Presidente terá que contar com parlamentares para cumprir parte de promessas eleitorais como reformar a Previdência e reduzir a maioridade penal. Com alta renovação, dinâmica na Câmara e no Senado mudou.
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O presidente Jair Bolsonaro terá que contar com o apoio do Congresso para tirar do papel suas principais promessas de campanha, como reformar a Previdência, reduzir a maioridade penal, reformular o Estatuto do Desarmamento e privatizar estatais.
O Congresso retoma suas atividades nesta sexta-feira (01/02) com a eleição dos presidentes das duas Casas e com uma taxa de renovação histórica de 87% no Senado e de 52% na Câmara. Das 54 vagas colocadas em disputa em 2018, 46 serão ocupadas por novos senadores. Já na Câmara, serão 243 deputados em seu primeiro mandato.
"Alguns partidos e parlamentares estão alinhados de forma pragmática com Bolsonaro. Mas, como ele disse que não haverá troca de apoio por cargos e emendas, uma possibilidade será a troca de pautas difíceis por pautas de interesse de bancadas específicas", comenta Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio.
Reformar a Previdência
A reforma da Previdência é uma das prioridades do presidente Jair Bolsonaro. O governo poderia tentar aprovar alguns pontos por meio de projeto de lei ou medida provisória tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado por maioria simples, ou seja, com o voto favorável de 257 deputados federais (de 513) e 41 senadores (de 81).
Porém, para realizar uma reformulação mais profunda no setor – como fixar idade mínima para aposentadoria no setor privado e alterar regras para servidores públicos –, é preciso aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Para isso, é necessário o apoio de três quintos de cada Casa: ao menos 308 deputados em dois turnos na Câmara e 49 senadores em dois turnos no Senado.
"É uma das votações mais difíceis. Mas, do ponto de vista da sociedade, parece que há um grau de consenso maior quanto à necessidade de alguma reforma, e isso facilita", afirma Mohallem. "A percepção de uma reforma desigual e que preserva privilégios de certas categorias costuma ser um princípio de fracasso. Aumenta a chance de sucesso se transmitir a ideia de que o sacrifício será de todos."
Reduzir a maioridade penal
Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou em entrevista que, se eleito, poderia apresentar uma proposta de redução da maioridade penal de 18 para 17 anos – e não para 16, como previa seu programa de governo. De acordo com Bolsonaro, a proposta de redução para 17 anos poderia ser mais facilmente aprovada pelo Congresso.
Para realizar mudanças neste tema, por ser uma PEC, o governo precisa contar com o apoio de três quintos dos parlamentares – ao menos 308 deputados e 49 senadores –, sendo duas votações em cada Casa. Em 2015, a Câmara aprovou em segundo turno a redução da maioridade penal para 16 anos para crimes hediondos como estupro, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, porém, a proposta está parada no Senado.
"Esse não deverá ser um dos temas mais controversos, principalmente se for escolhido um modelo em que a maioridade penal seja reduzida para crimes mais graves – o que torna muito mais fácil sua aprovação", conta Mohallem. "Se é uma medida que tem amplo apoio popular, os parlamentares ficam então mais seguros de seguir nessa direção."
Criar um imposto único
Em seu discurso de posse como ministro da Economia, Paulo Guedes defendeu a criação de um imposto único. Entre as alternativas estudadas estaria a instituição do Imposto de Valor Agregado (IVA), que englobaria diversos tributos federais para evitar a tributação em cascata.
Por ser uma PEC, o texto da reforma tributária precisa ser primeiramente votada em uma comissão especial. Em seguida, ele deve seguir ao plenário e ter o apoio de três quintos dos parlamentares, ou seja, ao menos 308 deputados e 49 senadores, sendo duas votações em cada Casa.
"É um debate que exige experiência dos parlamentares. É um arranjo delicadíssimo, pois envolve três níveis da federação", frisa Mohallem. "É uma incógnita se essa agenda vai perseverar: ela é festejada pelo setor econômico, mas tem pouco apelo e compreensão do ponto de vista popular."
Privatizar estatais
O secretário de Desestatização e Desinvestimentos, Salim Mattar, afirmou recentemente que o governo federal pretende privatizar ou extinguir todas as 138 empresas estatais, com exceção somente de Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. É prevista uma arrecadação total de até 800 bilhões de dólares com as privatizações.
Porém, os planos de vender algumas empresas esbarram numa determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o Congresso deve autorizar a privatização de mais de 50% das ações de cada estatal. A liminar, concedida pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski no final de junho, ainda não tem data para ser apreciada em plenário.
Facilitar o porte de armas
O Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, limitou a posse e retirou milhares de armas em circulação no país. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu reformular o estatuto para facilitar a posse e o porte de armas. Como presidente, assinou um decreto em 15 de janeiro que flexibilizou a posse, ou seja, a possibilidade de o cidadão ter a arma na residência ou no estabelecimento comercial de que é proprietário.
Mas, para especialistas, mudanças mais substanciais como facilitar o porte de armas – a possibilidade de os cidadãos portarem armamentos fora de casa ou local de trabalho – dependem da aprovação do Congresso. "O decreto só serviu para preencher lacunas deixadas dentro dos limites estabelecidos pela lei. Outras alterações terão que passar pelo Congresso", explica Mohallem.
Saídas temporárias de presos
Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu extinguir as saídas temporárias e a progressão da pena de presos porque é necessário "prender e deixar preso". Porém, para acabar com esses benefícios, o presidente teria que alterar a Lei de Execuções Penais, o que depende apenas do Congresso.
Mesmo assim, o STF poderia julgar como inconstitucional possíveis mudanças feitas pelos parlamentares. O Supremo considerou inconstitucional, em 2006, uma lei que proibia a progressão de pena para autores de crimes hediondos. Já a chance de questionamento no STF seria menor em relação ao tema saídas temporárias.
"A proposta de extinguir a progressão da pena dificilmente vingaria, pois ela entra na esfera do STF. Decisões já proferidas afirmam que a progressão é um princípio constitucional. O governo pode até propor uma progressão mais lenta, mas ela deve existir", conta Mohallem. "Quanto à saída temporária, ela iria também enfrentar a interpretação do próprio STF."
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Com diplomação, presidente eleito conclui primeira fase da transição e já tem o gabinete formado. Durante a campanha, ele prometeu reduzir número de ministros de 29 para 15, mas acabou com 22. Veja quem são.
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Redução modesta
Durante a campanha, Jair Bolsonaro prometeu reduzir o número de ministérios de 29 para 15. Mas, durante a transição, o presidente voltou atrás e promoveu uma redução bem menor do que a prometida. Ao todo, há 22 pastas no novo governo. Entre os ministros, há filiados do DEM, PSL e MDB, além de dez com laços militares, dois discípulos de Olavo de Carvalho e apenas duas mulheres.
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Paulo Guedes
Guru econômico e ministro anunciado ainda durante a campanha, Paulo Guedes comanda o superministério da Economia, formado pela junção das pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. O economista é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), suspeito de ter cometido fraudes na captação de recursos de fundos de pensão de estatais entre 2009 e 2013.
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Onyx Lorenzoni
Deputado federal do DEM, Onyx Lorenzoni articulou a campanha de Bolsonaro desde 2017 e foi indicado para assumir a Casa Civil. Em sua carreira política, já foi deputado estadual no Rio Grande do Sul e, desde 2003, tem mandatos na Câmara. Após ser citado na delação da JBS, ele admitiu ter recebido caixa dois de campanha, e está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República.
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Sérgio Moro
Juiz federal que foi responsável pela Lava Jato em primeira instância, Sérgio Moro comandará o Ministério da Justiça. Seu decisão de entrar para a política causou polêmica. Foi ele quem condenou Lula pela primeira vez em 2017, o que marcou o início dos problemas do ex-presidente em registrar sua nova candidatura ao Planalto em 2018. Fato que ajudou Bolsonaro a assumir a liderança nas pesquisas.
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Marcos Pontes
Astronauta que chegou a ser cotado para vice da chapa do PSL, Marcos Pontes chefiará o Ministério da Ciência Tecnologia. Formado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Pontes se tornou o primeiro astronauta brasileiro da história e foi enviado ao espaço pela Missão Centenário, em 2006, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é filiado ao PSL.
A deputada federal Tereza Cristina (DEM) comandará o Ministério da Agricultura. Engenharia agrônoma e empresária, Tereza Cristina foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e indicada pela bancada ruralista para o cargo. Ela defende a aprovação do projeto lei que flexibiliza as regras para a fiscalização e aplicação de agrotóxicos no país.
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Ernesto Araújo
Diplomata de carreira, Ernesto Araújo assumirá o Ministério das Relações Exteriores. Discípulo de Olavo de Carvalho, ele atuou no Itamaraty em várias áreas, porém, nunca chefiou uma embaixada. Araújo mantinha um blog no qual fez campanha para Bolsonaro, chamou o PT de "Partido Terrorista" e disse querer libertar o mundo da "ideologia globalista". Admira Donald Trump e nega o aquecimento global.
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Luiz Henrique Mandetta
Deputado federal do DEM (MS), Luiz Henrique Mandetta ficou com o comando do Ministério da Saúde. Médico ortopedista e ligado a Lorenzoni, ele era crítico do Programa Mais Médicos. Entre 2005 e 2010, Mandetta foi secretário municipal de saúde de Campo Grande. A passagem pelo cargo lhe rendeu um inquérito por suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois.
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Fernando Azevedo e Silva
O general da reserva Fernando Azevedo e Silva foi escolhido para o Ministério da Defesa. Natural do Rio, ele deixou o Alto Comando do Exército em 2018 e passou a assessorar o presidente do STF, Dias Toffoli. Azevedo e Silva foi chefe do Estado-Maior do Exército e comandante da Brigada Paraquedista, onde serviu ao lado de Bolsonaro. Chefiou ainda operações na Missão de Paz da ONU no Haiti.
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Ricardo Vélez Rodríguez
Escolha do colombiano antipetista Ricardo Vélez Rodríguez para assumir o Ministério da Educação foi indicação de Olavo de Carvalho. Nascido em Bogotá e naturalizado brasileiro, Vélez Rodríguez é formado em filosofia e mostrou apoiar várias das bandeiras defendidas por Bolsonaro, como a expansão de escolas militares no país e o combate a uma suposta predominância de ideias esquerdistas no ensino.
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Tarcísio Gomes de Freitas
O ex-diretor do Dnit Tarcísio Gomes de Freitas chefiará o novo Ministério da Infraestrutura, que deve englobar a atual pasta de Transportes, Portos e Aviação Civil. No governo Temer, Freitas foi secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parceria em Investimentos e consultor legislativo da Câmara dos Deputados. O engenheiro civil iniciou a carreira no Exército e atuou no Haiti.
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Gustavo Canuto
Servidor efetivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto comandará o novo Ministério do Desenvolvimento Regional. Servidor sem filiação partidária, Canuto é formado em engenharia da computação e direito e já atuou na Secretaria Geral da Presidência da República, na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e na Secretaria de Aviação Civil.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Osmar Terra
Ex-ministro do governo Temer, Osmar Terra assumiu o novo Ministério da Cidadania e Ação Social. Médico, Terra é deputado federal pelo MDB desde 2001. Já foi prefeito de Santa Rosa (RS) e secretário de Saúde do RS. Terra poderá ser um dos ministros que trará dor de cabeça a Bolsonaro. O deputado apareceu na superplanilha da Odebrecht, que indicaria propinas pagas a políticos.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Marcelo Álvaro Antônio
Deputado do PSL Marcelo Álvaro Antônio assumirá o Ministério do Turismo. Integrante da frente parlamentar evangélica, ele foi o candidato mais votado em Minas Gerais, reeleito para o segundo mandato neste ano. Antes de ser deputado, Antônio foi vereador de Belo Horizonte. Antônio é o segundo filiado do PSL escolhido por Bolsonaro para integrar seu governo.
Foto: Agência Brasil/Valter Campanato
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior
O almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior chefiará o Ministério de Minas e Energia. Ele atuou como diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, foi observador do Brasil na Força de Paz das Nações Unidas em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, e comandante de submarinos.
Foto: Getty Images/AFP/H. Retamal
Damares Alves
Pastora evangélica e assessora do senador Magno Malta (PR), Damares Alves foi escolhida para chefiar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A advogada trabalha há mais de 20 anos no Congresso. Ela já declarou que a mulher nasceu para ser mãe, se posicionou contra o feminismo e políticas voltadas a diminuir a discriminação de homossexuais. É contra a legalização do aborto e das drogas.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Ricardo de Aquino Salles
Advogado e criador do Endireita Brasil, Ricardo de Aquino Salles será o ministro do Meio Ambiente. Salles foi secretário estadual do Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin. É réu por improbidade administrativa, acusado de esconder alterações em mapas do zoneamento ambiental do rio Tietê, numa ação que teria favorecido mineradoras. Foi ainda diretor da Sociedade Rural Brasileira.
Foto: Imago/Fotoarena
Ministérios dentro do Planalto
Além da Casa Civil, outros três ministérios funcionam dentro do Planalto. Ex-presidente do PSL e aliado próximo de Bolsonaro, Gustavo Bebianno será o chefe da Secretaria-Geral. O general reformado que comandou a Missão ONU para a Estabilização no Haiti Augusto Heleno ficou com o Gabinete de Segurança Institucional. Já o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ficará com a Secretaria de Governo.
Foto: Getty Images/AFP/M. Pimentel
AGU e CGU
A Advocacia-Geral da União (AGU) ficará sob o comando do advogado André Luiz de Almeida Mendonça, que, ao longo da carreira, atuou em áreas de transparência e combate à corrupção. O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) continuará a ser chefiado por Wagner Rosário (foto). O servidor de carreira ocupa o cargo desde junho de 2017, indicado pelo ex-presidente Michel Temer.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Roberto Campos Neto
O chefia do Banco Central ficou com o economista Roberto Campos Neto, neto do ex-ministro do Planejamento Roberto Campos, que comandou a pasta entre 1964 e 1967, durante a ditadura militar. Próximo de Paulo Guedes, já atuou no banco Santader, no banco Bonzano Simonsen e na gestora de fundos Claritas.