Os incêndios na Austrália têm mais a ver com o Brasil do que se pensa – não apenas
devido à fumaça no Rio Grande do Sul, mas também por serem um alerta sobre os cenários apocalípticos causados pelo aquecimento global.
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Caros brasileiros,
na Austrália pássaros mortos caem do céu, que mudou de cor e ficou vermelho e cinza. Restos de árvores e casas carbonizadas compõem uma paisagem apocalíptica. Nuvens pretas de fumaça são levadas até a Nova Zelândia, a 2.000 quilômetros de distância. Lá, cobrem as geleiras com uma camada preta de cinzas.
A Austrália virou um inferno na Terra. E o que significa isso para o Brasil? O governo brasileiro pode agora respirar fundo já que a Austrália fica longe e os incêndios tiram a atenção internacional das queimadas na Amazônia? O presidente Jair Bolsonaro tem razão quando diz que os países industrializados deveriam primeiro cuidar das suas próprias florestas antes de criticar o Brasil pelo aumento da destruição da Floresta Amazônica?
À primeira vista parece que sim. A devastação no sudeste da Austrália parece gigante. Nos estados de Nova Gales do Sul e Vitória quase 100.000 (!) pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas.
A área devastada pelas chamas já atingiu cerca de 70.000 km², uma área do tamanho da Irlanda. Milhões de bichos morreram. Em comparação: entre agosto de 2018 e julho de 2019, a área desmatada na Floresta Amazônica foi de 9.762 km², segundo dados do Inpe. Já a área consumida pelo fogo no auge das queimadas na Amazônia em 2019, entre agosto e setembro, foi de 41.197 km², também segundo o Inpe.
Mas o inferno australiano pode se alastrar para o Brasil mais rápido do que se imagina e para além da fumaça que já chegou ao Rio Grande do Sul. Os dois países têm muitas coisas em comum. Assim como o Brasil, a Austrália depende economicamente de agricultura e matérias-primas que aceleram o desmatamento de florestas. Assim como o Brasil, a Austrália extrai e exporta minério de ferro e ouro. Além disso, é uma dos grandes exportadores de carvão e, por isso, não tem interesse em reduzir as emissões de dióxido de carbono.
Livrar-se da dependência econômica da exportação de matérias-primas e, ao mesmo tempo, tornar a economia do país mais sustentável é um processo penoso. A indústria da Alemanha dependeu da produção de carvão durante mais de um século, especialmente na região do Ruhr, que agora tenta mudar de direção.
Existem também paralelos ideológicos entre o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, e Bolsonaro: os dois são políticos conservadores e evangélicos que negam o aquecimento global. Os dois incentivam a utilização das florestas para a indústria agrícola. Os dois cultivam a provocação como estilo político.
Mas as chamas na Austrália começam a queimar essas posturas ideológicas. Com os incêndios violentos, a Austrália virou uma espécie de laboratório do aquecimento global, que causa um sofrimento enorme para a sua população. Parece que o país virou um lugar onde se pode observar o impacto desastroso que as mudanças climáticas podem causar sobre a humanidade.
Na Austrália, por exemplo, nove dos dez verões mais quentes foram registrados desde 2005. A temperatura média subiu 1°C ao longo dos anos. O calor, a seca e os ventos fortes contribuíram para o alastramento dos incêndios atuais. E também a demora em reconhecer a gravidade da crise pelo primeiro-ministro Morrison, que agora está sendo duramente criticado.
Os incêndios na Austrália não somente mostram uma nova realidade de catástrofes ambientais no país. Eles mostram também possíveis consequências do aquecimento global no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Nesse apocalipse anunciado, o Brasil tem duas opções: continuar desmatando a Amazônia e acelerando o aquecimento global ou voltar a ser um líder na proteção climática. Olhem para a Austrália!
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
Austrália enfrenta a pior temporada de incêndios florestais de sua história, causando mortes e evacuações em massa. Também biodiversidade vegetal e animal estão ameaçadas.
Foto: AFP/P. Parks
Paredes de chamas
Com mais de 180 focos de incêndios em toda a Austrália, mais de 8 milhões de hectares já foram queimados. O estado de Nova Gales do Sul, na costa leste, é o mais atingido. Os incêndios em bosques e florestas não são incomuns no continente, mas desta vez sua intensidade foi extrema. A temporada de incêndios já começou em setembro e foi agravada por altas temperaturas, acima de 40ºC.
Foto: Reuters/AAP Image/D.
Desespero no campo
Com uma toalha, este garoto tenta abafar as chamas que se alastram pelo campo. Os agricultores lutam para continuar alimentando o gado, pois pastagens e gramados estão queimados. Muitos tiveram que sacrificar os animais devido a queimaduras ou estresse térmico.
Foto: AFP/W. West
Destruição
Mais de 1.800 casas foram queimadas, milhares de habitantes foram evacuados, e pelo menos 25 morreram. Segundo as autoridades, só no estado de Victoria, que inclui a cidade de Melbourne, nos últimos dias foram evacuadas 67 mil pessoas.
Foto: Getty Images/AFP/S. Khan
Trabalho nas chamas
Longe dos grandes centros ou no litoral, a densidade populacional da Austrália é baixa. Lá os bombeiros voluntários são ainda mais importantes. Devido à extraordinariamente violenta temporada de incêndios, este ano eles serão pagos a partir de um fundo especial: quem estiver envolvido no trabalho de extinção do fogo por pelo menos dez dias receberá uma diária equivalente a 190 euros.
Foto: AFP/S. Khan
Ajuda do Exército
As Forças Armadas da Austrália ajudam a evacuar os residentes por via aérea ou de navio. Três mil reservistas foram chamados para ajudar os bombeiros a combaterem incêndios. Helicópteros militares da Nova Zelândia devem chegar nos próximos dias para dar apoio.
Foto: AFP/AUSTRALIAN DEPARTMENT OF DEFENCE/N. Dorrett
Ar poluído
Este homem em frente ao Parlamento australiano em Camberra tem uma mangueira, mas não faz nada contra as chamas. Do ponto de vista de muitos australianos, poderia ser um símbolo das poucas medidas tomadas pelos políticos em relação à dimensão dos incêndios. O ar na capital australiana está tão poluído, que os moradores foram instados a ficar em casa.
Foto: Imago-Images/AAP/L. Coch
Acusações contra Scott Morrison
O primeiro-ministro é alvo de críticas porque, mesmo quando os incêndios já haviam começado, viajou de férias com a família para o Havaí. Hoje, ele não nega mais a influência humana nas mudanças climáticas, mas continua do lado da indústria do carvão. Em fotos nas redes sociais, há muitos se negam a apertar a mão de Scott Morrison, manifestando sua insatisfação com a gestão da crise.
Foto: AFP/J. Ross
Homenagem póstuma
O trabalho dos bombeiros é perigoso. Geoffrey Keaton morreu numa missão. Quando foi enterrado, em 2 de janeiro, seu filho recebeu uma Ordem de Mérito em nome do pai. Três bombeiros já morreram na temporada de incêndios deste ano.
Foto: Reuters/NSW RURAL FIRE SERVICE
Animais são vítimas
Esse coala foi salvo, mas muitos outros animais, não. Para os coalas, os incêndios são particularmente arrasadores porque instintivamente eles se escondem dentro das árvores e fogos rasteiros não os atingem. Mas os atuais incêndios violentos chegam até as copas das árvores e os matam. Numa área em que sua população é monitorada há bastante tempo, dois terços dos coalas morreram.
Foto: Reuters/P. Sudmals
Procura por comida
Os animais selvagens que sobreviveram ao fogo no Parque Nacional Wollemi, em Sydney, saem em busca de comida. Mas muitas vezes as chamas deixam apenas troncos carbonizados, como em Old Bar, Nova Gales do Sul. Os aborígines costumavam queimar a vegetação rasteira para conter incêndios provocados pelas intempéries de verão. Muitos australianos querem agora que essa prática seja revivida.
Foto: Imago Images/AAP/J. Piper
Ajuda a quem perdeu tudo
O governo australiano anunciou a criação de uma agência nacional para ajudar os afetados pela catástrofe. O equivalente a 1,2 bilhão de euros será distribuído ao longo de dois anos para agricultores, pequenas empresas e moradores. Milhares perderam suas casas no incêndio, como este homem de Nabiac, situada 350 quilômetros ao norte de Sydney.
Foto: AFP/W. West
Consequências na América do Sul
Uma cortina de fumaça cobre as regiões em fogo, como estas montanhas em East Gippsland, no estado de Victoria. Uma nuvem de fumaça percorreu mais de 12 mil quilômetros e chegou à América do Sul, sendo vista em 6 de janeiro sobre o Chile e a Argentina, e devendo chegar ao Rio Grande do Sul. Segundo o Departamento Meteorológico de Santiago, a fumaça não oferece risco à saúde da população.