar na competição.

Klinsmann deixou a seleção ainda em 2006, e Hansi Flick, atual treinador do Bayern, assumiu a função de assistente técnico de Joachim Löw. O grande salto renovador pôde ser visto em 2010, na África do Sul, quando uma contusão do até então intocável capitão Michael Ballack forçou a comissão técnica a repensar seus conceitos. Ballack era a liderança incontestável na equipe, mas com sua ausência uma nova hierarquia se estabeleceu no elenco.

Jogadores como Manuel Neuer, Thomas Müller, Sami Khedira,  Mesut Özil e Bastian Schweinsteiger, além do novo capitão Philipp Lahm, formavam um coletivo hierárquico mais democrático no time, com os resultados conhecidos. A base para a conquista do título em 2014 foi lançada com esse elenco na África.

O sucesso inesquecível em terras brasileiras levou Joachim Löw a um patamar que lhe permitiu reinar absoluto acima do bem e do mal. Daí em diante ele foi se tornando impermeável a opiniões, ideias e impulsos diferentes do seu modo de pensar. Suas respostas aos repórteres em coletivas de imprensa geralmente eram vazias: falava muito, ao mesmo tempo em que não dizia nada.

Em 2016 o pesadelo já se prenunciava. Após uma Eurocopa apenas aceitável, veio o desastre de 2018 na Rússia.

Béla Réthy, um dos mais conceituados jornalistas esportivos da Alemanha, escreveu para o site do canal de TV ZDF: "Depois de um desempenho vergonhoso na Copa da Rússia como o da Alemanha, nenhuma grande federação teria confirmado seu técnico no cargo. Depois dos 7 x 1 em 2014, por exemplo, Luiz Felipe Scolari teve que pegar seu chapéu e ir embora”.

Jogadores comemoram o título mundial de 2014: auge de uma geraçãoFoto: Imago/Moritz Müller

Todo crédito acumulado por Löw no Brasil foi desperdiçado na Rússia até o último centavo. Mesmo assim ele foi mantido no cargo. Durante meses se isolou incógnito para voltar com algumas poucas nuances de autocrítica que, no entanto, não se refletiram no desempenho da seleção.

Depois do fiasco em 2018, a comissão técnica de Löw, a equipe de Bierhoff e a cartolagem da federação continuaram num estado de autossatisfação e autocomplacência permanentes. Essa autossatisfação impede até os dias de hoje que os problemas da Mannschaft sejam enfrentados onde devem ser: na sua raiz.

O fato de não terem sido tomadas decisões radicais, como as demissões de Löw e Bierhoff  logo após o vexame na Rússia, levou ao pesadelo atual no qual todos os envolvidos parecem estar emaranhados com os problemas acumulados durante os últimos dois anos. E não são poucos.

Passam pela excessiva comercialização da seleção como se fosse uma marca a ser vendida faça chuva, faça sol ou haja covid; o distanciamento cada vez maior dos fãs agravado ainda mais pela pandemia; a aposentadoria forçada de três campeões mundiais no ano passado para desgosto da torcida; a sensação de que o próprio técnico perdeu o prumo do seu projeto de renovação do elenco e, last but not least, o impacto que todo esse descalabro técnico e administrativo está causando sobre os jogadores. 

Os 6 x 0 expuseram ao mundo que a seleção alemã está nua, desprovida das qualidades que a tornaram campeã mundial em 2014. Quando uma equipe se apresenta com tamanha apatia, como foi contra a Espanha, a responsabilidade direta é do treinador. Assim como os 7 x 1 são debitados na conta de Luiz Felipe Scolari, esses 6 x 0 vão para a conta de Joachim Löw por sua absoluta inércia dentro e fora do campo. E isso, diga-se de passagem, não vem de agora.

Desde 2014 o técnico Joachim Löw e o gerente geral Oliver Bierhoff vivem do sonho realizado gloriosamente no Maracanã. Quatro anos depois, isso se transformou num amargo pesadelo.

--  

Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. 

Pular a seção Mais sobre este assunto
Pular a seção Mais dessa coluna

Mais dessa coluna

Mostrar mais conteúdo
Pular a seção Sobre esta coluna

Sobre esta coluna

Halbzeit

Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Na coluna Halbzeit, ele comenta os desafios, conquistas e novidades do futebol alemão.