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Onda de protestos ganha variações bem humoradas

Marina Estarque, de São Paulo13 de fevereiro de 2014

Isopor contra o aumento do preço da cerveja, mobilização pelo uso de bermuda no trabalho e toplessaço na praia: inspirados pelas manifestações de 2013, pequenos movimentos comprovam que brasileiro reaprendeu a protestar.

Os publicitários que criaram o movimento Bermuda Sim no Rio de JaneiroFoto: DW/M. Estarque

Mais de seis meses após as manifestações que tomaram o país no ano passado, protestos em prol de "pequenas causas" do cotidiano ganham enorme popularidade, impulsionados pelas redes sociais. São movimentos menores, como o $urreal, Bermuda Sim, Isoporzinho e Toplessaço, que propõem pequenas mudanças, embasadas em grandes questionamentos. O brasileiro reaprendeu a protestar – e às vezes de forma lúdica e bem humorada.

A maior parte dos criadores desses protestos participou das manifestações de 2013 e considera que o momento foi um importante aprendizado. Para Antônio Carlos Mazzeo, professor e cientista político da Universidade Estadual Paulista (UNESP), os brasileiros aprenderam que protestar é possível e funciona. "Hoje as pessoas sentem necessidade de se manifestar e encontram mais eco na sociedade para essas reivindicações", defende.

A jornalista Andréa Cals, de 48 anos, uma das idealizadoras do movimento $urreal, concorda. O grupo denuncia preços abusivos cobrados no Rio de Janeiro. "Não adianta você ficar esperando que um ser mágico faça algo, o cidadão precisa tomar essa iniciativa, não só nas urnas, mas no dia a dia", diz.

A página Rio $urreal - Não pague, criada por Andréa, Daniela Name (40) e Flávio Soares (41), tem 180 mil seguidores no Facebook. Lançado em 17 de janeiro, Andréa conta que o perfil teve mais de 40 mil curtidas em apenas 24 horas. Ela acredita que o grupo canalizou uma insatisfação com o aumento dos preços na cidade e em todo o país: "Só falamos a coisa certa na hora certa."

Boicote aos preços

O perfil publica fotos, enviadas por internautas, com valores exorbitantes, como um fichário escolar por R$ 200 e uma jarra de suco de frutas, em restaurante, por R$ 52. "Não questionamos o luxo, que é caro em todo o mundo, mas o aumento exagerado de produtos comuns, como o coco e o picolé na praia, que são os mesmos há anos", explica Andréa.

A ideia de criar a página surgiu da declaração do webdesigner Toinho Castro para um jornal. Na ocasião, Castro disse que os preços no Rio aumentaram tanto que a moeda deveria se chamar $urreal. Apesar de não se conhecerem, a frase de Castro inspirou o grupo a lançar a página e Patrícia Kalil, de 35 anos, também jornalista, a desenhar a nova moeda, com o rosto do surrealista Salvador Dalí. A montagem foi tão compartilhada na rede que será até exposta em um museu na Austrália.

Nota da moeda $urreal, criada pela jornalista Patrícia Kalil, será exposta em museu na AustráliaFoto: DW/M. Estarque

"Acho importante esse questionamento do consumidor, o que é uma alta natural e o que é um abuso. Pensamos que só o mercado ou o governo regulam a inflação, mas o cidadão também pode fazer a sua parte", diz Patrícia. Para ela, que também esteve presente nas manifestações de 2013, os brasileiros estão descobrindo o que é cidadania: "Temos que acompanhar, cobrar e participar politicamente naquilo que impacta as nossas vidas."

Isoporzinho

Outro movimento que surgiu como protesto contra os altos preços no Rio de Janeiro é o "Isoporzinho". "Passei um mês fora e, quando voltei, a cerveja que eu sempre bebia no mesmo bar tinha passado de R$ 7,50 para R$ 9. Fiquei revoltado! Você quer beber para esquecer que a vida está difícil e não pode porque a cerveja também está cara", argumenta o vj Guigga Tomaz, criador do primeiro encontro do movimento, em 23 de janeiro.

Ele conta que fez um evento no Facebook com o intuito de rever os amigos e propôs levar um isopor com cerveja de casa, como forma de boicote. O que era para ser uma reunião pequena atraiu centenas de pessoas em Botafogo, na Zona Sul do Rio. O eventos começaram a se espalhar pela cidade e até mesmo pelo país.

Um evento do "isoporzinho" na Zona Sul do RioFoto: DW/M. Estarque

Guigga diz que a proposta é transformar o isoporzinho em hábito entre amigos. "Queremos deixar claro que não é feio levar seu isopor. Farofa é pagar R$ 10 em uma cerveja", conclui. Para ele, o isoporzinho tem uma relação direta com os protestos de 2013.

"É um cerceamento das liberdades, seja pela estrutura ruim, no caso do transporte, seja pela via financeira", reclama. Ele acredita que ter participado das manifestações de junho o tornou mais "corajoso para tomar certas atitudes".

Pernas de fora

Além dos protestos de junho de 2013, o calor do verão carioca também incentivou a criação de outro movimento, o Bermuda Sim. Os publicitários Ricardo Ruliere (de 26 anos), Guilherme Anchieta (25) e Vitor Damasceno (30) são os mentores do site que ajuda homens a convencerem os chefes a liberar a bermuda no ambiente de trabalho. A página permite enviar um e-mail anônimo com o pedido, cheio de humor.

Lançado em 13 de janeiro, o movimento escreveu para mais 15 mil chefes, e 400 empresas aderiram à campanha. Inicialmente a reivindicação é válida somente durante o verão e para bermudas, mas os publicitários admitem que há uma flexibilidade. "Algumas empresas dispensaram o uso de terno e gravata, quando o ambiente é mais formal, enquanto outras liberaram a bermuda pelo ano todo", conta Ricardo.

O grupo parte do pressuposto de que a roupa não interfere na qualidade do profissional, ao contrário, aumentaria a satisfação e a produtividade. Segundo eles, por trás da reivindicação simples está uma mudança cultural. "Não faz sentido terno, gravata e calça no calor do Brasil. Importamos esse modelo da Europa, que é um lugar frio. Queremos criar a nossa própria identidade de vestimenta", afirma Ricardo.

Os três publicitários participaram das manifestações de junho do ano passado. "Acho que isso fez a minha geração perceber que temos um certo poder de mudar as coisas, principalmente com a internet", diz Ricardo.

Peitos de fora

Além do Bermuda Sim, outra reivindicação por menos roupa surgiu no Rio de Janeiro: o Toplessaço. O direito de deixar os seios à mostra na praia, como é comum em muitos países, gerou uma reação muito maior do que a sua organizadora, a atriz Ana Rios, de 24 anos, previa. "É ridículo ter que marcar um topless coletivo em 2013, um tema que já está em pauta desde os anos 70. E pior, ter milhares de homens e toda a imprensa lá para olhar", diz.

Protestos de junho serviram de inspiração para os pequenos movimentos surgidos agoraFoto: picture-alliance/dpa

Ela confessa que a presença do público no dia 21 de dezembro, na praia de Ipanema, foi "agressiva". A proposta era fazer uma manifestação "alegre" com as amigas, onde o corpo fosse encarado de forma "mais natural". O evento, entretanto, se espalhou nas redes e chegou a ter 10 mil confirmações.

Ana conta que as ameaças foram tantas que elas mesmas alertaram a policia, com medo de alguma agressão. Segundo ela, muitas das manifestantes desistiram de participar. No final, havia mais jornalistas e homens para assistir que mulheres protestando.

"Fiquei frustrada, mas hoje vejo que isso retrata exatamente os problemas que estávamos tentando denunciar. Havia vários homens ali só olhando para os peitos como objetos. Além disso, apesar de haver senhoras idosas, a imprensa deu destaque para algumas das mulheres mais novas, que tinham uma postura exibicionista", defende.

Para Ana, o Toplessaço era uma forma de debater o machismo, sem chocar. Entretanto, as participantes foram alvo de milhares de ofensas na internet. "Ficamos assustadas e não fizemos mais nenhum encontro. Ainda estamos pensando qual é a melhor forma de protestar neste contexto", explica. Por enquanto, as participantes do grupo continuam frequentando a praia sem a parte de cima do biquíni, mas de forma individual.

Ana também esteve nos protestos de junho de 2013. Ela acredita que desenvolveu, na época, o desejo de organizar o Toplessaço: "Depois das manifestações pensei muito em qual era a minha bandeira, e o que batia mais forte era esse medo velado de ser mulher". Ana diz que, para ela, os dois protestos têm motivações similares: "São todas essas coisas do cotidiano sobre as quais a gente cala".

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