O Uruguai se protege como pode
18 de setembro de 2018Parece que não vale mais o ditado que diz que, quando a Argentina espirra, o Uruguai se resfria. O pequeno país sul-americano, com apenas 3,4 milhões de habitantes, sofreu durante muito tempo as consequências dos vaivéns de seus grandes vizinhos, Argentina e Brasil. Hoje, se converteu num modelo na América Latina, afirmam analistas.
"O Uruguai tornou-se independente de seu grande irmão do outro lado do rio da Prata. Também viveu sua crise, mas nos últimos anos teve um desenvolvimento comparativamente melhor. Conseguiu transformar sua economia e estabelecer mais aspectos de igualdade sociais que seus vizinhos", afirma Stefan Rinke, diretor do Instituto de Estudos Americanos da Universidade Livre de Berlim.
Em seus quase 15 anos de governo, a coalizão Frente Ampla consolidou a estabilidade política e econômica, além de ter alcançado avanços sociais. Segundo o Banco Mundial, o país se destaca na América Latina por ter "uma sociedade igualitária, alta renda per capita e quase ausência de pobreza extrema".
A classe média representa 60% da população, sendo a maior da América. Além disso, o país tem estabilidade institucional, baixos níveis de corrupção e altos índices de medidas de bem-estar social e acesso a serviços básicos.
"No Uruguai, há uma democracia estável, com regras de jogo que são cumpridas, sem hipótese de violência, com diálogo e confiança nas regras institucionais. Isso também é um patrimônio do país diante de uma situação de crise", afirma Gerardo Caetano, historiador e cientista político da Universidade da República, de Montevidéu.
Hoje, o Uruguai é o país latino-americano com o maior índice de democracia e do qual os habitantes estão mais satisfeitos com essa forma de governo, aponta um estudo da organização Latinobarómetro.
"Esse é um fator muito importante. Estamos num ano pré-eleitoral, de concorrência, mas não se compara com o que ocorre na Argentina, com a campanha permanente, ou com o processo eleitoral atual no Brasil, marcado pela incerteza absoluta", diz Caetano.
Do ponto de vista econômico, apesar de sinais de desaceleração nos últimos anos, o país segue crescendo e mantém uma inflação de um dígito. Apesar da crise regional, marcada pela alta do dólar na Argentina e a forte estiagem que afetou o setor agropecuário, de onde saem seus principais itens de exportação, não há sinais de recessão.
O Uruguai exporta hoje alimentos para 28 milhões de pessoas e tem a meta de chegar aos 50 milhões. O turismo também é uma importante fonte de receitas, e o setor conseguiu se diversificar investindo em aspectos profissionais, financeiros e tecnológicos.
Para Caetano, o nível de reservas, o manejo responsável do dólar por parte do Banco Central, a gestão da dívida em níveis razoáveis e uma política de austeridade dão credibilidade ao país.
"O que faz do Uruguai bem-sucedido é sua abertura em combinação com políticas trabalhistas e sociais progressistas, uma política de inclusão e de direitos em todos os sentidos", diz Sebastian Sperling, chefe da fundação alemã Friedrich Ebert no Uruguai.
"Junto com o incentivo a investimentos estrangeiros e a promoção de tratados de livre-comércio, o Uruguai aprofundou sua democracia, fortaleceu a posição dos trabalhadores e dos sindicatos e formalizou grande parte da economia informal, com impactos muito positivos sobre o crescimento e indicadores sociais", acrescenta.
Enquanto em 2004, 39,9% da população viviam na pobreza, o último levantamento indicou 7,9%. O número de pessoas na pobreza extrema passou de 4,7% para 0,2% – "um número quase irrelevante", segundo Caetano. E nos últimos 15 anos, o salário real médio subiu em torno de 55% em valores reais, destaca.
Enquanto isso, os países vizinhos caminham na direção oposta, tanto em relação a políticas quanto a resultados, aponta Sperling.
Apesar da estabilidade, o Uruguai não está imune a oscilação regionais. "O clima político e econômico na região não é nada favorável. Até agora, o país não foi impactado pelos acontecimentos na Argentina e no Brasil, mas já se vê que vai haver efeitos sobre a próxima temporada turística, pois quase 80% dos turistas vêm da Argentina", adverte Sperling.
Segundo o especialista, o Uruguai também poderia ser afetado como exportador de serviços financeiros e profissionais, cujos principais mercados são a Argentina.
"A política da Frente Ampla ajudou muito a desenvolver um modelo mais sustentável, por exemplo, ao impulsionar o consumo interno por meio do aumento dos salários reais, sobretudo nas classes média e baixa", destaca o especialista. "Nesse sentido, o Uruguai é mais forte que antes, mas em um país tão pequeno, uma crise regional poderia ter impacto."
O governo do presidente uruguaio, Tabaré Vásquez, já anunciou medidas com base em lições tiradas das crises passadas. Entre os incentivos ao turismo, por exemplo, está a devolução aos argentinos do imposto sobre valor agregado, de 22%. Além disso, o governo reduziu os impostos sobre combustíveis na fronteira com a Argentina, o que já existia com o Brasil.
Além de ter alcançado estabilidade política, econômica e institucional, o Uruguai está muito bem integrado ao mercado global, com uma posição estratégica na boca do rio da Prata, destaca Rinke.
"Ainda que, no curto prazo, a situação argentina possa afetar o Uruguai, não creio que vá causar uma crise do tamanho da enfrentada pela Argentina. O sistema uruguaio é muito mais forte", afirma.
Manter a estabilidade diante dos altos e baixos argentinos é uma preocupação histórica do Uruguai, aponta Caetano. Segundo ele, o país não está à margem do contexto regional. "Mas se houver uma hipercrise na Argentina ou se a incerteza total que há no Brasil acabar mal, o Uruguai tem hoje mais fortalezas que no passado para enfrentar esses desafios", conclui.
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