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ONG diz que Sochi é momento oportuno para Rússia rever posição sobre Síria

Michael Knigge (rc)4 de fevereiro de 2014

Diretor-executivo da Human Rigths Watch afirma que os Jogos de Sochi podem ajudar numa mudança de postura do governo russo em relação à Síria. Sobre a Ucrânia, opina que manifestações são "o pesadelo de Putin".

Foto: dapd

Desde 1993, o jurista Kenneth Roth comanda a Human Rights Watch (HRW), uma das principais organizações de defesa dos direitos humanos em todo o mundo e que atua em mais de 90 países.

Antes de se tornar o diretor-executivo da organização, Roth atuava como promotor público em Nova York e Washington e conduziu diversas investigações e missões de direitos humanos ao redor do mundo.

Ele denunciou extensivamente uma ampla variedade de abusos, com atenção especial para os temas da justiça internacional, o combate ao terrorismo, as políticas externas das grandes potências mundiais e o trabalho das Nações Unidas.

Às vésperas dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, Roth entende que esse pode ser um bom momento para que o presidente russo, Vladimir Putin, mude sua posição e pressione para permitir a entrada da ajuda humanitária na Síria.

Já em relação à Ucrânia, Roth analisa que a resposta "vigorosa" de Putin às manifestações pró-União Europeia em Kiev se deve ao temor do presidente russo de que haja uma revolução parecida em seu país. "Ele está aterrorizado. Este é o pesadelo de Putin."

DW: Qual é a sua avaliação das negociações de paz na Síria, que terminaram na semana passada?

Kenneth Roth: Não acho que alguém tenha ficado surpreso com o fato de as negociações não terem chegado a lugar algum, e ninguém acredita que irão avançar tão cedo em qualquer direção.

Para mim, a verdadeira pergunta é: enquanto as conversações continuarem e se arrastarem por meses e meses e meses, o que será feito paralelamente para lidar com a estratégia do governo sírio de assassinar deliberadamente o maior número possível de civis, nas regiões sob controle da oposição, para tirá-los de lá e deixando-os sem a ajuda humanitária essencial para a sua sobrevivência?

Até agora, a resposta do governo dos Estados Unidos é "estamos conversando sobre a paz, resolveremos tudo quando tivermos paz". Mas essa resposta não é satisfatória. O governo americano precisa estar apto a fazer duas coisas ao mesmo tempo. Eles podem conversar sobre a paz, mas devem também pressionar a Síria para que interrompa a matança de civis e permita o acesso de ajuda humanitária ao país.

Como Washington poderia fazer isso? A acusação americana de que a Síria não age com a rapidez necessária para destruir seu arsenal químico poderia ser um passo nessa direção?

Até agora, Washington se concentrou quase exclusivamente na questão das armas químicas – o que, de fato, é importante. Mas temos que reconhecer que as armas químicas são responsáveis por menos de 2% das mortes dos cidadãos sírios nesse conflito, enquanto as outras 98% foram causadas por armas convencionais. Washington não fala disso.

Os milhões de pessoas que sofrem de inanição e com a escassez de suprimentos médicos – Washington também não fala nisso, a não ser nos termos das chamadas "medidas de construção de confiança", que incluem abrir essa ou aquela área ocupada pelas tropas do governo sírio. Não há pressão de fato para que a Síria permita a entrada da ajuda humanitária de grande porte necessária ao país.

O momento atual é muito oportuno. Estamos próximos da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, e a Rússia deverá relutar em manter o veto a intervenções na Síria durante esse período. O Kremlin não quer ser visto, durante a abertura dos Jogos, como um governo que assina embaixo dos sofrimentos de milhões de sírios. Por isso, fazemos um apelo para que a Rússia use a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno para permitir uma abertura das fronteiras sírias.

O governo russo tem influência sobre Assad para fazer com que ele mude sua postura. Quando o acordo sobre o arsenal químico foi acertado entre Serguei Lavrov [ministro do Exterior russo] e John Kerry [secretário de Estado dos EUA], Lavrov conversou com Assad por vinte minutos antes de ele ser praticamente obrigado a cumpri-lo. É preciso que essa influência seja usada.

Provavelmente haverá em breve uma proposta de resolução na ONU que irá além da declaração não-vinculativa adotada em outubro e que deverá insistir para que a Síria abra suas fronteiras à ajuda humanitária.

Espero que não haja veto da Rússia a essa resolução, e que os EUA permitam que ela siga adiante, em vez de proceder em sua estratégia unidimensional de que tudo que devem fazer é conversar sobre a paz, sem tomar atitudes para por fim às matanças e privações durante os vários meses ainda necessários para alcançar a paz.

O que o senhor gostaria que Washington fizesse de concreto?

A resolução junto ao Conselho de Segurança da ONU deverá ser apresentada em conjunto por Austrália, Luxemburgo e Jordânia. É primordial que Washington não a bloqueie.

É preciso reconhecer que é possível envolver a Rússia como parceira nas negociações de paz, mas, ao mesmo tempo, insistir com o governo russo para que eles pressionem Assad a interromper a matança e – a medida mais importante agora – abrir os corredores da ajuda humanitária.

Se os EUA permitirem que a resolução siga adiante, a questão então será se a Rússia irá ou não vetá-la, diante de tantas privações na Síria, com os impasses nas negociações de paz e com os Jogos Olímpicos de Inverno prestes a começar.

Na Ucrânia, os militares alertaram o governo e a oposição quanto ao impasse na crise em Kiev. Qual a sua opinião sobre a complicada situação no país?

Fiquei contente ao ver que [o presidente Viktor] Yanukovytch retrocedeu em seus esforços de implementar uma estratégia similar à de Putin. O presidente russo enfrentou protestos semelhantes em seu país e basicamente tomou uma série de atitudes para reprimir a oposição e para mobilizar a base conservadora.

Por algum tempo, parecia que Yanukovytch estava seguindo a cartilha de Putin, mas ele voltou atrás e o parlamento ucraniano repeliu muitas das medidas repressivas que havia instituído há apenas uma semana.

Houve alguma violência por parte dos manifestantes, de alguns dos indivíduos mais extremos, e é importante que isso acabe. Mas também é importante que o governo, ao responder a essa violência, como é seu dever, não reaja de modo exagerado. O governo deve reagir apenas contra os manifestantes que agiram de forma violenta, enquanto todos os demais têm direito de continuar a protestar.

Há relatos de tortura por parte do governo ucraniano. O senhor pode confirmar isso?

Um dos ativistas que conhecemos desapareceu dias atrás. Ele foi sequestrado e não sabíamos o que aconteceu com ele. Agora ele reapareceu, e contou que foi brutalmente torturado por indivíduos que descreveu como "capangas que falavam russo". Não sabemos exatamente quem o torturou, mas isso certamente parece muito suspeito. Espero que o governo inicie imediatamente uma investigação para averiguar quem seriam esses indivíduos, para que eles sejam levados à Justiça.

A Ucrânia está no centro de uma disputa entre a .O que o senhor acha disso? Qual das duas partes tem o melhor argumento?

Obviamente, existem argumentos econômicos e de segurança por trás disso tudo. Mas, na base, está o argumento da liberdade. A proposta da União Europeia de aproximação representa um futuro da liberdade para os ucranianos, com toda a gama de direitos de que gozam os europeus.

O que a Rússia e Putin representam, caso a Ucrânia venha a pender para o seu lado com a combinação de ameaças e propinas oferecida por Putin, é um futuro de um autoritarismo sombrio, de um regime político inspirado na era soviética, em vez de um futuro de liberdade democrática. Trata-se uma difícil escolha para o povo ucraniano, e a minha esperança é que ao menos essa escolha possa ser discutida abertamente, com respeito aos direitos de todos e sem uso de violência.

Que sinal os acontecimentos na Ucrânia enviam a outros povos na região?

Honestamente, acho que a resposta vigorosa de Putin aos protestos na Ucrânia se deu, em parte, por ele temer uma revolução na Rússia. Por anos ele tem se esforçado para tentar evitar essas situações. Subitamente parece haver algo como uma possível revolta popular no país mais importante do antigo bloco soviético depois da Rússia, e ele está aterrorizado. Este é o pesadelo de Putin.

Acho que os protestos representam o renascimento da esperança. Vimos muitos protestos desse tipo perderem o rumo, no Oriente Médio e no norte da África. Faz tempo já que um deles foi bem-sucedido – o caso mais recente parece ter sido a Tunísia. Mas, agora, há esperança real num país importante da Europa. Se houver êxito, será um forte sinal positivo para outros povos ao redor do mundo.

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