Conflito entre Hamas e Israel pode se alastrar e se transformar numa guerra regional de grande escala, envolvendo outros países e grupos armados. Até que ponto governos ocidentais poderão evitar que isso aconteça?
Anúncio
Este é o cenário de horror que ninguém quer ver acontecer: uma ação militar israelense com tropas terrestres na Faixa de Gaza gera uma reação em cadeia de agitação e violência na região. À medida que ela avança, cada vez mais grupos e Estados são arrastados para uma espiral de violência, possivelmente até Estados Unidos e Rússia.
O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, disse que a planejada ofensiva terrestre pode durar vários meses. "E no final não haverá mais Hamas."
As forças israelenses estão respondendo ao ataque brutal do grupo fundamentalista islâmico Hamas contra Israel em 7 de outubro, que deixou ao menos 1.400 mortos, 5.400 feridos, além de mais de 200 reféns. A ofensiva de retaliação isralense, por sua vez, já matou mais de 6.500 pessoas e feriu 17.400 em Gaza, segundo autoridades locais.
Em termos puramente militares, a campanha de Israel contra o Hamas pode ser bem-sucedida, acredita o especialista em Oriente Médio Guido Steinberg, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), de Berlim. "Acredito que os militares israelenses são capazes de destruir as estruturas do Hamas na Faixa de Gaza", afirmou em entrevista à DW TV, ponderando que, em qualquer caso, muitos civis morreriam, independentemente do cuidado com que os militares israelenses atuarem.
Anúncio
Mortes de civis como possível gatilho
Provavelmente, esse é exatamente o cálculo do Hamas, analisa Hans-Jakob Schindler, da organização internacional Counter Extremism Project. "O Hamas está interessado em produzir imagens terríveis de civis palestinos mortos e, assim, arrastar o Irã e seus representantes para este conflito", diz Schindler à DW. Os representantes, no caso, são grupos armados apoiados pelo Irã que atuam em outros países da região, como é o caso do Hisbolá no Líbano.
O Hisbolá já ataca frequentemente Israel com foguetes, mas tem evitado uma grande ofensiva.
Schindler diz que uma invasão terrestre israelense a Gaza não é algo certo. Mas, se houver uma escalada regional, "o Hisbolá seria o primeiro a bombardear massivamente o norte de Israel". Na visão do especialista, uma segunda fase incluiria ataques também na Síria, contra posições americanas no país. "O terceiro estágio provavelmente seria o das milícias xiitas no Iraque, que atacariam alvos americanos ou até mesmo ocidentais", prevê.
Israel não deve se deixar levar pela raiva, diz Biden
Tal reação em cadeia nem deveria começar. Para isso, o presidente dos EUA, Joe Biden, fez duas coisas: enviou dois porta-aviões ao Mediterrâneo Oriental como um aviso ao Hisbolá e ao Irã; e também fez um apelo por moderação na Faixa de Gaza, apesar de toda sua compreensão pelo direito de defesa de Israel. O presidente americano alertou em Tel Aviv que Israel não deveria se deixar levar pela raiva e repetir os "erros" dos EUA após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Agora é uma questão de "mostrar ao Irã e a seus representantes que uma escalada da situação certamente levaria a um enfraquecimento significativo de suas estruturas", diz Schindler. Além disso, a comunidade internacional, segundo ele, deve se concentrar nos esforços pela melhoria da situação humanitária dos civis na Faixa de Gaza para que esse conflito não afete "as pessoas erradas".
Em telefonema com os líderes de Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá, Biden se assegurou que há consenso no apoio a Israel e no respeito ao direito de autodefesa do país. Ao mesmo tempo, eles exigiram respeito pelo direito humanitário internacional, o que significa que Israel deve poupar a população civil palestina.
EUA são considerados partidários
"Se não fizermos isso, quem o fará?", disse Biden no início de sua missão de mediação, reafirmando assim a pretensão de seu país de ser a potência que levará ordem ao Oriente Médio. Um problema para os EUA é que o país é visto em grande parte da região como tendencioso a favor de Israel.
Isso ficou claro após a explosão ocorrida em um hospital em Gaza que provocou inúmeras mortes. Enquanto o Hamas culpou Israel, Biden apoiou a versão israelense de que a explosão foi causada por um foguete da Jihad Islâmica que errou o alvo e atingiu o hospital. Como resultado, o presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sisi, o rei da Jordânia, Abdullah 2°, e o presidente palestino, Mahmoud Abbas, cancelaram uma reunião planejada com Biden.
A reputação de Washington como aliado mais próximo de Israel deixa espaço para outros mediadores, como a Alemanha. Enquanto a reunião com Biden era cancelada, Sisi aparecia no Cairo, de forma demonstrativa, junto ao chanceler federal alemão, Olaf Scholz. No dia anterior, o rei da Jordânia esteve em Berlim. O líder alemão foi o único que apareceu com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, o rei Abdullah e Sisi no período de dois dias.
Se por um lado o governo alemão se posicionou de forma inequívoca ao lado de Israel, por outro Berlim é frequentemente vista na região como um parceiro neutro. Isso deveria ser "usado para permitir um desenvolvimento mais pacífico do que o que está agora emergindo", disse Scholz no Cairo.
Por enquanto, a Alemanha está focada em tornar possível diplomaticamente o fornecimento de ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Essa é "uma das melhores contribuições que a Alemanha pode dar", diz Hans-Jakob Schindler, acrescentando que o país pouco poderia fazer militarmente, além de apoiar Israel com suprimentos.
Os interesses dúbios da Rússia
E se houver mesmo uma grande escalada? Poderia até a Rússia, com seus bons contatos em Teerã e Damasco, ser atraída para o conflito? Schindler acha improvável.
O conflito no Oriente Médio é conveniente para a Rússia porque desvia a atenção da guerra na Ucrânia. Moscou está, portanto, interessada em estendê-lo o máximo possível e, assim, manter o Ocidente ocupado.
Por outro lado, entretanto, o presidente Vladimir Putin não deseja que o conflito se escale tanto, "para não se sentir forçado a usar no Oriente Médio recursos que já lhe faltam na Ucrânia".
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.