Obras da vanguarda alemã são expostas em SP
9 de abril de 2014"Era preciso luz". Com essas palavras, o artista alemão Otto Piene, de 85 anos, relembra os primeiros dias do ZERO – o grupo artístico criado em 1957 em Düsseldorf, na Alemanha, que se tornou um dos principais movimentos de vanguarda do século 20. "A luz foi nossa reação à escuridão da Segunda Guerra", disse Piene à DW Brasil. "Foi uma nova energia para que as pessoas e a arte em si se tornassem melhores."
Perfurando telas e ampliando o espaço bidimensional, os artistas do ZERO deram passagem à luz, seguindo a grande tendência da época: aliar arte e tecnologia. "Eles começaram a dinamizar a tela com a luz e a transformá-la em um objeto de arte. E isso se ampliou para um ambiente de instalação artística. O movimento era elemento central para tornar o tempo visível", explica a historiadora de arte Heike van den Valentyn.
A acadêmica alemã é a curadora da mostra ZERO, em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo até 13 de junho. A exposição apresenta originais e remontagens das principais obras de Piene, Heinz Mack e Günter Uecker – os três expoentes do movimento – e de uma rede de artistas europeus e latino-americanos que se utilizavam da mesma linguagem formal.
Trabalhos como o da artista plástica brasileira Lygia Clark (Bicho – Relógio do Sol, de 1960) e de Abraham Palatnik, um dos pioneiros da arte cinética universal, mostram um diálogo com as inovações propostas pelo ZERO, apesar de não haver conexões diretas entre eles. "Os paralelos são muito claros. Esses artistas queriam integrar o cotidiano, a natureza e o movimento na arte", diz Valentyn.
O ponto em comum era romper com linguagens artísticas predominantes. No caso do Brasil, com a racionalidade da arte concreta. "Esse sentimento se tornou internacional no meio artístico. A necessidade de um novo começo se tornou o novo vocabulário da pintura, do design e da arquitetura", destaca Piene. "Foi fantástico descobrir que havia pessoas de outros países que tinham sentimentos semelhantes e traduziram isso da mesma maneira."
Um brasileiro
O artista Almir Mavignier foi o único brasileiro que participou ativamente do ZERO. E o motivo foi o acaso. Otto Piene leu uma resenha sobre a primeira exposição de Mavignier, realizada em Stuttgart, e decidiu enviar a ele uma carta destacando as afinidades artísticas entre os dois.
"Nós nos encontramos em Ulm [na Alemanha]. Mavignier colocou gravações originais de samba e foi fantástico. Logo, nos tornamos amigos e ele passou a integrar o ZERO", relembra Piene.
Mavignier participou da 7ª Exposição Noturna no ateliê de Mack e Piene, em Düsseldorf, em 1961, e das três edições da revista ZERO, publicação que compilava as obras e manifestos produzidos pelos artistas.
O brasileiro foi ponto central de intermediação entre os movimentos artísticos da América Latina e da Europa na época. Além dele, o argentino Lucio Fontana e o venezuelano Jesús Rafael Soto foram integrantes assíduos do grupo. Como Mavignier, organizaram exposições em Milão, Veneza e Zagreb.
"O ZERO foi uma verbalização romântica e niilista da arte", conta. Aos poucos, Mavignier se distanciou dos ideais do grupo. "Eu não compartilhava dessa situação estética. Mas o fato é que houve um parentesco técnico internacional muito importante entre as diversas correntes artísticas, e o ZERO foi um dos grupos que inovou."
Piene concorda que os trabalhos de Mavignier eram diferentes por seguir métodos geométricos e matemáticos muito rígidos. "Mas nós dividimos sentimentos, produzimos cartazes do ZERO juntos. Ele é um dos melhores artistas gráficos que eu já conheci."
Para a exposição na Pinacoteca, a curadora selecionou a obra Forma, uma recriação de um cartaz produzido por Mavignier em 1963. O trabalho faz um jogo entre a palavra forma e sua tradução para o alemão, Gestalt: "Forma é gestalt. gestalt não é forma. é relação", diz o cartaz.
ZERO faz parte da programação do Ano Alemanha+Brasil. Segundo Valentyn, "Espaço Elástico", do italiano Gianni Colombo, é uma das obras mais bem recebidas pelo público da exposição, que já passou pelo Museu Oscar Niemeyer, em Brasília, e pela Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre.
A instalação consiste em um ambiente iluminado por elásticos fluorescentes que se movimentam e estabelecem novas formas. "A obra recria a sensibilidade do espaço e a relação dos seres humanos com o cosmos", explica a curadora.
Do ZERO
Valentyn conta que o rompimento com a pintura formal promovido pelo ZERO surpreendeu a academia e funcionou como uma plataforma aberta para que as relações artísticas fossem estabelecidas. "Isso era novo para época, não havia pesquisas nesse sentido."
Pinturas luminosas de Otto Piene, como Geschichte des Feuers (História do fogo), surpreenderam os colegas. "É possível ver como o espaço concreto é efêmero. As esculturas de luz livre são como um balé no espaço", diz Valentyn em alusão às performances conhecidas como Lichtballet (balé de luz).
Segundo a curadora, o começo de muitas inovações que se vê hoje na arte partiu do ZERO, que foi precursor das instalações artísticas. E por que partiu do zero? "É como o silêncio antes do lançamento de um míssil. Uma contagem regressiva. O passado antes de um novo começo", pontua Piene.