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30 anos sem Glauber Rocha

22 de agosto de 2011

Em 1981, morria o cineasta brasileiro mais polêmico e incompreendido de todos os tempos. Passadas três décadas, o diretor de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" continua estimulando reflexões no Brasil e no mundo.

Glauber Rocha, em 1970Foto: AP

Crítico, pensador, cineasta reconhecido internacionalmente, diretor de um dos melhores filmes da história do cinema brasileiro, porta-voz do Cinema Novo. Em 22 de agosto de 1981, Glauber Rocha encerrava precocemente sua polêmica carreira, ao morrer de complicações broncopulmonares, aos 42 anos. Três décadas depois, ainda faltam palavras para definir o papel que Glauber desempenhou no cinema brasileiro e mundial. Sua obra complexa e provocadora continua intrigando pesquisadores, críticos, cineastas e cinéfilos.

Nascido em Vitória da Conquista, na Bahia, em 1939, Glauber ousou e experimentou de seu primeiro filme – Pátio, de 1959 – ao último e incompreendido Idade da Terra, de 1980. Como um pensador da cultura, o brasileiro também contribui com o cinema através de seus textos, sendo os mais famosos os manifestos Eztetyka da Fome e Eztetyka do Sonho – duas metáforas das carências do Brasil. Premiado em Cannes, o cineasta do princípio "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça" também projetou o cinema político brasileiro no exterior.

Três décadas de polêmica

É incalculável o quanto já se escreveu sobre Glauber Rocha, no Brasil e no mundo. Peter Werner Schulze, professor do Instituto de Cinema e Dramaturgia da Mídia da Universidade de Mainz, por exemplo, acaba de lançar seu segundo livro sobre o diretor brasileiro. Junto com Peter B. Schumann, Schulze organizou a obra Glauber Rocha e as culturas na América Latina, que reúne artigos em português de especialistas como Ivana Bentes e Ismail Xavier.

"Acredito que a atualidade de Glauber seja inquebrantável, em parte por seu papel de destaque como cineasta e, por outro lado, também como protagonista do cinema político", considera o alemão que decidiu aprender português e escrever um livro sobre Glauber após assistir Deus e o Diabo na Terra do Sol, de 1964.

"Nos últimos anos, desde que o discurso pós-colonial ganhou força para além do meio acadêmico, a relevância de Glauber Rocha, como precursor do cinema pós-colonial, ficou ainda mais clara", completa o pesquisador que estudou por um período no Rio de Janeiro e lecionou na Universidade Federal do Ceará. Seu primeiro livro – Tranformação e transe: os filmes de Glauber Rocha como trabalho de memória pós-colonial, de 2005 – aborda a importância de Glauber no contexto do pós-colonialismo.

Para Jair Fonseca, professor de Literatura e Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina, o fato de Glauber Rocha ainda causar polêmica e influenciar artistas traduz a sua importância. "A recepção da obra de Glauber é muitas vezes problemática, devido, por exemplo, ao tipo de procedimento estético radical que empregava. Isso é sinal de que ele ainda incomoda. Em algum sentido, Glauber ainda está vivo, 30 anos após a sua morte", diz Fonseca, autor da tese Cinema, texto e performance: a vida em obra de Glauber Rocha.



Arte e política

Como porta-voz do Cinema Novo, Glauber Rocha influenciou cineastas latino-americanos e foi um dos precursores do conceito de mostrar na tela a realidade política, indo contra a censura, a comercialização e a exploração. O diretor brasileiro foi capaz de lidar com a experimentação estética de vanguarda em diversos níveis – do roteiro e da fotografia ao trabalho literário com a palavra e experiências de montagem radicais – chocando com suas imagens da pobreza e da fome.

"Esse tipo de experimentação fez do cinema dele algo sofisticado e que, ao mesmo tempo, traduz nas imagens e nos sons a visceralidade, a brutalidade que caracteriza a violência colonial da qual nasceu o Brasil. Ele queria produzir a violência esteticamente, sem fazer dela um espetáculo a la Hollywood", afirma Fonseca. Para o professor, essa inteligência estética paradoxal, de algo ser sofisticado e brutal ao mesmo tempo, atrai as pessoas até hoje.

Glauber queria fazer um filme como quem escreve um poema, "com toda a liberdade", diz Fonseca, que classifica o cinema do diretor brasileiro como "de poesia". "Os filmes trabalhavam com metáforas, visuais e sonoras, que representavam a visão que Glauber tinha da política, da sociedade e da cultura", completa.

Schulze considera que Glauber tenha unido o amor pelo cinema ao ímpeto político. Para o pesquisador alemão, fica claro desde o primeiro longa-metragem – Barravento, de 1961 – que o brasileiro conseguiu estabelecer uma interseção entre arte e política como poucos outros cineastas. "Em Glauber Rocha, a estética nunca está a serviço da política. Por outro lado, a política, no cinema de Glauber Rocha, é sempre uma questão estética. Em seu cinema, há, de fato, uma rara interseção entre a política e a estética", diz.

"Glauber conseguiu mostrar que não se faz um filme politicamente revolucionário sem que a forma seja revolucionária. Além do conteúdo, as imagens também são políticas. Estética e política não existem uma sem a outra", completa Fonseca.

O contexto dos anos 1960 e 1970

Além da inovação na linguagem, o destaque que a obra de Glauber obteve nos anos 1960 e 1970 teve a ver com o que se chamava de "terceiro mundismo". "O terceiro mundo estava na moda", diz Fonseca. O pesquisador lembra que ocorriam naquele período a Guerra do Vietnã – que terminou com a derrota dos Estados Unidos, a maior potência pós-colonial –, as guerras de independência na África, a vitória da esquerda na Revolução Cubana.

"Havia uma espécie de esperança de que os povos subdesenvolvidos trouxessem novas perspectivas para o mundo. Nesse contexto, o Glauber foi visto como uma espécie de guerreiro intelectual", considera Fonseca.

Schulze acrescenta que os filmes de Glauber nasceram em um "terreno fértil", pois a Europa e os Estados Unidos estavam muito politizados e havia uma solidariedade por parte dos intelectuais com relação aos povos colonizados. "Esse Zeitgeist teve um papel importante para a recepção do trabalho de Glauber na Europa", afirma.

Glauber chegou a receber, em 1969, o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes, por O Dragão da Maldade e o Santo Guerreiro, que havia sido censurado pela ditadura brasileira. Dois anos antes, o cineasta havia sido homenageado com o Prêmio da Crítica Internacional, por Terra em Transe. E, em 1977, seu curta-metragem Di Cavalcanti foi reconhecido com o Prêmio Especial do Júri.



Glauber e a juventude atual

Hoje, a recepção acontece de maneira diferente, principalmente entre os jovens, nascidos muito depois da morte de Glauber. Para cativar a atenção de seus alunos, Fonseca procura contextualizar a obra do cineasta baiano, abordando a ditadura militar brasileira, o conceito europeu de "terceiro mundismo", os projetos da juventude dos anos 1960. Além dos filmes, a própria vida do carismático e aventureiro Glauber, que com 13 anos já era crítico de cinema em um programa de rádio, impressiona as novas gerações.

Para Fonseca, os filmes do diretor permitem discutir a linguagem cinematográfica e mostrar que existem outros padrões além do hollywoodiano. "O Glauber causa algum tipo de inquietação, estimula a criatividade", diz.

Entre a juventude alemã, compreender o cinema de Glauber é ainda mais complicado. Os jovens se impressionam com os filmes, mas têm dificuldades em lidar com referências à cultura brasileira, como o candomblé e a literatura de cordel, por exemplo. "Mesmo assim, eles se interessam e espero que se deixem envolver pela obra de Glauber", diz o professor Schulze.

Segundo o pesquisador alemão, Glauber Rocha é mais conhecido na Alemanha entre o público cinéfilo. Durante muito tempo foi difícil ter acesso a sua obra e, ao contrário de outros idiomas, em alemão, a primeira monografia sobre o cineasta foi o livro de Schulze de 2005. Entre os exemplos de trabalhos em outros idiomas está o livro Ti ricordi Glauber, em que o italiano Marco Ferrari romantiza os últimos dias da vida do brasileiro.

Nos últimos anos, filmes de Glauber têm figurado em festivais mundo afora, como o Festival de Cinema de Berlim, que exibiu em 2010 a versão restaurada de O Dragão da Maldade e o Santo Guerreiro. "Aos poucos, Glauber Rocha se torna mais conhecido", considera Schulze.

O legado glauberiano

É inegável o papel que Glauber Rocha desempenhou no cinema político. Fonseca considera que o cineasta tenha sido um dos últimos artistas de vanguarda do Brasil, muitas vezes incompreendido e julgado pela má vontade da crítica com relação ao seu experimentalismo. Para o professor, a questão político-social ainda está presente nos filmes brasileiros. "Assim como em O Dragão da Maldade e o Santo Guerreiro, a violência ainda aparece em Cidade de Deus e Tropa de Elite. O que o cinema brasileiro abandonou foi a experimentação estética", conclui.

Schulze afirma que, depois de Glauber e do Cinema Novo, existiram filmes políticos no Brasil, mas não mais um verdadeiro movimento político no cinema. Passados 47 anos desde seu lançamento, Deus e o Diabo na Terra do Sol – com sua memorável cena em que santo Sebastião profere as palavras "o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão" –, é apontado por críticos como o melhor filme da história do cinema brasileiro. Para Fonseca, a obra é um clássico moderno. "Essa capacidade de significar ao longo do tempo é o que mostra a excelência de um trabalho artístico", resume.

Autora: Luisa Frey
Revisão: Soraia Vilela

Melhor Direção em Cannes: "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", de 1969Foto: picture alliance/Mary Evans Picture Library
Cena de "Terra em transe", de 1967, que recebeu o Prêmio da Crítica Internacional em CannesFoto: trigon-film
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