Condenação em 2ª instância não sela fim de candidatura, mas ex-presidente vê opções legais diminuírem drasticamente e fica ainda mais fragilizado politicamente após julgamento que marcou mais uma vitória da Lava Jato.
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Inicialmente, foram dez meses de suspense entre a apresentação da denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a condenação pelo juiz Sérgio Moro. Depois, pouco mais de seis meses se passaram até que os desembargadores da segunda instância tomassem uma decisão. Nesse período, a pergunta que dominou o meio político foi: o petista conseguiria ganhar a corrida contra o tempo e se lançar mais uma vez candidato à presidência?
Com a decisão unânime nesta quarta-feira (24/01) dos três desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF-4), que não apenas confirmaram a condenação de Lula mas também ampliaram sua sentença, parece que o tempo está se esgotando para o ex-presidente.
Após a divulgação do resultado, o PT reafirmou que vai continuar a insistir em lançar Lula novamente como candidato à presidência. O placar não significou que a candidatura do petista se tornou definitivamente inviável, mas diminuiu drasticamente suas opções, deixando-o mais perto de ficar fora do páreo.
"Com essa decisão dura, Lula agora vai depender dos tribunais superiores, totalmente imprevisíveis, para conseguir ser candidato”, afirma Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV-SP.
Segundo Dias, o resultado não poderia ter sido pior para o ex-presidente. Se o placar tivesse sido de dois a um, Lula ainda poderia recorrer ao próprio TRF-4 e ganhar mais tempo, possivelmente chegando até a data da eleição. Com a confirmação da sentença por três votos a zero, só resta ao petista tentar barrar o processo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
"No TRF-4, só resta pedir esclarecimentos da decisão, o que deve durar um ou dois meses. Depois disso, é provável que o Ministério Público peça que Lula seja enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Ele ainda vai poder recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas vai haver muita pressão para que impugnação da candidatura seja mantida, como prevê a lei”, afirmou Dias.
Para o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a derrota de Lula não foi apenas jurídica, mas política. "Ainda restam algumas opções jurídicas, mas essa condenação por três a zero deixa Lula mais frágil politicamente. Não vai demorar para os petistas perceberem que sua candidatura vai se tornar inviável e começarem a analisar alternativas. Já entre aliados, ninguém vai querer ficar atrelado a uma candidatura com tantos problemas”, afirmou.
"Lula disputou cinco eleições para presidente, mas em nenhuma delas ele apareceu com uma condenação em duas instâncias e como réu em seis outros processos. Todas as condições objetivas estão contra Lula, disse Prando.
Já o cientista político Carlos Pereira, da FGV-Rio, afirma que o PT está em um dilema. "O PT pode até continuar insistindo em Lula, mas as chances de uma candidatura bem-sucedida são mínimas. O paradoxo é que Lula é o maior cabo eleitoral do partido, mas se o PT continuar a apostar numa candidatura avariada pelos próximos meses, menores vão ser as chances de que um substituto de Lula possa assumir o protagonismo quando ele for finalmente barrado", afirmou.
"É trágico. Lula calcula que precisa ser candidato por avaliar que sua sobrevivência judicial depende de ganhar a presidência, mas dessa forma ele sabota as chances do próprio PT de sobreviver”, concluiu.
Ainda segundo Pereira, com Lula fora da corrida, a tendência é que o segundo turno da eleição seja ocupado por dois candidatos de centro. "Um do PSDB e outro do próprio governo”, afirmou. "Sem Lula, a esquerda vai perder espaço e Bolsonaro vai esvaziar por não fazer parte de um partido com capilaridade no país e porque seu apelo depende muito de se apresentar como um anti-Lula.”
Já Prando afirma que dificilmente Lula vai conseguir transferir votos para outro candidato e também aponta que figuras como Bolsonaro tendem a perder espaço em uma eleição sem o ex-presidente.
Novo triunfo da Lava Jato
Após a proclamação do resultado, apoiadores do ex-presidente afirmaram que o julgamento foi uma farsa e produto de um Judiciário politizado. Segundo analistas ouvidos pela DW Brasil, embora não tenha havido uma "conspiração” no procedimento, os desembargadores se concentraram menos nos elementos do caso do tríplex do que em condenar Lula – um alto representante da classe política que está sendo castigada pela Lava Jato – por "um conjunto da obra”.
Os desembargadores citaram diversas vezes o julgamento do mensalão e voltaram a invocar a teoria do domínio de fato, utilizada no meio jurídico para punir o líder de uma organização pelo conhecimento de crimes. Eles também demonstraram estar alinhados com o juiz Sérgio Moro – um deles chegou a elogiar o juiz.
Dessa forma, a Lava Jato demonstrou mais uma vez não conter fissuras entre suas fileiras nas instâncias mais baixas do Judiciário.
"Alguns dos desembargadores falaram pouco do tríplex, mostrando que estão em uma cruzada em que os fins parecem justificar os meios”, afirma Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV-SP.
"É como se os agentes pudessem fazer uso de um cheque em branco quando se combate a corrupção. A Lava Jato conseguiu mais um triunfo, mas só a repressão penal não vai ser suficiente para diminuir a corrupção, como já ficou claro com os episódios do governo de Michel Temer.”
O jurista Lênio Streck apontou que o julgamento "reforçou a tese de que, no Brasil, moral vale mais do que o direito”. "O relator chegou a ir além do que decidiu Moro. Foi mais morista do que Moro.”
Já Dias afirmou que os desembargadores deveriam ter evitado os elogios a Moro, mas que não acredita que os desembargadores tinham objetivos políticos. "É natural que a defesa faça esse tipo de acusação. É uma arma retórica”, disse.
Glezer afirmou que o caso evidenciou mais uma vez o Judiciário como um protagonista da política nacional em que a polarização da sociedade é projetada. "Se Lula tivesse sido absolvido, seus inimigos teriam dito que o Judiciário foi aparelhado. Com a condenação, seus apoiadores falam em um Judiciário corrupto que deu golpe."
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A trajetória política de Lula
Das greves no ABC à Presidência. Da condenação pela Lava Jato ao terceiro mandato. Os principais momentos políticos na vida de Luiz Inácio Lula da Silva.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
Lula e as greves do ABC
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e ganhou projeção nacional ao liderar uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após comandar uma paralisação que durou 41 dias. Lula ficou 31 dias no cárcere do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social).
Foto: Instituto Lula
Fundação do PT
Em 10 de fevereiro de 1980, pouco antes de ser preso, Lula ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio de intelectuais e sindicalistas. Em maio do mesmo ano, ao sair do cárcere, foi eleito o primeiro presidente do partido. O pernambucano, então, ingressaria de vez na política: em 1982, concorreu ao governo de São Paulo e, em 1986, foi eleito deputado constituinte.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
A campanha de 1989
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em vários setores da economia, que se alinharam ao candidato Fernando Collor. O petista foi derrotado no segundo turno, depois de uma campanha que envolveu acusações de manipulação da imprensa a favor de Collor.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Gostoli
A campanha de 1994
No embalo das primeiras denúncias de irregularidades no governo Collor, Lula lançou, em 1992, o movimento "Fora Collor" em apoio ao impeachment. Em 1994, concorreu novamente à Presidência, com Aloizio Mercadante como vice, mas foi derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), lançado como "pai do Plano Real". O PT, por outro lado, elegia seus primeiros governadores (DF e ES).
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A campanha de 1998
Em 1998, Lula sofreu uma de suas piores derrotas eleitorais. À época, o petista teve como candidato a vice o ex-governador Leonel Brizola (PDT), um dos seus rivais na eleição de 1989 e com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos, e o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito com 53% no primeiro turno.
Foto: picture alliance/AP Photo/R. Gostoli
A posse de Lula
O eterno candidato do PT finalmente assumiu a Presidência em janeiro de 2003, após oito anos de governo do PSDB. Lula foi eleito com 61% dos votos válidos no segundo turno. A vitória foi alcançada após uma campanha que vendeu uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados e ampliar o eleitorado do partido.
Foto: O. Kissner/AFP/Getty Images
Economia em alta
Após as turbulências no final do governo Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, embalada sobretudo pelo boom das commodities. Foi o período da descoberta do pré-sal e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%. O bom momento catapultou a popularidade de Lula, que chegou a 87% no final de 2010.
Foto: AP
Queda na desigualdade
Os programas sociais lançados por Lula, como Minha Casa, Minha Vida e ProUni, também contribuíram para a popularidade do presidente. O Bolsa Família, criado em 2004 a partir da unificação de outros programas de transferência de renda, se tornaria o carro-chefe. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da zona de pobreza nos oito anos do governo Lula, afirmou um balanço em 2010.
Foto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images
O escândalo do mensalão
Em 2005, o governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o mensalão. Apesar do desgaste, Lula sobreviveu à crise. Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do governo, caíram em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
Foto: picture alliance / dpa / picture-alliance
A eleição de Dilma
Em 2007, logo após ser reeleito com mais de 60% dos votos, Lula começou a preparar o terreno para a sua sucessão. Como sucessora, ele escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto aos brasileiros. A estratégia funcionou, e ela foi eleita em 2010.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
Prestígio mundial
Durante a Presidência, Lula gozou de prestígio mundial e se reuniu com os mais importantes chefes de Estado do planeta. Em abril de 2009, em um encontro do G20, o presidente dos EUA na época, Barack Obama, cumprimentou o colega e disse: "Adoro esse cara! O político mais popular da Terra". No mesmo ano, Lula apareceu em 33º lugar na lista das pessoas mais poderosas do mundo da revista Forbes.
Foto: AP
Luta contra o câncer
Em outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe, sendo submetido a um agressivo tratamento – pela primeira vez desde 1979, ele aparecia sem a barba. Exames apontaram a remissão completa do tumor cerca de cinco meses depois, e Lula voltou a se engajar nas campanhas do PT. Uma das grandes vitórias eleitorais de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
Foto: AFP/Getty Images
Lula e a Lava Jato
Em março de 2016, Lula foi alvo de um mandado de condução coercitiva na Operação Lava Jato, que investigou escândalos de corrupção na Petrobras. O ex-presidente foi levado para depor sobre um sítio em Atibaia, um triplex no Guarujá e sua relação com empreiteiras investigadas na Lava Jato. No mesmo dia, a PF cumpriu mandados em residências do petista e de sua família, além do Instituto Lula.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Réu em diferentes processos
Nos meses seguintes, Lula foi denunciado por uma série de crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes. O petista sempre desmentiu as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política. Ele também negou ser proprietário dos imóveis investigados.
Foto: picture-alliance/abaca
Morre Marisa Letícia
Em fevereiro de 2017, morreu a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Lula e Marisa se conheceram em 1973, no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ela esteve ao lado do marido durante a sua ascensão política, desde os tempos do sindicato, quando liderou passeata em apoio a sindicalistas presos, passando pela fundação do PT, costurando a primeira bandeira do partido, até a Presidência.
Foto: Reuters/N. Doce
Caravana pelo país
Visando uma nova candidatura à Presidência no ano seguinte, Lula começou em 2017 uma caravana pelo Brasil que reuniu milhares de pessoas. Em junho de 2018, o PT confirmou sua pré-candidatura, mesmo com ele já preso. Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral impediu que ele concorresse. Como sucessor, Lula escolheu Fernando Haddad, que chegou ao segundo turno, mas foi derrotado por Jair Bolsonaro.
Foto: Ricardo Stukert /Instituto Lula
Lula é condenado
Lula foi condenado pela primeira vez em 12 de julho de 2017. A sentença do juiz Sergio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, ligados ao triplex no Guarujá. O TRF-4 confirmou a condenação em segunda instância, além de aumentar a pena para 12 anos e um mês de prisão. Foi a primeira condenação de um ex-presidente por corrupção no Brasil.
Foto: Abr
Derrota no STF
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram, em 4 de abril de 2018, um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Lula para evitar uma eventual prisão após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça Federal. Manifestantes contrários e a favor de Lula foram às ruas por ocasião do julgamento.
Foto: picture alliance/AP Photo/S. Izquierdo
Lula se entrega à PF
Em 7 de abril de 2018, Lula se entregou à Polícia Federal, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, após ordem de prisão expedida por Sergio Moro. Antes de se entregar, Lula fez um discurso acalorado aos apoiadores. De Congonhas, Lula partiu de avião para Curitiba, onde começou a cumprir sua pena.
Foto: Paulo Pinto/Instituto Lula
Vigília em frente à PF em Curitiba
Depois da prisão de Lula, apoiadores do ex-presidente revezaram-se em um acampamento em frente à Polícia Federal de Curitiba, onde ele permaneceu preso. O local recebeu constantes visitas de políticos e de artistas, do Brasil e do exterior. Apoiadores também realizaram caravanas pelo país, com o slogan "Lula Livre". Em fevereiro de 2019, Lula também foi condenado no caso do sítio em Atibaia.
Foto: Ricardo Stuckert
Solto após 19 meses na prisão
Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2019, depois de passar um ano e sete meses na sede da Polícia Federal em Curitiba. A soltura ocorreu após o STF derrubar uma decisão que autorizava a prisão em segunda instância, beneficiando diretamente o petista, que passou a recorrer em liberdade. Após deixar a prisão, Lula fez um discurso para apoiadores repleto de críticas à Lava Jato.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Correa
Supremo anula condenações
Após o fim da prisão, a campanha "Lula Livre" focou na anulação de suas condenações. Os advogados do petista recorreram até o Supremo, alegando que ele era vítima de perseguição judicial. Em abril de 2021, o plenário do Supremo concluiu que Moro não era o juiz competente para atuar nos processos do petista, e dois meses depois decidiu que Moro era parcial. As condenações de Lula foram anuladas.
Foto: Alexandre Schneider/Getty Images
Uma aliança inesperada
A preparação da sexta campanha presidencial de Lula envolveu uma costura política inusitada. O petista e aliados articularam para ter como vice o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que foi filiado ao PSDB por 33 anos e era seu antigo adversário. A aproximação teve o objetivo de atrair o voto conservador e vingou: em abril de 2022, o PSB, novo partido de Alckmin, confirmou sua indicação.
Foto: Ricardo Stuckert/AFP
Em busca do voto anti-Bolsonaro
Lula lançou sua pré-candidatura em maio de 2022, defendendo a união de pessoas de orientações políticas variadas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. No evento, Alckmin prometeu lealdade, disse que o futuro do Brasil "está em jogo" e foi aplaudido pelos petistas.
Foto: NELSON ALMEIDA/AFP
Triunfo na busca por terceiro mandato
Após uma das campanhas mais tensas da história brasileira, Lula conquistou novamente a Presidência. Com apoio de uma frente ampla que reuniu forças de centro e antigos adversários, o petista impôs uma derrota inconteste sobre o extremista de direita Jair Bolsonaro. Aos 77 anos, Lula se tornou o político mais velho a conquistar o Planalto.