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ArteÁustria

Obra de Klimt ressurge na Áustria após décadas desaparecida

26 de janeiro de 2024

Após um século de sumiço, "Retrato da senhorita Lieser", avaliado em cerca de 50 milhões de euros, será leiloado em Viena. Pintura foi encomenda de família de industriais judeus que acabou espoliada por nazistas.

"Retrato da senhorita Lieser" em uma parede, diante de uma câmera montada em pedestal
Preço final pago por pintura pode ficar em 70 milhões de euros, segundo casa de leilõesFoto: Roland Schlager/APA/AFP

Não se sabe ao certo quem é a modelo ou onde a obra esteve nos últimos 100 anos. Mas é certo que o Retrato da senhorita Lieser, avaliado entre 30 e 50 milhões de euros (R$ 267 milhões) e que será leiloado em 24 de abril, colocará Gustav Klimt novamente no centro do mercado de arte.

A peça será vendida pela casa de leilões vienense im Kinsky. Segundo o gerente da instituição, Michael Kovacek, o preço final poderá chegar próximo dos 70 milhões de euros (R$ 373 milhões).

A pintura, de 140 por 80 centímetros, mostra uma mulher jovem em uma severa pose frontal sobre fundo vermelho. Ao redor de seus ombros há uma capa ricamente decorada com flores. "A paleta de cores é exemplar para o trabalho tardio de Klimt", disse Claudia Mörth-Gasser, chefe da seção de modernismo clássico da im Kinsky.

Muitos mistérios

A peça está envolta em mistério.

É quase certo que Klimt começou a trabalhar nela em maio de 1917, nove meses antes de sua morte. A pintura foi encomendada por um membro dos Lieser, uma família de grandes industriais judeus do então Império Austro-Húngaro, que mais tarde sofreu perseguição e espoliação nazista.

"O Retrato da senhorita Lieser é um dos últimos quadros que Klimt pintou pouco antes de sua morte", disse Valerie Gaber, assessora de imprensa da casa de leilões à agência de notícias EFE.

De fato, o fundo da obra, mas não a figura feminina, ficou inacabado após a morte do pintor em 1918. A pintura, então, foi devolvida nesse estado aos proprietários.

Não se sabe com certeza quem é a modelo. Durante muito tempo, pensou-se que fosse Margarethe Constance, filha de Adolf Lieser, que posou no estúdio vienense de Klimt. Mas também é possível que ela seja uma das filhas de Lilly Lieser, cunhada de Adolf.

Há uma fotografia em preto e branco da pintura, tirada em 1925 como parte dos preparativos para uma exposição, junto com uma anotação informando que a proprietária da pintura é "senhora Lieser" e um endereço em Viena onde se sabe que Lilly Lieser viveu.

Paradeiro desconhecido

A partir daí, o paradeiro exato da peça é desconhecido. De fato, de acordo com Gaber, não se sabe ao certo se o retrato chegou a ser incluído na exposição, que foi realizada em 1926.

Lilly, que era uma entusiasta patrocinadora de pintores e músicos e amiga da compositora Alma Mahler, teve seus bens roubados e saqueados pelos nazistas quando a Áustria aderiu ao Reich alemão em 1938.

Pintura foi um dos últimos trabalhos de Gustav KlimtFoto: Roland Schlager/APA/AFP

Em 1942, Lilly foi deportada e assassinada em um campo de extermínio. Suas filhas conseguiram fugir da Áustria e, após a Segunda Guerra Mundial, pediram a restituição da propriedade da mãe, mas a pintura não é mencionada nesse arquivo, nem há qualquer registro de que tenha saído do país.

"Portanto, não há evidências de que a obra tenha sido saqueada, roubada ou apreendida ilegalmente, antes ou durante a Segunda Guerra Mundial", afirma a casa de leilões em seu catálogo sobre a peça.

Esse documento indica que a pintura "voltou ao mercado" em algum momento indeterminado entre 1925 e meados da década de 1960, quando foi localizada na sala de estar de uma mansão particular perto de Viena.

Segundo a casa de leilões, a obra teria sido adquirida por uma família naquele período e passada de geração em geração até o atual proprietário, um austríaco cuja identidade não foi revelada. Ele teria recebido a peça como parte de uma herança de parentes distantes dois anos atrás.

Condições quase perfeitas

Análises da pintura mostram que ela está em condições quase perfeitas e que Klimt quase não fez modificações durante a pintura.

De acordo com a casa de leilões, o fato de o retrato não ter sido vendido em um leilão em Londres ou Nova York, mas estar sendo oferecido pela casa de leilões vienense, de tamanho muito menor, deve-se aos seus muitos anos de experiência com as obras de Klimt e sua expertise em lidar com os chamados casos de arte saqueada, ou seja, obras de arte que foram confiscadas e apreendidas durante a era nazista.

Antes de ir a leilão, a obra será exibida em países como Suíça, Alemanha, Grã-Bretanha e Hong Kong.  

Após o regresso a Viena, será leiloada "em nome dos atuais proprietários, juntamente com os sucessores legais de Adolf e Henriette Lieser, com base num acordo em conformidade com os Princípios de Washington de 1998", afirma a casa em comunicado, referindo-se a uma declaração que regulamenta a devolução de obras de arte a descendentes de espoliados durante o período nazista. 

Klimt continua sendo um dos artistas mais procurados. Em junho de 2023, sua "Dama com um leque", o último retrato que pintou, foi vendida por 99,2 milhões de euros (R$ 529 milhões), tornando-se a obra de arte mais cara já vendida na Europa.

md/ra (efe, dpa, lusa)