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O vai e vem entre EUA e Coreia do Norte

26 de maio de 2018

Após cancelar aguardado encontro com Kim, Trump se mostra novamente aberto ao diálogo. Mas histórico da relação entre os dois países sugere que tentativa de aproximação está fadada ao fracasso.

Moeda comemorativa de encontro entre Trump e Kim
Moeda comemorativa do incerto encontro entre Trump e KimFoto: picture-alliance/newscom/UPI Photo/K. Dietsch

O valor de mercado do souvenir despenca: a loja da Casa Branca vende agora a moeda comemorativa das históricas "negociações de paz" por apenas 19,95 em vez de 24,95 dólares. Após o presidente americano, Donald Trump, cancelar nesta quinta-feira (24/05) seu encontro com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, tanto o souvenir como a reunião em si se transformaram em objeto de especulação.

Nesta sexta-feira, após receber a notícia de que Pyongyang continua aberta a resolver problemas com Washington "a qualquer momento", Trump deu sinais de que pode voltar atrás em sua decisão: 

"Foi uma declaração muito boa", disse o presidente americano ao deixar a Casa Branca para fazer um discurso de formatura na Academia Naval dos EUA. "Vamos ver o que acontece, pode até ser que seja no 12 [de junho, data anunciada para a cúpula]."

"Estamos conversando com eles no momento. Eles querem muito que aconteça. Nós gostaríamos que acontecesse", continuou.

O cancelamento no dia anterior, no entanto, deu ao vice-chanceler da Coreia do Norte, Kim Kye-gwan, a oportunidade de apresentar seu país como um parceiro de negociação pacífico e construtivo. Uma semana atrás, ele mesmo ameaçou romper a reunião. 

Neste sábado, o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e Kim surpreenderam ao se reunirem na tentativa de salvar a cúpula entre EUA e Coreia do Norte.

Ainda não se sabe se após o degelo dos últimos meses, as relações entre Washington ou Pyongyang vivem apenas uma breve frente fria ou uma nova era glacial. Abaixo, um resumo dos eventos até aqui.

Antecedentes

Para entender os eventos recentes, é necessário voltar 16 anos no tempo: em 2002, o então presidente dos EUA, George W. Bush, declarou a Coreia do Norte, juntamente com o Irã e o Iraque, como parte do "eixo do mal". O governo Bush acusou o ex-governante Kim Jong-il de romper o acordo negociado por Bill Clinton sobre o abandono das armas nucleares norte-coreanas.

A relação entre os dois países ficou ainda pior em 2003, quando o diplomata americano John Bolton, então encarregado da questão norte-coreana, atacou duramente Kim Jong-il durante um discurso em Seul. Para a mídia estatal da Coreia do Norte, Bolton virou "escória" e "sanguessuga".

Nos anos 2000, Pyongyang finalmente deu novo impulso ao programa nuclear estatal. Em 2006, testou, a princípio, uma bomba nuclear subterrânea. Após a morte de Kim Jong-il em 2011, os negócios de Estado foram assumidos por seu filho Kim Jong-un, de 27 anos.

Por meio de emenda constitucional, ele oficialmente declarou a Coreia do Norte uma potência nuclear e continuou a promover o desenvolvimento de ogivas e mísseis. Ao deixar o cargo de presidente dos Estados Unidos, Barack Obama teria dito a seu sucessor, Trump, que a Coreia do Norte se tornaria o maior problema do próximo governo.

O primeiro ano de Trump

Dentro de pouco tempo, o 45º presidente dos EUA já sentiu as provocações militares: só em abril de 2017, a Coreia do Norte testou três mísseis. Após vários outros lançamentos nos meses seguintes, Trump ameaçou com "fogo e ódio" em agosto, caso a Coreia do Norte ameaçasse os EUA. Kim respondeu com um míssil que lhe permitiu atravessar o espaço aéreo do Japão, aliado dos Estados Unidos.

Por um tempo, parecia que Trump e Kim baixariam cada vez mais o nível retórico. Em setembro, Trump falou à Assembleia Geral da ONU sobre o "pequeno homem-foguete", ao que Kim respondeu: "Estou certo de que vou domar este ancião doente mental e demente com fogo." "Em janeiro de 2018, Trump então deixou claro, via Twitter, que tinha um botão nuclear maior e mais poderoso, e que inclusive funcionava.

Degelo para Jogos Olímpicos de Inverno

De repente, a Coreia do Norte pareceu mudar completamente: em janeiro, de forma surpreendente, anunciou sua intenção de participar dos Jogos Olímpicos de Inverno - junto com a rival Coreia do Norte, anfitriã do evento esportivo.

Em 9 de fevereiro, os atletas entraram no Estádio Olímpico em Pyongyang, sob uma bandeira que mostrava os contornos de toda a península coreana. Após as competições, a Coreia do Norte disse aguardar uma "oportunidade adequada" para negociações com Washington.

Apenas alguns dias depois, em 9 de março, uma cena memorável se desenrolou em frente à Casa Branca. O Conselheiro Nacional de Segurança da Coreia do Sul, Chung Eui-yong, apareceu diante da imprensa para anunciar uma proposta de Kim Jong-un: o governante norte-coreano queria se encontrar com o presidente americano. Então, Trump tuitou a mudança na política externa dos EUA: "Encontro está nos planos!"

Planos para cúpula histórica

Enquanto isso, Coreia do Norte e Coreia do Sul deram continuidade à aproximação iniciada em meio ao espírito olímpico. Formalmente, a Guerra da Coreia nunca terminou, havendo desde 1953 apenas uma trégua entre os dois países.

Em 27 de abril, Kim Jong-un e o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, iniciaram a reconciliação entre os dois países em sua primeira reunião oficial de cúpula na cidade fronteiriça de Panmunjom. Eles decidiram acabar com o estado de guerra e gradualmente tornar a península livre de armas nucleares. Kim prometeu fechar o local de testes nucleares Punggye-ri e fez com que a Coreia do Norte ajustasse seus relógios ao horário sul-coreano.

Aparentemente inspirado pelo encontro histórico, Trump sugeriu o mesmo local para o seu encontro com Kim. Situada na fronteira, a "Casa da Paz" seria mais significativa do que realizar a reunião em um terceiro país. No geral, corriam comentários pela Casa Branca de que, no período de março a maio, o presidente cuidou mais do simbolismo e da encenação da cúpula do que do conteúdo concreto das conversações.

Isso ficou a cargo sobretudo dos falcões ao redor de Trump. Seu novo secretário de Estado, Mike Pompeo, viajou à Coreia do Norte em 9 de maio para definir localização, data e outros detalhes da cúpula. No início de abril, ainda em seu antigo posto de chefe da CIA, Pompeo já havia encontrado Kim.

Mal-entendidos se acumulam

Uma expressão importante nos preparativos foi a palavra "desnuclearização", porque fornece aos diplomatas certa margem de manobra. Para os coreanos, tratava-se de um processo gradual, mas para os americanos, a disposição de Kim de abandonar todo o seu arsenal nuclear era um pré-requisito.

Os exercícios militares de duas semanas que a Coreia do Sul realizou com os EUA a partir de 14 de maio, agendados muito antes dos planos para a cúpula com Trump, foram vistos pela Coreia do Norte como uma provocação. Dois dias depois, o vice-ministro do Exterior, Kim Kye-gwan, ameaçou cancelar o encontro.

Mais estragos foram provocados por John Bolton, apontado por Trump como assessor de segurança nacional. Ele apresentou o "modelo líbio" para a Coreia do Norte: a Líbia encerrou seu programa nuclear em 2004 e mandou os armamentos para fora do país. Em troca, os EUA levantaram suas sanções.

O fim da história, no entanto, pode ter funcionado como uma ameaça para Kim: o então governante líbio, Muammar Kaddafi, foi morto por rebeldes durante a guerra civil em 2011, aparentemente depois que um drone americano o localizou.

A decisão de Trump de sair do acordo nuclear do Irã certamente não tornou a Coreia do Norte menos cética. Apesar de se distanciar do modelo líbio, o vice-presidente americano, Mike Pence, ameaçou em 22 de maio que, se a Coreia do Norte não concordasse com o desarmamento nuclear, a história "terminaria como na Líbia".

Apenas um tropeço na história?

A Coreia do Norte, por sua vez, manteve a promessa de Kim e aparentemente destruiu, em 24 de maio, o campo de testes de Punggye-ri. Nenhum observador internacional foi admitido, mas sim, pelo menos, um punhado de jornalistas ocidentais.

Apenas algumas horas depois, a Casa Branca publicou uma carta, direcionada a Kim, por meio da qual o presidente Trump cancelava a cúpula. Nela, Trump lamentou a "ódio e na hostilidade aberta demonstrados em seus mais recentes depoimentos [do governo norte-coreano]".

A cúpula de Cingapura, disse ele, não deve ocorrer em benefício de ambas as partes e em detrimento do mundo. Provavelmente a fim de expressar sua determinação e superioridade militar, Trump continuou: "Você fala sobre sua capacidade nuclear, mas a nossa é tão maciça e poderosa que eu rezo a Deus que ela nunca precise ser usada."

Na reaproximação entre Trump e Kim, o eventual fracasso da reunião é um revés que possivelmente só irá se revelar como um tropeço na história. Trump resumiu em uma frase: "Senti que um maravilhoso diálogo se desenvolveu entre nós, e, no fim das contas, só depende de diálogo. Estou ansioso para um dia conhecê-lo."

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