Reportagem revelou que extremistas de direita da Alemanha estão sendo treinados para o uso de armas e explosivos e para combates corpo a corpo em campo operado por movimento russo de supremacistas brancos.
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Uma reportagem da revista alemã Focus revelou na semana passada, com base em fontes de inteligência, que extremistas de direita alemães estão recebendo treinamento paramilitar na Rússia, em local próximo a São Petersburgo.
Membros da ala juvenil do Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD), uma legenda de extrema direita que abriga vários neonazistas, bem como da sigla extremista Terceira Via, teriam concluído o treinamento.
Segundo a Focus, os militantes são treinados para o uso de armas e explosivos e também para combates corpo a corpo. Suecos e finlandeses também estariam entre os participantes. Eles se juntariam posteriormente às milícias russas ativas no leste da Ucrânia.
A reportagem relata que o campo de treinamento, chamado "Partizan" ou "Rezerv", é operado pelo chamado Movimento Imperial Russo, um grupo de extremistas de direita que afirma lutar pela "supremacia da raça branca".
A DW elaborou perguntas e respostas para ajudar a entender o caso:
Que tipo de campo os extremistas de direita supostamente visitam na Rússia?
Participar de treinamento paramilitar é legal na Rússia, e ocorre sob o guarda-chuva protetor da Sociedade Voluntária para Assistência ao Exército, Aeronáutica e Marinha (DOSAAF), organização cuja fundação remonta à União Soviética.
O treinamento do qual os alemães participam é dado por um clube que aparece sob dois nomes diferentes: "Rezerv" ou "Partizan". As aulas acontecem em uma instalação militar nos arredores de São Petersburgo.
Até 2018, o Partizan e seus membros estavam listados no site da prefeitura de São Petersburgo como um grupo de vigilantes no distrito de Vyborg. "Isso foi antes da minha posse", respondeu um representante do distrito à DW, quando questionado sobre o assunto.
Conversando com jornalistas locais em 2017, um dos organizadores do campo confirmou que o centro também oferecia treinamento para estrangeiros, "incluindo alemães". Hoje, o centro anuncia cursos on-line e off-line, incluindo aulas sobre manuseio de armas e "topografia militar".
Quem realiza o treinamento paramilitar?
O centro de treinamento e os organizadores do clube têm laços muito estreitos com os extremistas cristãos ortodoxos da Rússia. O presidente do clube e fundador do centro é Denis Gariev, que também é uma das figuras-chave do Movimento Imperial Russo, ou RIM, designado como organização terrorista pelos Estados Unidos em abril deste ano.
Segundo seu próprio relato, o Movimento Imperial Russo é uma organização monarquista "ortodoxo-patriótica", "conservadora de direita", que luta pela "supremacia branca". O RIM não é considerado um grupo terrorista na Rússia. No entanto, o Ministério da Justiça do país classificou o site da organização e vários de seus artigos on-line como extremistas.
Embora o site do RIM esteja temporariamente inacessível, seus canais de mídia social no Telegram e no VK (rede social com sede na Rússia) seguem em operação. As declarações postadas ali deixam claro que o movimento compartilha pontos de vista explicitamente racistas.
Os protestos mundiais após a morte do afro-americano George Floyd, sob o slogan Black Lives Matter (Vidas negras importam), são chamados de "inferno", com manifestantes "adorando um ídolo negro".
Já a disseminação do coronavírus é retratada como uma conspiração internacional. O grupo também afirma que a salvação da Rússia será o "renascimento" da monarquia cristã ortodoxa, que, se necessário, deve ser restabelecida à força, "porque um cristão ortodoxo também é sempre um lutador".
O que se sabe sobre os participantes?
Segundo a revista Focus, alguns homens são membros dos Jovens Nacionalistas, a ala juvenil do NPD, o mais antigo partido extremista de direita da Alemanha. Como a ala juvenil tem apenas 280 membros, permanece politicamente insignificante, embora seus participantes sejam bastante ativos quando se trata de ação pública. O grupo realizou campanhas de proteção ambiental, por exemplo, na tentativa de conquistar jovens apoiadores.
Outros participantes do treinamento paramilitar na Rússia seriam membros da Terceira Via (Der Dritte Weg), um dos partidos políticos mais radicais da Alemanha. Segundo a agência de inteligência doméstica alemã, a BfV, o grupo promove uma ideologia nacionalista e racista, influenciada pelo nazismo, e rejeita a democracia.
Como as autoridades alemãs reagiram?
O governo alemão não se manifestou até o momento. Um porta-voz do Ministério do Interior disse estar familiarizado com o assunto, mas que não havia informações específicas sobre indivíduos suspeitos de receber treinamento no campo paramilitar.
Extremistas de direita que conduzem práticas de tiro ao alvo e exercícios esportivos paramilitares no exterior continuam a ser uma preocupação para oficiais do governo alemão. Em 2019, o governo declarou, em resposta a uma investigação do partido A Esquerda, que por muitos anos os neonazistas alemães vinham buscando uma cooperação estreita com extremistas de direita no exterior.
Devido à propensão dos extremistas ao armamento, as autoridades dizem que permanecem em contato com os serviços de inteligência dos países envolvidos.
Populistas de direita na Rússia
Há poucos anos, a Rússia serviu como ponto de encontro para populistas de direita e radicais de toda a Europa. Em 2015, São Petersburgo sediou o "Fórum Conservador Internacional da Rússia". Os participantes incluíam o ex-presidente do NPD Udo Voigt, bem como representantes dos partidos italianos de extrema direita Liga e Força Nova, e do neofascista Aurora Dourada, da Grécia.
Em 2017, representantes do populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), liderados pela então líder Frauke Petry, visitaram Moscou. A delegação reuniu-se com dois legisladores do partido governante Rússia Unida e representantes do Partido Liberal Democrata da Rússia, liderado pelo populista de direita Vladimir Zhirinovsky.
Também em 2017, pouco antes das eleições presidenciais na França, Marine Le Pen – então líder da Frente Nacional, de extrema direita – visitou o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou. Le Pen defendeu laços mais estreitos com a Rússia e criticou as sanções da União Europeia contra o país. A Frente Nacional ainda tomou um empréstimo de 9 milhões de euros de um banco russo.
Após mais de cinco anos de processo, saem as sentenças pelas mortes de nove imigrantes e uma policial na Alemanha, num caso envolvendo extremismo de direita e críticas a instâncias estatais.
Foto: dapd
Beate Zschäpe, o rosto da NSU
Entre 2000 e 2006, nove homens de origem estrangeira foram mortos com a mesma pistola na Alemanha. A polícia tateava no escuro, e a mídia falava de "assassinatos do kebab". Em 4 de novembro de 2011, uma casa explodiu em Zwickau, no leste do país. Entre os destroços foram encontrados a arma do crime e outros objetos incriminadores. Quatro dias mais tarde, Beate Zschäpe se entregou à polícia.
Foto: dapd
O (presumível) trio da NSU
Em 1998, Zschäpe se unira aos amigos ultradireitistas Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos na célula terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). O trio viveu incógnito em diversos locais por quase 14 anos, por último em Zwickau, no estado da Saxônia. Segundo os investigadores, eles teriam cruzado a Alemanha cometendo assassinatos e atentados a bomba, financiando-se através de assaltos a bancos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Burgi
As vítimas
Ao que se sabe, a NSU matou ao menos nove homens e uma mulher. A primeira vítima, Enver Şimşek, sucumbiu em setembro de 2000 a ferimentos graves. As demais vítimas foram (a partir do alto, esq.) Abdurrahim Özudogru, Süleyman Taşköprü, Habil Kılıç, a policial Michèle Kiesewetter, Mehmet Turgut, Ismail Yasar, Theodorus Boulgarides, Mehmet Kubaşık e Halit Yozgat.
Foto: picture-alliance/dpa
Atentados a bomba em Colônia
Na rua Keupstrasse, em Colônia, habitada majoritariamente por turcos, uma bomba cheia de pregos explodiu em 9 de junho de 2004. Mais de 20 pessoas ficaram feridas, em parte gravemente. Antes, em 19 de janeiro de 2001, uma outra fora detonada na Probsteigasse. Uma jovem de 19 anos de origem iraniana sofreu queimaduras, cortes, fratura do crânio e perfuração do tímpano.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma fuga
Em 4 de novembro de 2011, um assalto a banco fracassou em Eisenach, na Turíngia. Os criminosos conseguiram inicialmente escapar, mas foram perseguidos pela polícia. Pouco mais tarde, os cadáveres de dois homens foram encontrados num trailer fumegante. Os indícios eram de suicídio. Ambos foram identificados como Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, supostos integrantes da célula terrorista NSU.
Foto: picture-alliance/dpa
Último esconderijo
Poucas horas após a morte dos supostos assassinos da NSU, uma casa residencial foi pelos ares em Zwickau. Com a explosão, Beate Zschäpe aparentemente tentou eliminar as pistas na moradia que dividia com seus amigos Böhnhardt e Mundlos. Entre as ruínas, os policiais encontraram, entre outros, a arma do tipo Ceska utilizada na série de assassinatos da NSU e um vídeo de reivindicação.
Foto: picture-alliance/dpa
Reivindicação cruel
Num macabro vídeo, utilizando a apreciada figura de desenhos animados Pantera Cor-de-Rosa, a NSU reivindicou os assassinatos de nove turcos e uma policial. No entanto, uma das vítimas, Theodorus Boularides, tinha origem grega.
Foto: picture-alliance/dpa/Der Spiegel
O início do processo
Em 6 de maio de 2013, começou o processo da NSU no Tribunal Superior Regional de Munique. A única sobrevivente do trio terrorista, Beate Zschäpe, apresentou-se de terno escuro, aparentando autoconfiança. O procurador-geral da República a acusou, entre outros crimes, de "ter matado, em dez casos, um ser humano de forma traiçoeira e por motivação torpe".
Foto: Reuters/Michael Dalder
Cúmplices da NSU?
Além de Zschäpe, quatro homens foram acusados no processo da NSU como presumíveis acessórios dos crimes. Apenas Ralf Wohlleben (abaixo, dir.), ex-membro do partido de extrema direita NPD, pode ter seu nome completo citado na imprensa. Os demais, André E., Carsten S. e Holger G. estão protegidos pelo direito de personalidade.
Zschäpe quebra o silêncio
Em 9 de dezembro de 2015, após dois anos e meio de silêncio, Beate Zschäpe se pronunciou, fazendo ler uma declaração em que inculpa Böhnhardt e Mundlos pela série de assassinatos. Em meados do ano, ela se desentendera com seus três advogados indicados, passando a ser representada adicionalmente por Hermann Borchert e Mathias Grasel.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Escândalo do informante
Desde o início do processo, era ambíguo o papel do Departamento de Defesa da Constituição, responsável pela segurança interna da Alemanha, nas atividades da NSU. O extremista de direita Tino Brandt (foto), informante do órgão, relatou em juízo como, nos anos 90, criara o grupo Defesa da Pátria da Turíngia (THS). A partir dele, o trio liderado por Zschäpe se radicalizou, criando a NSU.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Schutt
Relações mal explicadas
Quando Halit Yozgat foi baleado num internet-café de Kassel, em 6 de abril de 2006, o informante Andreas T. estava no local. Apesar disso, o funcionário da Defesa da Constituição afirmou nada saber sobre o atentado. No processo da NSU, o pai da vítima, Ismael Yozgat, relatou de forma comovedora como segurara nos braços o filho agonizante. No tribunal, levou consigo uma foto de infância de Halit.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Gebert
Protestos contra falta de clareza
Já houve uma série de manifestações contra o envolvimento de órgãos estatais alemães no caso da NSU. A organização Keupstrasse Está Por Toda Parte é uma das participantes dos protestos. Ela leva o nome da cidade de Colônia, onde a célula terrorista explodiu uma bomba cheia de pregos.
Foto: DW/M. Fürstenau
Parlamento interfere
O Parlamento federal alemão tentou trazer luz às intrigas no caso da NSU. Em agosto de 2013, o presidente da primeira comissão de inquérito, Sebastian Edathy (dir.), entregou ao líder parlamentar Norbert Lammert seu relatório final de mais de mil páginas. A conclusão foi avassaladora: "fracasso estatal". Mais tarde haveria outras CPIs em nível federal e estadual.
Foto: picture-alliance/dpa
Promessas quebradas
Em 23 de novembro de 2012, foi realizado na Konzerthaus de Berlim um evento em memória das vítimas da NSU. A chefe de governo Angela Merkel (esq.) prometeu a Semiya Şimşek e outros familiares o esclarecimento total. Mas eles estavam decepcionados diante de dossiês da Defesa da Constituição eliminados ou mantidos em caráter confidencial. Sua suspeita era de que o Estado sabia mais do que admitia.
Foto: Bundesregierung/Kugler
Procuradoria Geral exige pena máxima
Em meados de 2017, o procurador-geral Herbert Diemer e colegas apresentaram suas considerações finais. Eles exigiram para Beate Zschäpe a pena máxima, de prisão perpétua, devido à gravidade extrema de seus crimes. Para Ralf Wohlleben e André E., a acusação pediu 12 anos de cárcere, assim como cinco para Holger G. e três para Carsten S..
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Exigência surpreendente
Em abril de 2018, os defensores se pronunciaram. Hermann Borchert e Mathias Grasel, representando Zschäpe apenas desde 2015, reivindicaram para ela um máximo de dez anos de prisão. Entretanto, seus antigos advogados, Wolfgang Stahl, Wolfgang Heer e Anja Sturm (da dir. para a esq.) surpreenderam ao pedir a libertação imediata de Zschäpe da prisão preventiva.
Foto: Reuters/M. Rehle
Juiz respeitado
Manfred Götzl, de 64 anos, é o juiz-presidente no processo da NSU, no Tribunal Superior Regional de Munique, encarregado de pronunciar as sentenças contra Beate Zschäpe e os demais réus. Os advogados de alguns coautores do processo criticaram Götzl, desejando que ele conduzisse a ação com maior rigor. No geral, contudo, ele goza de grande respeito.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Hase
Prisão perpétua para a ré principal
Em 11 de junho de 2018, Beate Zschäpe (esq.), de 43 anos, foi condenada à prisão perpétua pelo Tribunal Superior Regional de Munique. Como os crimes são de extrema gravidade, ela não poderá deixar a prisão depois de cumprir 15 anos de pena. A defesa anunciou que vai recorrer da decisão à instância superior, a Corte Federal de Justiça. Os demais réus receberam penas entre dez e dois anos e meio.