A goleada de 6 a 0 sofrida para a Espanha expôs ao mundo a fraqueza de um projeto que, desde o título mundial do Brasil, falhou sucessivamente em se renovar. É uma história de arrogância, erros e omissão.
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Tudo começou em 2004. Naquele ano, logo após uma desastrosa Eurocopa com eliminação da Alemanha já na fase de grupos, a Federação Alemã de Futebol decidiu montar uma nova estrutura técnica e administrativa. O objetivo era levar o futebol do país de volta à primeira prateleira do esporte mais popular do mundo. Fazia sentido: dois anos mais tarde, o país sediaria a Copa do Mundo, passar por um novo vexame estava fora de cogitação.
Oliver Bierhoff como manager e Jürgen Klinsmann e Joachim Löw na direção técnica assumiram os destinos da Mannschaft, que na Copa de 2006 mostrava claros sinais de recuperação e acabou chegando em terceiro lugar na competição.
Klinsmann deixou a seleção ainda em 2006, e Hansi Flick, atual treinador do Bayern, assumiu a função de assistente técnico de Joachim Löw. O grande salto renovador pôde ser visto em 2010, na África do Sul, quando uma contusão do até então intocável capitão Michael Ballack forçou a comissão técnica a repensar seus conceitos. Ballack era a liderança incontestável na equipe, mas com sua ausência uma nova hierarquia se estabeleceu no elenco.
Jogadores como Manuel Neuer, Thomas Müller, Sami Khedira, Mesut Özil e Bastian Schweinsteiger, além do novo capitão Philipp Lahm, formavam um coletivo hierárquico mais democrático no time, com os resultados conhecidos. A base para a conquista do título em 2014 foi lançada com esse elenco na África.
O sucesso inesquecível em terras brasileiras levou Joachim Löw a um patamar que lhe permitiu reinar absoluto acima do bem e do mal. Daí em diante ele foi se tornando impermeável a opiniões, ideias e impulsos diferentes do seu modo de pensar. Suas respostas aos repórteres em coletivas de imprensa geralmente eram vazias: falava muito, ao mesmo tempo em que não dizia nada.
Em 2016 o pesadelo já se prenunciava. Após uma Eurocopa apenas aceitável, veio o desastre de 2018 na Rússia.
Béla Réthy, um dos mais conceituados jornalistas esportivos da Alemanha, escreveu para o site do canal de TV ZDF: "Depois de um desempenho vergonhoso na Copa da Rússia como o da Alemanha, nenhuma grande federação teria confirmado seu técnico no cargo. Depois dos 7 x 1 em 2014, por exemplo, Luiz Felipe Scolari teve que pegar seu chapéu e ir embora”.
Todo crédito acumulado por Löw no Brasil foi desperdiçado na Rússia até o último centavo. Mesmo assim ele foi mantido no cargo. Durante meses se isolou incógnito para voltar com algumas poucas nuances de autocrítica que, no entanto, não se refletiram no desempenho da seleção.
Depois do fiasco em 2018, a comissão técnica de Löw, a equipe de Bierhoff e a cartolagem da federação continuaram num estado de autossatisfação e autocomplacência permanentes. Essa autossatisfação impede até os dias de hoje que os problemas da Mannschaft sejam enfrentados onde devem ser: na sua raiz.
O fato de não terem sido tomadas decisões radicais, como as demissões de Löw e Bierhoff logo após o vexame na Rússia, levou ao pesadelo atual no qual todos os envolvidos parecem estar emaranhados com os problemas acumulados durante os últimos dois anos. E não são poucos.
Passam pela excessiva comercialização da seleção como se fosse uma marca a ser vendida faça chuva, faça sol ou haja covid; o distanciamento cada vez maior dos fãs agravado ainda mais pela pandemia; a aposentadoria forçada de três campeões mundiais no ano passado para desgosto da torcida; a sensação de que o próprio técnico perdeu o prumo do seu projeto de renovação do elenco e, last but not least, o impacto que todo esse descalabro técnico e administrativo está causando sobre os jogadores.
Os 6 x 0 expuseram ao mundo que a seleção alemã está nua, desprovida das qualidades que a tornaram campeã mundial em 2014. Quando uma equipe se apresenta com tamanha apatia, como foi contra a Espanha, a responsabilidade direta é do treinador. Assim como os 7 x 1 são debitados na conta de Luiz Felipe Scolari, esses 6 x 0 vão para a conta de Joachim Löw por sua absoluta inércia dentro e fora do campo. E isso, diga-se de passagem, não vem de agora.
Desde 2014 o técnico Joachim Löw e o gerente geral Oliver Bierhoff vivem do sonho realizado gloriosamente no Maracanã. Quatro anos depois, isso se transformou num amargo pesadelo.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças.
Os 10 maiores jogadores de futebol da Alemanha
Com quatro títulos mundiais e três Eurocopas, a Alemanha é uma das nações mais fortes do futebol. Muitos craques vestiram a camisa da "Nationalelf". Relacionamos os 10 mais importantes da história. Concorda com a lista?
Foto: picture alliance/dpa/W. Baum
#10: O matador dos gols bonitos
Jürgen Klinsmann não conquistou tantos títulos na carreira, mas foi talvez o atacante mais completo do futebol alemão. Seu arranque era fenomenal, marcava belos gols com ambas as pernas e subia de cabeça como poucos. Em três Copas do Mundo, balançou 11 vezes as redes. Foi campeão mundial em 1990 e europeu, como capitão, em 1996.
Foto: picture-alliance / dpa/dpaweb
#9: O polivalente
Capitão nas Copas de 2010 e 2014, além da Eurocopa de 2012, Philipp Lahm personifica as principais qualidades de um jogador alemão: disciplina tática, dedicação e excepcional condição física. Lahm atuou em ambas as laterais e no meio-campo defensivo – e sempre no mais alto nível técnico. Ele simboliza o renascimento e a nova mentalidade do futebol alemão.
Foto: Imago
#8: O capitão dos vices
Considerado um dos melhores jogadores da década de 80, Karl-Heinz Rummenigge conquistou todos os títulos possíveis com o Bayern de Munique. Com a seleção alemã, porém, não teve a mesma sorte. Até ganhou a Eurocopa de 1980 e foi eleito melhor jogador do torneio, mas perdeu as finais das Copa de 1982 e 1986 – ambas como capitão. Rummenigge marcou 45 gols em 95 partidas pela Alemanha.
Foto: Getty Images/Bongarts
#7: O maior artilheiro em Copas
Como deixar de fora o maior artilheiro em Copas? Nascido na Polônia, Miroslav Klose não se destacava por sua habilidade ou gols bonitos – ele era um daqueles centroavantes clássicos com excepcional posicionamento na grande área. Assim marcou 16 gols em Copas e lidera a artilharia da seleção alemã com 71 gols em 137 partidas. Impressionante: em quatro Copas, nunca terminou abaixo da 3ª colocação.
Foto: Reuters
#6: O craque sem títulos
Pode-se dizer que Uwe Seeler é o Zico da Alemanha. Grandioso jogador, carismático, leal e símbolo de uma geração excepcional, mas que não conseguiu conquistar um Mundial. Seeler foi capitão da Alemanha nas Copas de 1966 – quando perdeu a polêmica final para os ingleses – e 1970. O ex-atacante do Hamburgo foi também o primeiro esportista a receber o Ordem de Mérito da República Federal da Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/Heidtmann
#5: O milagreiro de Berna
Helmut Rahn é considerado o autor do gol mais importante do futebol alemão – aquele que devolveu a autoestima depois da Segunda Guerra. Na final da Copa de 1954, frente a Hungria, Rahn anotou o gol do título, aos 39 minutos do 2º tempo, celebrado com a narração épica de Herbert Zimmermann que não parava de gritar "gol". A história de Rahn e daquele Mundial é contada no filme "O milagre de Berna".
Foto: AP
#4: O recordista
Lotthar Matthäus é recordista de partidas disputadas (150) e como capitão (75) pela seleção alemã. Conquistou a Eurocopa de 1980 e a Copa de 1990, além de dois vices nos Mundiais de 1982 e 1986. Somando ainda os de 1994 e 1998, Matthäus é o único jogador de linha a participar de cinco Copas. Matthäus foi o primeiro a ser eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa, levando a Bola de Ouro em 1991.
Foto: AP
#3: O "Bomber da Nação"
Impressionantes 68 gols em 62 partidas pela Alemanha; artilheiro da Copa de 1970; 14 gols em Mundiais; máximo goleador em 18 competições distintas – a lista de recordes de Gerd Müller, o "Bomber da Nação", é extensa. Seus impressionantes 85 gols na temporada de 1971/1972 foram superados somente por Lionel Messi, em 2012. Müller marcou o gol decisivo do título mundial de 1974 da Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/P.Robinson
#2: O gênio da chuva
Fritz Walter foi o primeiro grande craque – que alçou a Alemanha ao patamar das grandes nações do futebol. Meia cerebral, ele capitaneou a Alemanha contra a máquina húngara de Ferenc Puskas na Copa de 1954. Naquela final choveu – chamado na Alemanha de o "Clima Fritz Walter". Por ter contraído malária na Segunda Guerra, ele tinha dificuldades de jogar no calor e, portanto, preferia atuar na chuva.
Foto: picture alliance / dpa
#1: O Kaiser
Somente Mário Jorge Lobo Zagallo e Franz Beckenbauer conquistaram a Copa do Mundo como jogador e treinador. Beckenbauer liderou a geração que venceu a Eurocopa de 1972 e o Mundial de 1974 e treinou a Alemanha na Copa de 1990. Beckenbauer é sinônimo da posição de líbero, e sua liderança, inteligência tática e inconfundível elegância em campo lhe deram o apelido de Kaiser, o imperador alemão.
Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Na coluna Halbzeit, ele comenta os desafios, conquistas e novidades do futebol alemão.