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"Onda de ameaças a jornalistas é muito preocupante"

Guilherme Henrique de São Paulo
27 de outubro de 2018

Coordenadora do Comitê para a Proteção dos Jornalistas na América do Sul, Natalie Southwick diz que número de casos de assédio a repórteres durante a eleição brasileira é inaceitável em uma democracia.

Symbolbild Internationale Pressestimmen
Foto: Getty Images/M. Bureau

O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Sérgio Banhos, negou na última quinta-feira (25/10) o direito de resposta ao presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) sobre a reportagem publicada pela Folha de S. Paulo mostrando que empresários bancaram mensagens anti-PT no Whatsapp.

Após a publicação da matéria assinada pela repórter Patrícia Campos Mello, apoiadores do capitão reformado passaram a perseguir a jornalista em suas redes sociais, além de hackearem sua conta no aplicativo de mensagens.

O caso é relatado em comunicado conjunto da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e das ONGs Artigo 19, Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), Conecta Direitos Humanos, Human Rights Watch e Repórteres Sem Fronteiras. 

O texto relata ameaças e atos de violência contra jornalistas que cobrem a campanha eleitoral no Brasil e pede que os candidatos à presidência denunciem "de forma contundente" as intimidações aos profissionais de diversos órgãos de mídia no país.

Ao longo do período eleitoral, a Abraji documentou 141 casos de violência contra jornalistas que cobrem o pleito. De acordo com a nota da entidade, a maioria deles é atribuída a partidários de Bolsonaro, enquanto o restante é atribuído a apoiadores do Partido dos Trabalhadores.

Em entrevista à DW Brasil, Natalie Southwick, coordenadora do CPJ na América do Sul e na América Central, avalia o clima para o exercício do jornalismo no país em meio à tensão eleitoral.

DW Brasil: Como o comitê observou as ameaças que os jornalistas brasileiros têm sofrido no período eleitoral?

Natalie Southwick: A onda de ameaças, assédio e difamação contra jornalistas brasileiros durante o período eleitoral é muito preocupante para o CPJ. Há um aumento bastante forte na retórica anti-imprensa nas últimas semanas das campanhas e ataques muito sérios a jornalistas em específico, como Patricia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. De acordo com nossas observações, ameaças e assédio contra jornalistas brasileiros aumentaram nas últimas semanas, e continuamos preocupados com a segurança - tanto física quanto digital - dos jornalistas durante os próximos dias.

Ao longo da cobertura das eleições, a Abraji documentou 141 casos de violência contra jornalistas. O que esses números significam em uma democracia?

Em qualquer país, esses números seriam motivos de preocupação, ainda mais quando falamos de uma democracia. Por muitos anos, o Brasil tem sido um dos países mais perigosos para jornalistas na América Latina, junto com países em conflito como a Colômbia (anteriormente). Apesar de ser uma democracia, observa-se que o Brasil continua sendo um dos países da região em que os jornalistas estão mais em risco, e também com uma das maiores taxas de impunidade nos casos de violência contra jornalistas, segundo dados do CPJ.

Há descrença no Brasil em relação aos grupos de jornalismo tradicionais. É uma particularidade brasileira ou é um fenômeno encontrado em outros países da América Latina e do mundo?

Eu acho que é um sentimento que é visto em vários países da região e até mesmo no mundo, que as pessoas não confiam em certas mídias por causa de seus proprietários, sua linha editorial, suas decisões sobre quais tópicos cobrem, etc. Vê-se ainda mais neste momento, com toda a preocupação mundial com a questão das "fake news". Todos têm o direito de manter suas opiniões pessoais sobre a imprensa de seu país, mas isso não deve levá-los a acreditar em qualquer coisa que publique tal veículo, nem a julgar todos os jornalistas como mentirosos. Há bons jornalistas em qualquer mídia, e uma imprensa diversificada que traz opiniões e comentários diversos para o discurso nacional é fundamental para uma democracia e uma sociedade saudáveis.

Qual é o papel que os líderes partidários, especialmente os candidatos à presidência, podem exercer na época de vários ataques contra jornalistas? Qual é o discurso para garantir uma imprensa livre?

Os líderes políticos e os candidatos à presidência (ou qualquer cargo político) têm a responsabilidade de defender e proteger os direitos humanos de seus eleitores, e entre eles está o direito à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão. Os candidatos e os demais políticos devem esclarecer seu apoio à imprensa, seu respeito à liberdade de imprensa e deixar de criticar jornalistas ou meios de comunicação privados por publicarem algo de que gostem. Além disso, eles devem usar sua plataforma pública para chamar seus seguidores para parar de atacar e assediar jornalistas. Nós lançamos um relatório conjunto com cinco outras organizações sobre esta questão.

Como uma democracia instável prejudica a prática do jornalismo? O Brasil vive atualmente esse processo?

Uma imprensa diversa, livre e independente desempenha um papel muito importante no combate à corrupção, e qualquer líder deve reconhecer esse poder e fazer de tudo para protegê-lo e permitir que a mídia realize suas investigações sem pressão ou intervenção. A instabilidade acarreta muitos perigos para os jornalistas, porque o Estado de Direito, as instituições democráticas e o respeito pelas autoridades e pela sociabilidade do quadro internacional de direitos humanos são os requisitos que garantem a liberdade de imprensa e a segurança dos jornalistas.

Existe uma posição do CPJ em relação às duas candidaturas no Brasil?

O CPJ é uma organização independente e não política, por isso não assume qualquer posição diante dos processos eleitorais de qualquer país. Nós nos concentramos na missão de garantir que qualquer jornalista em qualquer país do mundo possa exercer seu trabalho jornalístico com liberdade e segurança, sem medo ou censura.

A chefe da missão de observação da Organização dos Estados Americanos (OEA) nas eleições no Brasil, Laura Chinchilla, disse que há disseminação sem precedentes de notícias falsas pelo Whatsapp nas eleições brasileiras. Como isso afeta a relação entre público - jornalistas - mídia?

Um ecossistema de mídia livre e vibrante é vital para o funcionamento de uma sociedade saudável, e a desinformação pode prejudicá-lo - mas vale enfatizar que as soluções não devem silenciar aqueles que informam. Em um ambiente em que os líderes denigrem o papel da imprensa, quando rotulam a mídia como "fake news", eles são municiados com a cobertura da mídia crítica, mas permitem que qualquer investigação ou comentário crítico seja considerado falso. Essa estrutura é vista com frequência em países autoritários, onde a mídia está sob cerco, marginalizada e atacada, o que permite que líderes autoritários exerçam mais poder sem que ninguém os responsabilize. A consequência dessa retórica é a censura de jornalistas honestos que relatam problemas reais.

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