O sucesso improvável da extrema direita no leste da Alemanha
21 de agosto de 2019Bautzen, uma cidadezinha escondida num canto da Alemanha, a apenas alguns quilômetros tanto da fronteira tcheca quanto da polonesa, não poderia estar mais distante dos clichês sobre as regiões da antiga Alemanha Oriental que ficaram sob o antigo regime comunista.
Ela não é pobre: a municipalidade está livre de dívidas e o desemprego cai continuamente. Não é deprimente: suas íngremes ruazinhas de paralelepípedos e torres medievais atraem milhares de turistas todos os anos. E nem todo mundo está se mudando para o Oeste à procura de trabalho: há anos a população se mantém estável em 40 mil habitantes.
Isso não significa que a cidade na Saxônia seja sempre tranquila. Em 2016 ela ficou mal afamada no país, quando um abrigo para refugiados vazio foi incendiado. Algumas semanas mais tarde, violentas altercações entre migrantes e neonazistas irromperam em suas ruas. Mas isso foi há algum tempo: na cidade quase não sobraram refugiados da "crise migratória", e a grande maioria dos abrigos de massa foi fechada.
Tudo isso torna as estatísticas de Bautzen especialmente misteriosas: nas eleições gerais de 2017, a extremista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) conquistou o assento de Bautzen no Bundestag (Parlamento alemão) eleito por voto direto. Com 33,2%, ela deixou em segundo lugar a União Democrata Cristã (CDU) da chanceler federal Angela Merkel.
O detentor do assento parlamentar da cidade, Karsten Hilse, atualmente passa quase todos os dias na praça Kornmarkt, de pé diante de um estande de ferreiro decorado com pôsteres da AfD, ocasionalmente segurando uma ferradura trabalhada em formato de coração.
O artefato é um amuleto de boa sorte, antecipando a eleição estadual de 1º de setembro, quando se estima que a extrema direita dominará um quarto dos votos, talvez até obtendo maioria no parlamento da Saxônia.
Hilse, ex-trabalhador de uma das minas de linhito da região, tem a confiança de um político representante de um partido dominante. Ele ri, indulgente, quando alguns rapazes que passam de carro baixam a janela e gritam "Fora, nazistas!", para ele e seu estande de campanha.
Então, por que um lugarejo próspero, pacífico, hospitaleiro com os turistas, com praticamente nenhum refugiado, votaria nos populistas de direita, cuja meta é desestabilizar a política estabelecida?
"As pessoas não veem a perda de seu país natal só na política para refugiados; elas também a veem nas políticas centralizadoras da União Europeia, na transição energética, no pânico climático que está sendo espalhado", argumenta Hilse, acrescentando que muitos eleitores saxões encaram o investimento na energia renovável como uma ameaça às comunidades de mineradores de linhito da região.
O ultradireitista também admite que seu partido tem se beneficiado de uma desconfiança na mídia. Mesmo três décadas após a queda da ditadura comunista, ele acredita que a lembrança da época deixou os cidadãos locais com "antenas muito mais sensíveis" quando a sociedade está sendo "empurrada em direção a uma ditadura de opinião" por uma imprensa que "torce a verdade para onde lhe convém".
Há igualmente fatores econômicos mais amplos, afirma o deputado Hilse: "Claro que estamos desapontados com os partidos mais antigos, devido à forma como a reunificação resultou. Muitas partes do antigo Leste se tornaram simplesmente tão desoladas, que muitos tiveram de ir embora, e eles culpam os partidos mais antigos por isso."
Alexander Ahrens, prefeito de Bautzen, está extremamente frustrado com tudo isso. Em seu escritório de pé-direito alto no prédio histórico da prefeitura, o social-democrata se enfurece ao contar como a AfD se aproveitou do descaso dos partidos estabelecidos pelo Leste alemão.
Parte da explicação parece ser uma desconfiança residual entre as duas antigas Alemanhas. "Surpreende-me sempre a forma como as pessoas aqui se descrevem como cidadãos de segunda classe. Mas isso provém da frustração que sentiram nos primeiros dez, 15 anos da reunificação: elas ainda carregam isso consigo."
De algum modo, os populistas de direita canalizaram essa desconfiança para com Berlim. "A AfD teve sucesso em se destacar como a voz do Leste. Na verdade, está errado: 'destacar' sugere que eles alcançaram algo. Mas não escutei nada construtivo da parte deles, absolutamente nada", critica Ahrens.
Ainda assim, seja como for, "eles passam a sensação de que vão resolver tudo", acrescenta a contragosto, "isso é completamente absurdo". O prefeito, que faz questão de conversar com os eleitores da AfD, percebe dois temas consistentes: eles acham que Berlim os está governando sem consultá-los, e não confiam na imprensa.
Sobre esse segundo ponto, Alexander Ahrens frisa: "Em parte, concordo." "Eles veem refletida uma imagem do Leste alemão que nada tem a ver com suas situações de vida. Ninguém aqui, em todo o espectro político, tem a sensação de estar vivendo num reduto radical de direita. Irrita muito as pessoas, ler isso."
Há também razões mais imediatas. Tomando um café e observando os turistas passarem, o engenheiro aposentado Christian Haase não consegue se imaginar votando na AfD: "Há muita gente inteligente nela, mas também gente caótica." Mas ele tampouco escolherá a centrista CDU, a que costumava dar seu voto "sem nem pensar".
Em seguida à reunificação, os democratas-cristãos garantiam maiorias absolutas em Bautzen; até em 2013, a sigla de Merkel obteve mais de 49% dos votos. "Bautzen sempre foi uma cidade burguesa, conservadora", afirma Haase.
Ele agora faz parte de uma pequena iniciativa independente de cidadãos conservadores, parecida com os Eleitores Livres (FW) da Baviera, que em 2018 conquistaram numerosos votos conservadores. Na opinião de Christian Haase, a CDU mudou "drasticamente" sob Angela Merkel, e, falando sem rodeios, os eleitores de Bautzen não mudaram.
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