Obrigada, mestre Dines!
23 de maio de 2018Caros brasileiros, por que procurar grandes jornalistas no estrangeiro? O Brasil também tem o seu Joseph Pulitzer ou Egon Erwin Kisch. O nome desse grande repórter, escritor e editor é Alberto Dines. Era um profeta que, 20 anos atrás, já sabia o que o jornalismo de hoje precisava. Ele faleceu na terça-feira, 22 de maio, em São Paulo. É meu mestre brasileiro.
A paixão de Alberto Dines pelo jornalismo e pelos seus projetos de vida era contagiante. Na inauguração da Casa Stefan Zweig, em 2004, ele agradeceu no discurso ao "bando de loucos" que estavam dispostos a levar adiante o tributo ao escritor austríaco que ele tanto amava.
A "loucura" de Alberto Dines por Stefan Zweig começou em 1940, quando o escritor austríaco e a sua esposa Lotte visitaram uma escola judaica em Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Naquela época, Dines era um menino de oito anos de idade, e o pai dele era um dos líderes da comunidade judaica no Rio. Ele tinha ouvido o nome Stefan Zweig em casa, e por isso ficou atento quando o escritor visitou a escola.
Quando ele soube que esse Stefan Zweig se suicidou, ficou com uma ferida. Começou a se interessar pela obra dele e entrou em sua alma. Virou um profundo conhecedor de Zweig. A ferida cicatrizou somente em 2013 quando ele terminou a biografia Morte no paraíso - A tragédia de Stefan Zweig.
"O analista só deu alta para ele quando o livro foi publicado", contava a esposa de Dines, Norma Curi, para amigos. "Enquanto ele estava escrevendo a biografia, tinha sempre mais um homem na nossa cama: Stefan Zweig", brincava ela. Trabalho constante e doces austríacos pelo menos ajudaram a acalmar o ânimo do Alberto Dines, que adorava o famoso "Apfelstrudel".
A "loucura" de Dines por Stefan Zweig presenteou o Brasil com um museu e centro de memória do exílio na antiga casa do escritor em Petrópolis. A "loucura" pelo jornalismo presenteou o Brasil com inovações jornalísticas.
A inovação pioneira foi a fundação do Observatório da Imprensa. Estabelecer a crítica sistemática à mídia através de uma instituição independente em 1996, num tempo em que nem todos os jornais, rádios e TVs tinham uma presença na internet, foi um ato profético.
Antecipar o discurso de ódio, descrever a concentração e os interesses particulares da mídia brasileira, denunciar informações falsas, contribuir para a autocrítica da imprensa através da criação do "ombudsman", e prever a crise do jornalismo mundial mostram a grandeza de Alberto Dines.
Alberto Dines se foi numa época em que o Brasil mais do que nunca precisa de pessoas que pensem grande. Ele não conseguiu frear a concentração da mídia que ele mesmo descreveu, e o desvio ideológico na mídia que ele observava e que lhe preocupava.
Mas ele quis e conseguiu "oferecer alternativas de pensamentos" – como resumiu certa vez o alcance do Observatório da Imprensa em 2016, 20 anos depois de sua criação. "Pensar grande ou fazer pensar. Se conseguimos isso nessas duas décadas de Observatório, valeu a pena." Valeu sim! Obrigada, mestre Dines.
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
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