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Onde a crise de 2008 pode se repetir

15 de setembro de 2018

Elevado endividamento de empresas, causado por prolongada política de dinheiro barato pelos bancos centrais, pode estar na origem de nova crise econômica, dez anos após a bolha do mercado imobiliário estourar.

Política de dinheiro barato tem ainda outro efeito: tornar atraentes os investimentos de alto riscoFoto: picture-alliance/dpa/aa/S. Goya

Há dez anos, a bolha do mercado imobiliário americano estourava e lançava a economia dos Estados Unidos numa recessão. O mercado de ações despencou, quase 7 bilhões de dólares de investidores sumiram no ar. Em dois anos, quase 9 milhões de pessoas perderam o emprego no país. A conta ficou para o contribuinte, e o Congresso aprovou a chamada Lei Dodd-Frank, que elevou o rigor na regulamentação do setor financeiro.

Como resposta à crise, bancos centrais ao redor do planeta baixaram os juros para zero e encheram os mercados de dinheiro, na esperança de que as empresas fizessem empréstimos nos bancos para voltar a investir e de que os consumidores usassem o crédito barato para consumir mais. O plano deu certo, e a economia voltou a crescer.

Nos últimos trimestres, a economia dos Estados Unidos cresceu acima de 4%, as empresas anunciaram lucros recordes, o mercado de trabalho registrou ocupação quase total, e a bolsa de valores de Wall Street não parou de subir. Nas últimas semanas, duas empresas dos Estados Unidos superaram o valor de mercado de 1 trilhão de dólares: Apple e Amazon.

O otimismo dos consumidores é o mais elevado em dez anos. O presidente Donald Trump festeja, no Twitter, os "resultados fantásticos" da economia. Até mesmo o Fed, o banco central dos EUA, mostra-se seguidamente otimista em relação à conjuntura econômica.

Mas há um porém. A política de dinheiro barato elevou o endividamento de consumidores, empresas e governos. Desde os primórdios da crise até 2017, a dívida total global subiu 74%, para um valor recorde de 247 trilhões de dólares, segundo um estudo da empresa de consultoria McKinsey. Isso é 13 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA, a maior economia do mundo.

E só no primeiro trimestre de 2018, a dívida total global subiu mais 11% na comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo o Instituto de Finanças Internacionais, uma associação mundial de organizações financeiras. Um superaquecimento do mercado de crédito contribui para a desaceleração da atividade econômica, comenta o economista Itay Goldstein, da Universidade da Pensilvânia.

A política de dinheiro barato tem ainda outro efeito: ela torna atraentes os investimentos de alto risco e elevado retorno. São papéis que pagam juros elevados em pouco tempo, mas em contrapartida envolvem alto risco para o investidor, por exemplo, porque o emissor tem um histórico de mau pagador ou está altamente endividado. Quando papéis seguros passam a não pagar mais juros, muitos investidores se voltam para esses títulos de elevado risco.

Assim, grande parte dos investimentos feitos no mundo é de títulos de alto risco, muitas vezes chamados junk bonds. Em todo o mundo, o valor total de empréstimos desse gênero está em torno de 2 trilhões de dólares ao ano, o que é duas vezes mais do que em 2007.

"Quanto melhor estiver a economia, tanto mais predispostos ao risco ficam os investidores", afirma Goldstein. Ele investigou o quanto investidores institucionais, como Vanguard e Black Rock, tendem a transferir o dinheiro de seus clientes de papéis seguros para papéis de elevado risco em tempos de crescimento econômico. Diante da alta procura por junk bonds, a conclusão é que os investidores estão se sentido extremamente seguros no momento.

Dívidas elevadas se tornam perigosas quando os calotes se multiplicam. E estes se tornam mais prováveis quando os juros sobem – como ocorre no momento. Pois, para pagar as atuais dívidas, muitas empresas precisam fazer novos empréstimos – a juros maiores. Isso eleva os custos delas, e as chances de não poderem mais arcar com suas dívidas.

E isso não é tudo: para os consumidores, sobem os juros no cartão de crédito e das prestações da casa própria e do carro. Na dúvida, eles param de gastar e de pegar mais dinheiro emprestado e apertam o cinto. O dinheiro que eles têm fica parado e não vai parar no caixa de empresas. Para estas, trata-se de uma sobrecarga dupla, pois, além de arcarem com custos mais elevados por causa da alta dos juros, elas ainda faturam menos.

Nesse ponto, o problema não está nos bancos. Desde a crise, eles trabalham dentro de uma regulamentação muito mais forte, comenta Susan Lund, uma das autoras do estudo da McKinsey. A montanha de dívidas das empresas chega a 66 trilhões de dólares em todo o mundo, afirma a empresa de consultoria. A combinação de juros em alta, demanda em queda e uma conjuntura lenta pode fazer com que o perigo, desta vez, esteja nas empresas.

O elevado endividamento das empresas pode se refletir também no mercado de ações. Pois, com o dinheiro que pegaram emprestado, muitas empresas fizeram sobretudo uma coisa: compraram de volta suas próprias ações. A recompra de ações está num nível recorde. As 500 principais empresas listada no índice de Wall Street vão colocar 1 trilhão de dólares na compra das próprias ações ao longo deste ano. Isso explica porque a bolsa de Wall Street não para de subir, pois as empresas estão elevando a demanda pelas suas próprias ações. Também empresas europeias vão investir, este ano, 10 bilhões de dólares em recompra de ações.

A atual fase de recuperação é a segunda mais longa da história dos EUA. Só que fases cíclicas de crescimento e retração são comuns, comenta o economista Lakshman Achuthan. Ele é o fundador do Instituto Economic Cycle Research, que estuda o comportamento cíclico da economia.

Uma crise como a de 2008 leva à queda de juros. Consumidores, governos e empresas fazem empréstimos baratos, e suas dívidas crescem, assim como a economia. Para impedir um superaquecimento da economia, que se reflete na alta da inflação, os bancos centrais elevam de novo os juros. O ciclo se fecha.

Achuthan prevê o desaquecimento da economia dos EUA. Investidores pensam da mesma maneira. O megainvestidor Ray Dalio, fundador do maior fundo de cobertura (hedge) do mundo, o Bridgewater Associates, avalia que a economia americana ainda não formou uma bolha, mas está perto disso. Para ele, o risco de uma recessão antes da eleição de 2020 é de 70% – ou seja, muito elevado.

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